• O Rei do Povo: Uma crônica atemporal sobre o fanatismo religioso

    Religiões são utilizadas por espertalhões ao longo dos séculos como forma de manipular as massas, é algo que podemos constatar historicamente sem muito esforço, basta olhar pastores que de uma hora para outra ficam ricos manipulando a fé genuína de seus rebanhos, para pedir quantias volumosas de dinheiro que deveria ser para Deus, mas o que se vê é só a fortuna do líder aumentar, sem que esse trabalhe para isso. Mas, essa situação não acontece só com pastores, mas, também, padres e outros líderes religiosos. Não estou afirmando que todos são assim, porém existe um número significativo desses líderes espertalhões.

    Essa resenha é sobre um filme baseado em fatos reais que demonstra bem como é feita esse tipo de manipulação para distorcer a fé.

    A obra cinematográfica”O Rei do Povo” nos transporta para a Índia pré-independência, mergulhando-nos em um drama histórico que ecoa com inquietante atualidade. O filme, baseado em fatos reais, narra a corajosa luta de um jornalista, Karsandas Mulji, contra um poderoso líder religioso acusado de abuso de poder e conduta imoral.

    A trama se desenrola como um thriller psicológico, onde a fé é manipulada como arma e a verdade se torna uma vítima. Mulji, interpretado de forma brilhante, desafia o status quo e expõe as falhas de um sistema que idolatra cegamente uma figura religiosa, transformando-o em um “rei do povo”. A jornada do jornalista é marcada por obstáculos, ameaças e a resistência de uma comunidade enraizada em dogmas.

    A direção habilidosa e a fotografia rica em detalhes contribuem para criar uma atmosfera opressiva e tensa. A trilha sonora, por sua vez, intensifica as emoções, acentuando os momentos de confronto e suspense. O filme não poupa críticas ao fanatismo religioso, expondo os perigos da devoção cega e a fragilidade da fé quando manipulada por interesses obscuros.

    “O Rei do Povo” vai além de uma simples denúncia, é um convite à reflexão sobre a natureza do poder, a importância da liberdade de expressão e o papel dos indivíduos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A história de Mulji nos inspira a questionar os dogmas, a buscar a verdade e a defender nossos valores, mesmo diante da adversidade.

    Um dos pontos altos do filme é a construção dos personagens. Além de Mulji, outros personagens secundários são ricamente desenvolvidos, como os seguidores cegos do líder religioso, os familiares de Mulji e os demais envolvidos no processo judicial. As atuações são convincentes, transmitindo a complexidade de cada indivíduo e as nuances de suas motivações.

    A relevância de “O Rei do Povo” transcende as fronteiras da Índia. O tema do fanatismo religioso é universal e atemporal, ecoando em diversas sociedades ao redor do mundo. O filme nos mostra como a manipulação da fé pode ser utilizada para controlar massas, sufocar o debate e perpetuar a injustiça.

    Em suma, “O Rei do Povo” é um filme essencial para aqueles que buscam uma reflexão profunda sobre os perigos do fanatismo religioso e a importância da luta pela verdade. É uma obra que nos convida a questionar nossas crenças, a valorizar a liberdade de expressão e a construir um mundo mais justo e tolerante.

    “O Rei do Povo” é um filme que merece ser visto e discutido. É uma obra que nos provoca, nos emociona e nos inspira a sermos cidadãos mais conscientes e engajados. Recomendo fortemente este filme para todos aqueles que se interessam por história, drama e questões sociais. É um filme que nos faz pensar e questionar, e que certamente deixará uma marca em quem o assistir.


  • Baleia: uma imersão na solidão e a busca pelo amor

    Sou um degustador de filmes, séries e tudo mais que o audiovisual produz, e tenho um grande prazer de, mais uma vez, em poucas linhas, te levar a conhecer meu ponto de vista sobre um longa metragem que vi essa semana. O filme se chama “The Whale” (A Baleia). Para apresentar essa obra, escolhi os caminhos do amor e da solidão como elementos principais na compreensão do roteiro do filme, nesse caso, do mapa que nos levará às profundezas desses sentimentos.

    “A Baleia” é um drama psicológico americano, com roteiro escrito por Samuel D. Hunter, baseado em sua peça de mesmo nome. Foi dirigida por Darren Aronofsky e estrelado por Brendan Fraser, Sadie Sink, Hong Chau, Samantha Morton e Ty Simpkins. Seu lançamento aconteceu em 2022 no Festival Internacional de Cinema de Veneza e, três meses depois, foi lançado nos Estados Unidos.

    A narrativa se desenrola em um apartamento claustrofóbico, onde Charlie, interpretado de forma magistral por Brendan Fraser, encontra refúgio em uma existência solitária e autodestrutiva. A obesidade, nesse contexto, não é apenas uma condição física, mas uma metáfora para o isolamento e a dor emocional que o personagem carrega.

    A solidão de Charlie é palpável em cada cena. Seus dias se resumem a aulas online, fast food e a esperança de um contato humano genuíno. A relação com sua filha adolescente, Ellie, é marcada por ressentimentos e mágoas não resolvidas, pelo fato dele ter deixado ela e sua mãe para viver um relacionamento homoafetivo. Tudo se intensificou quando seu companheiro se suicidou, deixando o sentimento de vazio o consumir. A busca por conexão se torna a força motriz da história. Através de encontros com personagens que orbitam seu mundo, como a enfermeira Liz e o jovem missionário Thomas, Charlie busca resgatar a humanidade perdida e encontrar um propósito para sua vida.

    É nesse contexto que a importância de viver o amor se revela, pois o amor não se limita à paixão romântica, mas se estende à amizade, à compaixão e ao perdão. A relação de Charlie com Liz, marcada pela gentileza e pelo cuidado, demonstra que o amor pode florescer nos lugares mais inesperados.

    “A Baleia” é um filme que nos confronta com nossas próprias fragilidades e nos convida a refletir sobre a importância dos relacionamentos humanos. A obra, embora dura e realista, nos oferece uma mensagem de esperança, mostrando que mesmo em meio à dor e ao sofrimento, é possível encontrar a redenção e o amor.

    A atuação de Brendan Fraser é simplesmente sensacional, o que lhe rendeu o Oscar de melhor ator. Sua interpretação visceral e emocionante nos leva a uma jornada emocional profunda, fazendo com que nos conectemos com a dor e a esperança de Charlie.

    Apesar do filme se chamar “A Baleia”, não se trata de um título gordofóbico, esse nome está relacionado a uma redação feita por Ellie, filha de Charlie, sobre a obra Moby Dick, de Herman Melville, quando ela tinha oito anos, a qual ele guardava e sempre lia. A leitura dessa redação gerou uma cena forte e emocionante no final do filme.

    Em suma, esta obra é essencial para aqueles que buscam uma reflexão profunda sobre a condição humana e nos convida a valorizar os relacionamentos e a busca pelo amor em todas as suas formas.


  • A Elizabeth de Butterfly

    A felicidade e a tragédia podem se instalar em nossas vidas do nada, por um acaso. Alguns chamam de destino, outros vão dizer que se instalaram porque assim eles planejaram. Bem, pode não ser assim, mas gosto de acreditar que é.

    Um dia perguntei a uma amiga por que seu nome era Beth de Butterfly? Ainda lembro dela abrindo seu sorriso iluminado e respondendo que era porque Borboletas voam e são multicoloridas. Juro que não entendi a resposta, porém se faz sentido para ela, é o que vale.

    Enquanto escrevo, parece que estou vendo sua pele branca, de menina de classe média alta, muito bem criada, sem uma única marquinha em toda ela, parecendo um pêssego recém colhido. Filha única, de uma casual de juízes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, tratada a pão de ló, sem jamais, durante a infância ou juventude, ter passado por qualquer dificuldade. Quando penso em definir a personalidade de Butterfly, a primeira coisa que me vem à cabeça é que ela é uma típica representante do modelo que a sociedade judaica-cristã-javélica-pós-exílio-na-Babilônia apregoa, pois vive nos padrões, presa, sabe-se lá por quê, para quê.

    Butterfly graduou-se em Direito e passou logo de cara na prova da OAB, porém nunca exerceu a profissão, gerando desgosto aos seus pais. Hoje, aos 28 anos, vive de restaurar obras sacras. Os únicos excessos que sei que comete, ou já comenteu são: às sextas-feiras, juntamente com as amigas Natasha e Sara, tomarem três cervejas no Beco da Lama e chegarem em casa depois das 22 horas.

    No entrevero das coisas confusas minha amiga, peço-lhe perdão por revelar aqui algo tão íntimo e tão seu, um segredo confiado a mim, portanto deveria ser só nosso, mas agora tornarei público.

    Eu que conheço a verdade, porque já li João Andrade, Adélia Prado, Adélia Costo, conheço na profundidade os escritos e manuscritos de Ozany Gomes, e com esses autores descobri a liberdade, sei que não existe pecado abaixo da linha do equador.

    E sobre sonho bom e realidade, vou introduzir outro personagem nessa trama, o Demunnus.

    Demunnus, em seus 19 anos de vida, habitante do mundo equidistante do do de Elizabeth de Butterfly. O moço, um pescador de profissão, cresceu no berço das necessidades básicas. Sem pai, mãe e sobrenome, faz parte da tripulação do Sodoma I, barco pesqueiro que a cada 15 dias parte da Tavares de Lira, rumo as proximidades do Atol das Rocas, onde realiza a capitura de alguns peixes, que são comercializados em nossa cidade. Segundo Elizabeth, ele tem a cor da noite, é possuidor de um sorriso capaz de iluminar uma cidade de 751 mil habitantes e o corpo tem uma beleza física impossível de descrever.

    Tudo se encaminhava para mais uma sexta-feira comum na cidade do Natal, mas comum é muitas vezes questão de ponto de vista, nesta noite iria ocorrer no Beco da Lama, um mega show com as apresentações de Carlos Zens e Pedinho Mendes, transformando mais uma sexta em algo surreal. Mal o dia nasceu no horizonte da cidade, Natasha e Sara já se telefonavam para combinar o encontro, pois não poderiam perder essas apresentações por nada. Acertaram que dessa vez iriam ficar mais tempo para curtir o que o Beco tem para oferecer.

    Lá do Olimpo, a Deusa Verdand aprontava para que a sexta ganhace um siginificado mágico para todo o sempre, pois o destino colocava em movimento um plano para um amor nascer.

    Em outra parte da cidade, Demunnus também se preparava para ir ao Beco da Lama, porque um cliente seu, o Pedro Abche, que sempre lhe comprava peixes, tinha lhe falado sobre o show, e ele gostou da ideia, já que na madrugada da sexta para o sábado iria partir no Sodoma I, na Tavares de Lira, e passar 15 dias no mar.

    O dia passou rápido, sem muitas intenções, como uma piscadela de olhos já era noite e o Beco da Lama estava com tanta gente que nem formiga cabia mais. As amigas estavam lá com suas cervejas e vestidos de contos de fadas. Demmus já estava lá também, vestindo um jens surrado, tênis maneiro e carreando na cintura o seu brinquedo de furar moletom. O moço só andava maquinado, devido alguns inimigos que fez ao londo da curta vida.

    Carlos Zens cantava “A Flor Xanana”, quando o esbarrão entre Butterfly e Demunnus aconteceu, foi um choque que mudou a percepção da realida de Butterfly, levando-a para outro universo, muito mais lúdico e delicado, onde outra flor, que não é a Xanana, seria deflorada com vigor e carinho. Seus corpos se comunicaram, não houve palavra alguma, mas o desejo de ser um para o outro surgiu. Demunnus tomou a iniciativa e a levou para outro lugar e Butterfly só foi, sem nem pensar se deveria ir ou não. Depois, em um lugar escuro e longe da multidão, mãos bobas passeavam pelos corpos nada bobos. Beijos fizeram seu batom sumir. Tudo durou o tempo que teve que durar. Logo em seguida o rapaz falou que tinha que ir, pois estava na hora do barco zarpar do cais, mas voltaria em 15 dias e queria reencontrá-la. Despediram-se e ela voltou correndo para as amigas, lembrando da loucura de ter ficado com aquele cara que carregava uma arma na cintura, mas que seus olhos haviam aberto todos os portão da sua alma. Pedro Mendes cantou Linda Baby, e o show e os sonhos terminam.

    A partir dali, acompanho o drama da minha amiga Elizabeth de Butterfly nos últimos sete meses. A cada 15 dias, ela vai ao Beco da Lama, agora sem suas amigas, apenas comigo, seu amigo confidente.

    Infelizmente, o reencontro jamais aconteceu, pois alguns dias depois daquela sexta-feira mágica, li no jornal “O Potengi” que o barco Sodoma I sumiu, sem deixar pistas, em algum lugar entre Natal e o Atol das Rocas. Nem barco, nem tripulação foram encontrados.

    Em meio aquela situação, sugeri que a menina que crescia no ventre da minha amiga receba o nome de Lilith de Butterfly. Por quê? Porque tudo que é belo e livre, voa, como o amor.

    Sei que não fui justo com minha amiga ao escrever todas essas coisas, tornando sua história pública, só necessitei falar de beleza e de tragédia. Espero que um dia me perdoe.

    Enquanto escrevo, não sai da minha cabeça Fafá de Belém cantando: “Foi assim, Como um resto de sol no mar, Como a brisa da preamar, Nós chegamos ao fim…”


  • Amores Solitários: uma jornada de autodescoberta com visuais deslumbrantes

    Esse degustado de filmes, séries e tudo mais que o audiovisual produz, vem te trazer suas impressões sobre mais um belo filme. Dessa vez, sobre uma trama montada, tendo o nascimento do amor como pano de fundo. Você certamente já deve ter se apaixonado por alguém e ficou, de certa forma, sem entender no primeiro momento se estava diante de uma paixão ou de um amor nascendo. Diante de uma situação dessa, eu ou você sabemos exatamente como nos sentimos. De uma hora para outra, num rompante, ficamos completamente atraídos por alguém, que, às vezes, parece estar totalmente fora do nosso mundo, uma pessoa completamente diferente de nós, mas com a qual criamos uma ligação e laços imediatos, e quando menos percebemos estamos ali, amando e querendo, com todas as nossas forças, viver esse amor.


    Será que o amor nasce de um embuste, de uma armadilha, que nela caímos sem querer sair? Bem, não tenho essa resposta, nem acredito que você as tenha.


    Entretanto, sem a pretensão de dar alguma resposta sobre o que falei acima, através dessa pequena introdução, desejo que tenha uma boa leitura e que, por gentileza, assista o filme e tire dele suas próprias conclusões.


    “Amores Solitários” nos convida a uma jornada introspectiva, onde personagens complexos buscam se reconectar consigo mesmos em meio às turbulências da vida. A trama, apesar de simples, é tocante e nos faz refletir sobre as relações humanas, as escolhas que fazemos e o verdadeiro significado da felicidade.


    Laura Dern e Liam Hemsworth entregam atuações sólidas, mas a química entre os dois não explode como esperado. A conexão entre os personagens parece mais uma amizade profunda do que um romance apaixonado, no entanto, suas performances individuais compensam essa falta de explosão, nos permitindo acompanhar de perto suas lutas internas e suas evoluções.


    A direção do filme é impecável, com cenas que nos transportam para paisagens deslumbrantes, criando uma atmosfera poética. A fotografia é outro ponto alto, com cores vibrantes e enquadramentos que realçam a beleza natural dos cenários. A trilha sonora, por sua vez, complementa a narrativa de forma sutil e envolvente, intensificando as emoções dos personagens.


    Apesar de seus visuais incríveis, “Amores Solitários” peca um pouco no desenvolvimento de alguns personagens secundários. A história se concentra majoritariamente em Katherine e Owen, deixando pouco espaço para que os outros personagens se aprofundem. Além disso, o ritmo da narrativa pode parecer um pouco lento em alguns momentos, podendo desagradar aos espectadores que buscam uma trama mais dinâmica. No entanto, “Amores Solitários” é um filme que vale a pena ser assistido, principalmente por aqueles que apreciam dramas românticos com uma pitada de introspecção.


    A mensagem central do filme é a importância de se amar e aceitar a si mesmo antes de buscar o amor em outra pessoa. A jornada de autodescoberta dos personagens é inspiradora e nos convida a refletir sobre nossas próprias vidas.


    Em resumo, “Amores Solitários” é um filme que agrada aos olhos e à alma, por sua beleza fotográfica, sua trilha sonora envolvente e as atuações sólidas dos protagonistas, compensando as pequenas falhas. Se você busca um filme para relaxar e refletir sobre a vida, esse é uma ótima opção, pois o mesmo te promoverá uma experiência cinematográfica agradável.


  • Receita de Liberdade

    Como toda receita que se preze, não poderia deixar de lado esse toque: vai deixando seu forno das emoções pré-aquecido em 200 graus célsius, pois sem a temperatura adequada, é muito possível que a receita desande no final.


    Faz dez anos que recebo tratamento médico para uma doença terminal. O engraçado dessa situação é que quando recebi o diagnóstico, duas coisas foram informadas: a primeira, que a doença é raríssima, acometendo um em cada um bilhão de pessoas no planeta, é meio que uma loteria, que ganhei sozinho. Segunda, iria morrer em seis meses, mas já se passaram dez longos anos. Não é nada bom saber que vou morrer, mas todos que estão vivos também vão, então qual o problema? O problema, é que sou eu, e não os outros.

    Nos dez anos que faço tratamento, a cada quinze dias tenho que ser internado para umas avaliações médicas e tomar uma grande quantidade de medicamentos que não curam a doença, mas servem de controle paliativo para que ela não me mate mais rápido. Me pergunto se não seria bom já ter terminado com isso. Porém, o tempo vai se passado e sigo vivo, levando minha vida, um dia de cada vez.


    Ah! Quanto a essa receita de liberdade, ela não é minha, nem minha doença tem muito a ver com ela. Aliás, minto, até tem a haver um pouco, pois foi em uma das minhas internações, que conheci o Nelson, pessoa que me deu a receita, mas que também não é dele. Achei tão interessante que quero compartilhar.


    Assim que vi aquele negro, de uns dois metros de altura, deitado em uma cama do hospital, ao lado da minha, fui tomado de curiosidade para saber qual o motivo dele estar ali. Fiquei a pensar se ele, assim como eu, seria um ganhador da loteria de doenças terminais, mas logo vi que não, assim que ele contou, de uma vez só, toda sua biografia de vida e o motivo que o levara àquele lugar e àquela internação.


    Nelson contou-me que cresceu na mais extrema pobreza, passou por todo tipo de privações. Era um dos seis filhos de um casal de moradores da favela “Fundo do Poço”. O pai, era alcoólatra, batia na mãe, abusava da filha menor de idade. Sua mãe era catadora de material reciclável e tinha que trabalhar de sol a sol, todos os dias, para conseguir comprar alguma coisa para os filhos comer e para sustentar o vício do marido. Nelson fugiu de casa aos quatorze anos e nunca mais teve contato com nenhum deles. Sua vida mudou um pouco quando conheceu o projeto “Drive do Amanhã”, que ensina jovens, em situação de rua, a ler, escrever e dirigir, para que tenham a profissão de motorista. Apenas os que tinham boas notas, boa aparência e bons antecedentes criminais, conseguiam, ao final do curso, um emprego em casa de Madame.


    Ele falou que nunca entendeu bem os porquês de tanta exigência para ser motorista (chofer), mas por algum motivo ele conseguiu atender todos os requisitos. Graças a isso, ele conheceu Tânia, o amor da sua vida, para sempre. Tânia é fundamental na citada receita. Mas, calma, ainda preciso concluir a história sobre Nelson.


    Em seu primeiro dia de trabalho como motorista, recebeu dois ternos pretos, duas meias pretas, um par de sapatos pretos, um número menor que o tamanho dos seus pés. Ele avisou a patroa sobre o tamanho dos sapatos, mas ela disse: -Vocês pobres reclamam de tudo, por isso não conseguem trabalhar! Então, ele não reclamou mais. Quando foi contratado tinha vinte e quatro anos, agora está com quarenta. Passou todos esses anos trabalhando, sempre com um sapato menor que os pés.


    Já Tânia, segundo Nelson, aos dezenove anos de idade, tinha a beleza de uma lua cheia primaveril. Era, certamente, musa para qualquer verso que fale de amor, inspiração de lindas canções e belíssimas peças de teatro. Moça de classe abastada, tinha tudo aos seus pés, inclusive, a liberdade de ir e vir para onde lhe dava na telha, mas não tinha amor.

    O coração de Tania nunca leu “História de Amor no Ocidente”, de Denis de Rougemont. Não sabia o quanto ao longo dos séculos vão adestrando as pessoas para que o amor seja sofrível, trágico, doloroso. Avessa a tudo isso, e aos papéis sociais que nossa sociedade impõe, ela trocou olhares com Nelson, e antes que alguém julgasse certo ou errado, a menina rica estava amando o homem negro, pobre e mais velho que ela, o que a sociedade burguesa vê como um crime gravíssimo, que não merece perdão.
    Sabe, na alma não existem regras sociais, parece que ali tudo é permitido, e a alma de Nelson soube o que era o amor assim que olhou no olhar daquela linda menina, filha da madame, sem se importar com nada. Ele me confessou que não lembra de onde partiu o convite, nem como tudo foi combinado entres eles, mas que do nada, os dois estavam na praia. Chegaram lá antes do nascer do sol no horizonte e só saíram no entardecer. Não houve abraço, nem beijo entre eles. Passaram todo o dia a se olhar e conversar coisas que ele não lembrava bem. Acho que estava em transe de tanto amor. Há apenas uma fala que ele recorda, quando o sol ia se pôr, ela falou como quem canta um mantra: -Vê o sol caindo no horizonte? É tão belo que faz a gente entender toda a liberdade que a vida oferece. Então, ele pediu para ela explicar para ele o que é liberdade. Daí ela disse: -É uma receita simples, basta calçar sapatos que deixem os pés confortáveis, bem à vontade para podermos ir e vir para onde quisermos. É poder sair dando passos firmes, nos sentindo livres, leves, soltos e donos de nós. Então ele lembrou que, no trabalhava, há anos que caminha com os pés doendo, devido aos sapatos que os apertavam. Assim sendo, ele não tinha como saber o que era aquela liberdade que ela falava.


    Depois desse único encontro, ele passou quinze dias sem saber notícias sobre ela. Chegou a pensar que ela estava andando livre em outros contos, com seus sapatos confortáveis, não tendo tempo para ele. Até que o porteiro do condomínio onde ele trabalhava o encontrou e falou que ocorreu uma tragédia. Um carro, dentro do condomínio, atropelou e matou a dona Tânia de Morais e Melo. Ao ouvir aquilo, ele sentiu uma dor que é incapaz de descrever. Foi para casa e passou o dia e a noite bebendo muito. Em um determinado momento de alucinações e dores, pegou uma máquina de serra, cortou todos os dedos dos pés e calçou os sapatos, mas não experimentou a liberdade. Acordou no hospital e agora está desabafando comigo.


    Hoje, segunda-feira de 2040, continuo vivo, mas nunca mais soube nada do Nelson. Enquanto relato essa receita de liberdade, não me sai da cabeça a frase de uma música da banda Legião Urbana, L’Aventura: “Quando não há compaixão/ Ou mesmo um gesto de ajuda /O que pensar da vida/ E daqueles que sabemos que amamos?”


  • Druk: Mais uma rodada – Uma análise sobre vício, moderação e hipocrisia

    Quem já perdeu alguém para o alcoolismo sabe o quanto isso afeta nosso emocional, pois ficamos imaginando o que poderíamos ter feito de diferente para salvar àquela pessoa querida e ela permanecesse entre nós. Isso é algo muito complexo, uma vez que chegamos até a nos questionar se temos ou não alguma culpa por não ter alertado a pessoa ou algo do tipo. Porém, temos que levar em conta que o dependente de álcool ou outras drogas, sejam lícitas ou ilícitas, é portador de uma doença, hoje tratada pelo nome de adicção, que tem difícil diagnóstico e tratamento, e quando alguém perto da gente está com ela, acaba envolvendo todos ao entorno e nos adoecendo junto.

    E, sim, esse degustador de filmes, séries e tudo que o audiovisual produz, já perdeu pessoas amadas para o vício em álcool. Pessoas que foram embora do meu convívio de forma tão precoce e estúpida, por não saberem a hora de parar de beber e, o que em primeiro momento era uma diversão, tornou-se o motivo principal que lhes ceifou a vida, bem mais precioso que temos.

    Não é meu objetivo aqui ditar regras, ser contra ou a favor do consumo de quaisquer substâncias, quero apenas que ao fim da resenha possamos refletir um pouco sobre determinadas coisas que podem levar alguém ao precipício. Tenho plena consciência que não existe, ou tenha existido, sociedade humana sem uso de entorpecentes, para os mais variados fins, mas o que devemos nos perguntar é quando o uso passa a ser um perigo para nossa saúde e quando no lugar de sermos usuários estamos na verdade sendo usados pela substância, ou seja, somos por ela manipulados e viramos escravos.

    Parafraseando Raul Seixa: “Faz o que tu queres, pois é tudo da lei, mas com um pouco de cuidado, não é nada demais para ti e os teus”.

    O filme que quero apresentar hoje é “Druk”, aclamado longa metragem dinamarquês, que nos convida a uma profunda reflexão sobre os limites da felicidade e os perigos do vício. Através de uma trama envolvente e personagens complexos, o longa explora a ideia de que um pouco de álcool pode turbinar a criatividade e a vida social, mas que a linha entre a moderação e a dependência é tênue. O enredo acontece com um grupo de professores que decidem testar uma teoria sobre o consumo moderado de álcool, como forma de aumentar a felicidade e a produtividade. Inicialmente, os resultados parecem promissores, mas logo a situação escapa do controle e as consequências do vício começam a se manifestar.

    “Druk” não romantiza o consumo de álcool, mas também não o demoniza. O filme apresenta uma visão realista e complexa sobre o tema, mostrando como o vício pode afetar diferentes aspectos da vida de uma pessoa, desde as relações pessoais até a carreira profissional. Um dos pontos mais interessantes de “Druk” é a forma como aborda a questão da hipocrisia. Os personagens, que inicialmente se veem como liberais e modernos, acabam se revelando tão vulneráveis ao vício quanto qualquer outra pessoa. O filme nos convida a questionar nossos próprios comportamentos e a reconhecer que todos somos suscetíveis a cair em tentações.

    A direção de Thomas Vinterberg é impecável, com cenas memoráveis e uma fotografia que intensifica a atmosfera de tensão e euforia. As atuações são geniais, com destaque para Mads Mikkelsen, que interpreta o protagonista com uma intensidade que nos prende do início ao fim.

    Em suma, Druk é um filme essencial para quem busca uma reflexão sobre os desafios da vida moderna e a importância de encontrar um equilíbrio entre prazer e responsabilidade, nos convidando a questionar nossos próprios limites e a buscar uma vida mais autêntica e significativa, tendo como pontos fortes o roteiro inteligente e bem construído, a direção impecável, atuações de alto nível, abordagem realista e complexa da temática, reflexão sobre a hipocrisia e a busca por felicidade. Os únicos pontos fracos que percebi foram alguns momentos previsíveis e o final um pouco abrupto.

    Concluo dizendo que “Druk” é um filme que vai te fazer pensar e te emocionar. Se você busca um longa que vá além do entretenimento e provoque reflexão sobre a vida, não deixe de o assistir. Para quem gosta de filmes dramáticos com uma pitada de comédia e uma reflexão profunda sobre a condição humana, este é o filme que indico.


  • Besouro: Cordão de Ouro – Uma jornada pela luta negra no Brasil

    Era 29 de outubro do ano da graça dos meus ancestrais de 2009, para variar minha cabeça anda a mil com projetos poéticos que nem desenvolvi, e agora me pergunto o porquê? Nesse dia, à tardinha, havia me encontrado com minha amiga Rosiane de Paula, na minha livraria, em um  ‘shopping’ aqui de Natal/RN. Conversa vai e conversa vem sobre planos relacionados ao futuro e a respeito do curso de Ciências da Religião-UERN, Rosi me falou: Claudio, amanhã vai ser o lançamento nacional do Filme “Besouro Cordão de Ouro”, que conta a história de Manoel Henrique Pereira, um baiano de Santo Amaro, que ficou mais conhecido como Besouro do Mangangá, ele foi um mestre de capoeira. que no início do século XX tornou-se o maior simbolo da capoeira baiana e da luta em favor do povo Negro no Brasil.

    A descrição entusiasmada de Rosiane a respeito do filme, já despertou nesse degustador de filmes e séries a tudo mais que o audiovisual produz, um desejo enorme para assistir a estreia. Respondi “vamos ir assistir”, ela de pronto topou. Marcamos de nos encontrar no Shopping no dia seguinte, às 15 horas, antes do início da sessão. Rosiane não apareceu, acabei assistindo ao filme sozinho. Experiência incrível em todos os sentidos.

    O ator Ailton Carmo de forma magnífica interpreta Besouro personagem principal, que tem uma função de usar suas habilidades na arte da capoeira para proteger Mestre Alípio, que no filme é interpretado pelo ator Macalé dos Santos, sem conseguir cumprir com suas tarefas, Besouro acaba tendo sua lealdade questionada e esse fato irá desembocar em variadas ações na trama.

    O filme que retrata o século vinte no Brasil, com enfoque no povo negro e em como, mesmo após a abolição, eles continuam sendo tratado como escravizado. Aborda também como a capoeira ainda é uma prática proibida no país, uma vez que o desde 1889 a 1937, código penal da república dos Estados Unidos do Brasil. Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890 proibia sua prática. O que só deixou de ocorrer, quando em 1934, através de um decreto expedido pelo presidente Getúlio Vargas, ela passou a ser permitida.

    Poderia, ater-me a vários aspectos do filme, como fotografia impecável, efeitos especiais carregados de magia, a beleza e plasticidade das cenas nas quais a capoeira entra, a beleza dos corpos dos atores, atrizes e suas interpretações magníficas, mas, isso vou deixar com vocês, que tenho certeza se não assistiram vão assistir, e se assistiram vão lembrar do que escrevi aqui e concordar.

    Besouro: Cordão de Ouro é um filme que transcende a mera categoria de entretenimento, transformando-se em um poderoso veículo para a reflexão sobre a luta negra no Brasil. A obra, que narra a história de Manuel dos Reis, um capoeirista que se torna um ícone da resistência contra a opressão, nos convida a mergulhar em um período histórico marcado por profundas desigualdades sociais e raciais.

    A capoeira, arte marcial de origem afro-brasileira, é central na trama e representa muito mais do que simples movimentos corporais. Ela se configura como um símbolo de resistência, identidade e ancestralidade para a comunidade negra. Ao longo do filme, acompanhamos a trajetória de Besouro, que utiliza a capoeira não apenas como forma de expressão artística, mas também como ferramenta de luta contra a injustiça e a discriminação.

    A relação entre o filme e a luta negra no Brasil é indissociável. “Besouro: Cordão de Ouro” nos mostra como a capoeira foi utilizada como um meio de preservação da cultura afro-brasileira e de afirmação da identidade negra em um contexto de constante apagamento e marginalização. A obra também denuncia as diversas formas de violência sofridas pela população negra ao longo da história, como a escravidão, o racismo institucional e a violência policial.

    Ao retratar a vida de Besouro, o filme nos apresenta um heroi popular que inspira a luta por justiça e igualdade. A figura do capoeirista, que se torna um símbolo de resistência, nos convida a refletir sobre a importância de valorizar a história e a cultura negra, e de continuar a lutar contra o racismo em todas as suas formas.

    Besouro: Cordão de Ouro é um filme que emociona, inspira e provoca. Ao assistir a essa obra, somos convidados a repensar o nosso lugar no mundo e a construir um futuro mais justo e igualitário para todos.


  • “The Emperor’s” – O Clube do Imperador: uma reflexão sobre ensino, ética e história

    O seu degustador de filmes, séries e tudo mais que o audiovisual produz, traz mais uma de suas impressões sobre um filme lançado nos Estados Unidos em 2002, com o ator norte-americano Kevin Kline, que dá vida a William Hundert, um professor de História de uma renomada instituição de ensino especializada na formação de jovens da elite, o Colégio St. Benedict’s. É possível vermos a dedicação e paixão do professor em realizar o seu trabalho, ele acredita de fato que o ensino de História é uma ferramente poderosa para auxiliar na formação do caráter dos seus educandos.

    A cada começo de ano letivo, no Colégio St. Benedict’s, o professor explica os objetivos das suas aulas e pede para um dos alunos lê uma plaqueta que está posicionada numa parede da sala. Nessa plaqueta estão os grandes feitos de “Shutruk-Nahunte”. Quando o aluno termina de ler os tais feitos, o professor explana que esses grandiosos feitos só podem ser encontrados naquela plaqueta, porque ao contrário dos bustos dos grandes imperadores que rodeiam a sala, os quais seus feitos foram notáveis, os de “Shutruk-Nahunte” não, uma vez que esse não passava de um egoísta, e que realizara as coisas apenas por objetivos pessoas, sem deixar nenhum legado que pudesse ser importante para História, o colocando no ostracismo.

    A leitura da plaqueta sobre “Shutruk-Nahunte” tem muita importância no desenrolar do filme, ao fim do semestre no Colégio St. Benedict’s os três melhores alunos da disciplina de História participam de uma competição chamada “Júlio César”, organizada pelo professor de História. Nessa competição, eles vão, entre si, buscar responder  sobre a história clássica greco-romana, objetivando testar quem domina o conteúdo de História. Aquele que ganhar a competição é coroador como imperador, passa a ter sua foto em lugar de destaque na instituição. 

    Com a chegado do aluno Sedgewick Bell (Emile Hirsch), filho de um senador da república, que desde sua entrada em sala de aula se mostra indisciplinado e sem nenhum interesse no estudo da história, vai colocar em xeque a forma de ensino do professor. O professor enxerga potencial no aluno, mas não sabe como fazê-lo entender a importância do estudo para sua vida.

    Ajudado pelo professor William Hundert, que forja a nota de Sedgewick Bell,  possibilitando a ele ser um dos três que irão competir, para ver quem sairá coroado como imperador. O professor faz isso acreditando que o aluno mudou e está estudando, porém, durante a competição o professor percebe que Bell está se saindo muito bem, inclusive fica para a pergunta final, porém, o professor consegue perceber o embuste do aluno que na verdade está trapaceando, usando o desprezível recurso da cola. Hundert avisa ao diretor da instituição que irá desclassificar o estudante por isso, mas nessa hora é advertido pela direção que o pai daquele aluno o senador e um dos principais mantenedores do St. Benedict’s, e que o professor deve fazer vista grossa e seguir com a disputa.

    Anos irão se passar e o Sedgewick Bell irá propor uma revanche aos colegas sobre disputa do passado, para isso ele convida o velho professor para mediar a disputa ao reunir todos os colegas, Bell revela para eles que quer se candidatar a senador como seu pai, a competição começa e mais uma vez o professor descobre que o Bell esta trapaceando, só que agora usando um teleponto com ajuda de uma estudante universitário. O professor resolve então deixar de lado as perguntas que havia preparado e pergunta quem foi “Shutruk-Nahunte”? O ajudante de Bell não trapaça, não consegue responder, e ele é derrotado. O professor, em um outro momento, tem uma longa conversa com o ex-aluno para, mais uma vez, chamá-lo a razão sobre a importância de uma vida com retidão e ética.

    Guardadas as proporções, quem assistiu o filme Sociedade dos Poetas Mortos, e depois for assistir O Clube do Imperador, certamente enxergará alguma semelhança entres os dois. Porém, já advirto, a proposta que os dois buscam passar não é tão parecida. 

    Minhas impressões sobre o filme é que ele tece uma trama envolvente que nos convida a refletir. O Clube do Imperador” nos apresenta um microcosmo de um colégio interno de elite, onde a disciplina e a honra são pilares da educação. Ética sobre a importância do ensino de história, a paixão pela profissão docente e a complexidade da formação moral dos jovens. O professor Hundert, com sua dedicação incansável, busca transmitir aos alunos a importância dos valores romanos, como a honra e a justiça. A comparação entre a importância do estudo da história e o amor pela profissão de professor é um dos pontos mais relevantes do filme. Hundert demonstra uma paixão genuína por ensinar e acredita que a história pode ser uma ferramenta poderosa para a formação do caráter preparando-os para os desafios da vida adulta. Ao estudar os erros e acertos dos grandes líderes do passado, os alunos podem aprender a tomar decisões éticas e a construir um futuro melhor.

    No entanto, o filme também nos mostra que o conhecimento histórico por si só não é suficiente para garantir a formação de pessoas éticas. Sedgewick, apesar de inteligente e culto, demonstra uma profunda falta de caráter. Sua traição ao professor e aos colegas revela que a ética não é algo que se aprende apenas nos livros, mas que é fruto de um processo de formação mais complexa, que envolve a família, a sociedade e a própria personalidade do indivíduo.

    A ausência de ética em Sedgewick levanta a questão de até que ponto um professor pode influenciar a formação moral de seus alunos. Hundert, apesar de todos os seus esforços, não consegue mudar a natureza de Sedgewick. Isso não significa que seu trabalho seja em vão, mas sim que a educação é um processo colaborativo, que envolve a família, a escola e a sociedade como um todo.

    Em suma, “O Clube do Imperador” é um filme que nos convida a refletir sobre a importância da educação, da ética e da história, nos desafiando a pensar sobre o nosso papel na construção de um mundo mais justo e humano.


  • Ana Bolena: um símbolo da liberdade feminina na série Sexo, Sangue e Realeza

    Se vasculharmos registros do passado em busca de fontes documentais sobre as lutas das mulheres por direitos, é bem possível que encontremos pouca coisa. No entanto, isso não significa que essas lutas não existiram. Qualquer sociedade, de qualquer época, que apresenta opressão, também possui indivíduos ou grupos lutando para superá-la, e com as mulheres não é diferente. Seja na Idade Média Europeia (476 a 1453), no Brasil Colônia (1530 a 1815) ou nos Estados Unidos durante a Guerra Civil Americana (1861 a 1865), as mulheres sempre apareceram lutando por igualdade e na superação de modelos de sociedade que privilegiam os homens.

    Estudiosos do tema creditam ao contexto da Revolução Francesa (1789), ou seja, a Era do Iluminismo, o surgimento do feminismo moderno. As lutas por direitos iguais em relação aos homens, como configuradas atualmente, nasceram nesse contexto histórico. Em 1791, por exemplo, a revolucionária Olímpia de Gouges escreveu uma célebre declaração, na qual afirmava que as mulheres têm direitos naturais idênticos aos homens e, por isso, deveriam participar direta ou indiretamente da formulação das leis e da política em geral.

    Eu poderia elencar vários exemplos de mulheres lutadoras ao longo da História para reforçar meus argumentos, mas isso tornaria o texto longo e cansativo, desfocando seu propósito: apresentar uma série que retrata a história de uma mulher forte, sagaz e muito além de seu tempo. Como muitas, Ana Bolena não aceitou o papel que a sociedade, pensada e organizada por homens, buscou lhe impor. A série da Netflix “Sexo, Sangue e Realeza” demonstra como Ana Bolena desafiou as regras impostas, incluindo momentos com depoimentos de especialistas e estudiosos de sua biografia que confirmam sua força e as formas que encontrou para lutar contra essas regras.

    A série oferece uma perspectiva fascinante sobre a vida de Ana Bolena, segunda esposa do Rei Henrique VIII da Inglaterra. Através de sua história, mostra como mulheres que desafiam as normas sociais podem alcançar a liberdade e o poder. Ana era ambiciosa e inteligente, não se contentava com o papel tradicional de rainha. Ela questionava as regras da corte e defendia seus próprios valores, entrando em conflito com a sociedade patriarcal que tentava controlá-la e silenciá-la.

    Na série, Ana é retratada como uma mulher determinada que luta por seus sonhos e desejos. Ela se recusa a se submeter às expectativas da sociedade e desafia as autoridades sempre que necessário. Essa postura a leva a um destino trágico, mas também a torna um símbolo da emancipação feminina.

    A série também explora a complexa relação entre Ana e o Rei Henrique VIII. O rei era um homem poderoso e possessivo que exigia total obediência de sua esposa. No entanto, Ana não se intimidava com seus caprichos e se recusava a ceder às suas demandas. Essa resistência a tornou ainda mais desejável para o rei, mas também o levou à loucura e à tirania.

    A morte de Ana Bolena foi um evento trágico, mas sua história serve como um lembrete importante de que as mulheres não devem se submeter às normas sociais que as limitam. Ela nos ensina que é possível desafiar o status quo e lutar por uma vida livre e autônoma.

    Ao retratar Ana Bolena como uma mulher complexa e multifacetada, a série “Sexo, Sangue e Realeza” nos convida a refletir sobre os desafios que as mulheres enfrentam em uma sociedade patriarcal. A história de Ana é uma inspiração para todas as mulheres que buscam seus direitos e sua liberdade.


  • 400 contra 1: um mergulho na origem do crime organizado no Brasil

    Procurando uma metáfora em que pudesse encaixar o Estado (Nação Brasileira), eis que resolvi criar uma: o Estado é um “caranguejo” quando o assunto é resolver os problemas crônicos em áreas como: educação, saúde, segurança, moradia, infraestrutura entre outras coisas. Porque um caranguejo? Pelo fato de andar sempre de lado dos problemas, mas nunca os ataca de frente na busca por soluções definitivas. Às vezes até surgem soluções, porém como paliativo ao problema.

    É um caranguejo, também, porque as vezes aparece algum administrador das políticas do Estado envoltos na lama da corrupção. As tomadas de decisão por parte de quem rege a coisa pública parecem ser feitas sem respeitar fatores históricos, econômico e socioambientais.

    A direita e extrema-direita, quando no poder, desenvolvem políticas no setor de segurança e de enfrentamento (guerra) com extermínio das populações mais vulneráveis socialmente, bem como a política de encarceramento de amontoar corpos humanos em presídios infectos, onde no lugar de ressocializar os indivíduos o que se cria são mais bandidos que se organizam cada vez mais.

    E a esquerda, essa apesar de identificar fatores históricos relacionado as condições socioeconômicas como causadoras da criminalidade, não consegue ter uma proposta que a combata. Os verdadeiros anseios das populações estão sempre colocados de lado.

    Seu degustador de filmes, séries e tudo mais que o audiovisual produz, traz, dessa vez, um filme para reflexão que abarca questões históricas, senão do nascimento, mas dos primeiros passos do que viria a ser o crime organizado em nosso país, como esse começou a crescer nas cadeias, no caso do filme, no presídio de Ilha Grande, no Rio de Janeiro, e que dali serviu de modelo para outras organizações Brasil afora.

    Hoje os noticiários de TVs e as reportagens da área policial corroboram para demonstrar que já não existe lugar nesse país sem uma, ou até várias, organização criminosas, deixando a população que vive na insegurança no sofrimento.

    Esse longa metragem foi lançado em 2010, dirigido por Caco Souza, retratando a ascensão do Comando Vermelho, facção carioca fundada na década de 70. Baseado no livro autobiográfico de William da Silva Lima, um dos fundadores da organização, o filme acompanha sua trajetória desde o presídio da Ilha Grande até a liderança do grupo. Através de flashbacks, a produção explora as motivações e os desafios enfrentados por William e seus comparsas, contextualizando o surgimento do crime organizado no Brasil em meio à repressão da ditadura militar.

    O filme serve como um ponto de partida para se entender a complexa teia da evolução do crime organizado, que se diversificou e se fortaleceu ao longo das décadas. Fatores como pobreza, desigualdade social, encarceramento em massa e corrupção são apontados como terreno fértil para o desenvolvimento de grupos criminosos. A fragilidade do sistema prisional, a falta de oportunidades para ex-presidiários e a ineficiência das políticas públicas contribuem para a perpetuação do ciclo de violência.

    “400 Contra 1″, filme que vai além da mera narrativa policial, convidando o público a refletir sobre as raízes sociais do crime e os desafios na busca por soluções eficazes, levantando questionamentos sobre o papel do Estado no combate à criminalidade e a necessidade de medidas que ataquem as causas estruturais do problema.

    A obra também convida a pensar sobre a figura do bandido, reconhecendo a complexidade de suas motivações e trajetórias. Mais do que um filme de ação, “400 Contra 1” é um convite à reflexão crítica sobre um tema crucial para a sociedade brasileira. A produção oferece subsídios para entendermos a gênese do crime organizado e os desafios na construção de um futuro mais justo e seguro para todos.

    Ao término do filme ficam os questionamentos: por que que no exato momento onde o crime organizado começa a ganhar corpo, nada foi feito para extingui-lo? Por que foi permitido que fosse ganhando mais corpo ao longo dos anos? Será que não havia informações a respeito? Ou será que nosso “Estado caranguejo” preferiu acompanhar tudo andando de lado, à espera que um milagre tudo resolvesse?

    Essas são apenas divagações minhas, assista o filme e tire suas conclusões.


Crônicas













Claudio Wagner













  • O Rei do Povo: Uma crônica atemporal sobre o fanatismo religioso

    Religiões são utilizadas por espertalhões ao longo dos séculos como forma de manipular as massas, é algo que podemos constatar historicamente sem muito esforço, basta olhar pastores que de uma hora para outra ficam ricos manipulando a fé genuína de seus rebanhos, para pedir quantias volumosas de dinheiro que deveria ser para Deus, mas o que se vê é só a fortuna do líder aumentar, sem que esse trabalhe para isso. Mas, essa situação não acontece só com pastores, mas, também, padres e outros líderes religiosos. Não estou afirmando que todos são assim, porém existe um número significativo desses líderes espertalhões.

    Essa resenha é sobre um filme baseado em fatos reais que demonstra bem como é feita esse tipo de manipulação para distorcer a fé.

    A obra cinematográfica”O Rei do Povo” nos transporta para a Índia pré-independência, mergulhando-nos em um drama histórico que ecoa com inquietante atualidade. O filme, baseado em fatos reais, narra a corajosa luta de um jornalista, Karsandas Mulji, contra um poderoso líder religioso acusado de abuso de poder e conduta imoral.

    A trama se desenrola como um thriller psicológico, onde a fé é manipulada como arma e a verdade se torna uma vítima. Mulji, interpretado de forma brilhante, desafia o status quo e expõe as falhas de um sistema que idolatra cegamente uma figura religiosa, transformando-o em um “rei do povo”. A jornada do jornalista é marcada por obstáculos, ameaças e a resistência de uma comunidade enraizada em dogmas.

    A direção habilidosa e a fotografia rica em detalhes contribuem para criar uma atmosfera opressiva e tensa. A trilha sonora, por sua vez, intensifica as emoções, acentuando os momentos de confronto e suspense. O filme não poupa críticas ao fanatismo religioso, expondo os perigos da devoção cega e a fragilidade da fé quando manipulada por interesses obscuros.

    “O Rei do Povo” vai além de uma simples denúncia, é um convite à reflexão sobre a natureza do poder, a importância da liberdade de expressão e o papel dos indivíduos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A história de Mulji nos inspira a questionar os dogmas, a buscar a verdade e a defender nossos valores, mesmo diante da adversidade.

    Um dos pontos altos do filme é a construção dos personagens. Além de Mulji, outros personagens secundários são ricamente desenvolvidos, como os seguidores cegos do líder religioso, os familiares de Mulji e os demais envolvidos no processo judicial. As atuações são convincentes, transmitindo a complexidade de cada indivíduo e as nuances de suas motivações.

    A relevância de “O Rei do Povo” transcende as fronteiras da Índia. O tema do fanatismo religioso é universal e atemporal, ecoando em diversas sociedades ao redor do mundo. O filme nos mostra como a manipulação da fé pode ser utilizada para controlar massas, sufocar o debate e perpetuar a injustiça.

    Em suma, “O Rei do Povo” é um filme essencial para aqueles que buscam uma reflexão profunda sobre os perigos do fanatismo religioso e a importância da luta pela verdade. É uma obra que nos convida a questionar nossas crenças, a valorizar a liberdade de expressão e a construir um mundo mais justo e tolerante.

    “O Rei do Povo” é um filme que merece ser visto e discutido. É uma obra que nos provoca, nos emociona e nos inspira a sermos cidadãos mais conscientes e engajados. Recomendo fortemente este filme para todos aqueles que se interessam por história, drama e questões sociais. É um filme que nos faz pensar e questionar, e que certamente deixará uma marca em quem o assistir.


  • Baleia: uma imersão na solidão e a busca pelo amor

    Sou um degustador de filmes, séries e tudo mais que o audiovisual produz, e tenho um grande prazer de, mais uma vez, em poucas linhas, te levar a conhecer meu ponto de vista sobre um longa metragem que vi essa semana. O filme se chama “The Whale” (A Baleia). Para apresentar essa obra, escolhi os caminhos do amor e da solidão como elementos principais na compreensão do roteiro do filme, nesse caso, do mapa que nos levará às profundezas desses sentimentos.

    “A Baleia” é um drama psicológico americano, com roteiro escrito por Samuel D. Hunter, baseado em sua peça de mesmo nome. Foi dirigida por Darren Aronofsky e estrelado por Brendan Fraser, Sadie Sink, Hong Chau, Samantha Morton e Ty Simpkins. Seu lançamento aconteceu em 2022 no Festival Internacional de Cinema de Veneza e, três meses depois, foi lançado nos Estados Unidos.

    A narrativa se desenrola em um apartamento claustrofóbico, onde Charlie, interpretado de forma magistral por Brendan Fraser, encontra refúgio em uma existência solitária e autodestrutiva. A obesidade, nesse contexto, não é apenas uma condição física, mas uma metáfora para o isolamento e a dor emocional que o personagem carrega.

    A solidão de Charlie é palpável em cada cena. Seus dias se resumem a aulas online, fast food e a esperança de um contato humano genuíno. A relação com sua filha adolescente, Ellie, é marcada por ressentimentos e mágoas não resolvidas, pelo fato dele ter deixado ela e sua mãe para viver um relacionamento homoafetivo. Tudo se intensificou quando seu companheiro se suicidou, deixando o sentimento de vazio o consumir. A busca por conexão se torna a força motriz da história. Através de encontros com personagens que orbitam seu mundo, como a enfermeira Liz e o jovem missionário Thomas, Charlie busca resgatar a humanidade perdida e encontrar um propósito para sua vida.

    É nesse contexto que a importância de viver o amor se revela, pois o amor não se limita à paixão romântica, mas se estende à amizade, à compaixão e ao perdão. A relação de Charlie com Liz, marcada pela gentileza e pelo cuidado, demonstra que o amor pode florescer nos lugares mais inesperados.

    “A Baleia” é um filme que nos confronta com nossas próprias fragilidades e nos convida a refletir sobre a importância dos relacionamentos humanos. A obra, embora dura e realista, nos oferece uma mensagem de esperança, mostrando que mesmo em meio à dor e ao sofrimento, é possível encontrar a redenção e o amor.

    A atuação de Brendan Fraser é simplesmente sensacional, o que lhe rendeu o Oscar de melhor ator. Sua interpretação visceral e emocionante nos leva a uma jornada emocional profunda, fazendo com que nos conectemos com a dor e a esperança de Charlie.

    Apesar do filme se chamar “A Baleia”, não se trata de um título gordofóbico, esse nome está relacionado a uma redação feita por Ellie, filha de Charlie, sobre a obra Moby Dick, de Herman Melville, quando ela tinha oito anos, a qual ele guardava e sempre lia. A leitura dessa redação gerou uma cena forte e emocionante no final do filme.

    Em suma, esta obra é essencial para aqueles que buscam uma reflexão profunda sobre a condição humana e nos convida a valorizar os relacionamentos e a busca pelo amor em todas as suas formas.


  • A Elizabeth de Butterfly

    A felicidade e a tragédia podem se instalar em nossas vidas do nada, por um acaso. Alguns chamam de destino, outros vão dizer que se instalaram porque assim eles planejaram. Bem, pode não ser assim, mas gosto de acreditar que é.

    Um dia perguntei a uma amiga por que seu nome era Beth de Butterfly? Ainda lembro dela abrindo seu sorriso iluminado e respondendo que era porque Borboletas voam e são multicoloridas. Juro que não entendi a resposta, porém se faz sentido para ela, é o que vale.

    Enquanto escrevo, parece que estou vendo sua pele branca, de menina de classe média alta, muito bem criada, sem uma única marquinha em toda ela, parecendo um pêssego recém colhido. Filha única, de uma casual de juízes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, tratada a pão de ló, sem jamais, durante a infância ou juventude, ter passado por qualquer dificuldade. Quando penso em definir a personalidade de Butterfly, a primeira coisa que me vem à cabeça é que ela é uma típica representante do modelo que a sociedade judaica-cristã-javélica-pós-exílio-na-Babilônia apregoa, pois vive nos padrões, presa, sabe-se lá por quê, para quê.

    Butterfly graduou-se em Direito e passou logo de cara na prova da OAB, porém nunca exerceu a profissão, gerando desgosto aos seus pais. Hoje, aos 28 anos, vive de restaurar obras sacras. Os únicos excessos que sei que comete, ou já comenteu são: às sextas-feiras, juntamente com as amigas Natasha e Sara, tomarem três cervejas no Beco da Lama e chegarem em casa depois das 22 horas.

    No entrevero das coisas confusas minha amiga, peço-lhe perdão por revelar aqui algo tão íntimo e tão seu, um segredo confiado a mim, portanto deveria ser só nosso, mas agora tornarei público.

    Eu que conheço a verdade, porque já li João Andrade, Adélia Prado, Adélia Costo, conheço na profundidade os escritos e manuscritos de Ozany Gomes, e com esses autores descobri a liberdade, sei que não existe pecado abaixo da linha do equador.

    E sobre sonho bom e realidade, vou introduzir outro personagem nessa trama, o Demunnus.

    Demunnus, em seus 19 anos de vida, habitante do mundo equidistante do do de Elizabeth de Butterfly. O moço, um pescador de profissão, cresceu no berço das necessidades básicas. Sem pai, mãe e sobrenome, faz parte da tripulação do Sodoma I, barco pesqueiro que a cada 15 dias parte da Tavares de Lira, rumo as proximidades do Atol das Rocas, onde realiza a capitura de alguns peixes, que são comercializados em nossa cidade. Segundo Elizabeth, ele tem a cor da noite, é possuidor de um sorriso capaz de iluminar uma cidade de 751 mil habitantes e o corpo tem uma beleza física impossível de descrever.

    Tudo se encaminhava para mais uma sexta-feira comum na cidade do Natal, mas comum é muitas vezes questão de ponto de vista, nesta noite iria ocorrer no Beco da Lama, um mega show com as apresentações de Carlos Zens e Pedinho Mendes, transformando mais uma sexta em algo surreal. Mal o dia nasceu no horizonte da cidade, Natasha e Sara já se telefonavam para combinar o encontro, pois não poderiam perder essas apresentações por nada. Acertaram que dessa vez iriam ficar mais tempo para curtir o que o Beco tem para oferecer.

    Lá do Olimpo, a Deusa Verdand aprontava para que a sexta ganhace um siginificado mágico para todo o sempre, pois o destino colocava em movimento um plano para um amor nascer.

    Em outra parte da cidade, Demunnus também se preparava para ir ao Beco da Lama, porque um cliente seu, o Pedro Abche, que sempre lhe comprava peixes, tinha lhe falado sobre o show, e ele gostou da ideia, já que na madrugada da sexta para o sábado iria partir no Sodoma I, na Tavares de Lira, e passar 15 dias no mar.

    O dia passou rápido, sem muitas intenções, como uma piscadela de olhos já era noite e o Beco da Lama estava com tanta gente que nem formiga cabia mais. As amigas estavam lá com suas cervejas e vestidos de contos de fadas. Demmus já estava lá também, vestindo um jens surrado, tênis maneiro e carreando na cintura o seu brinquedo de furar moletom. O moço só andava maquinado, devido alguns inimigos que fez ao londo da curta vida.

    Carlos Zens cantava “A Flor Xanana”, quando o esbarrão entre Butterfly e Demunnus aconteceu, foi um choque que mudou a percepção da realida de Butterfly, levando-a para outro universo, muito mais lúdico e delicado, onde outra flor, que não é a Xanana, seria deflorada com vigor e carinho. Seus corpos se comunicaram, não houve palavra alguma, mas o desejo de ser um para o outro surgiu. Demunnus tomou a iniciativa e a levou para outro lugar e Butterfly só foi, sem nem pensar se deveria ir ou não. Depois, em um lugar escuro e longe da multidão, mãos bobas passeavam pelos corpos nada bobos. Beijos fizeram seu batom sumir. Tudo durou o tempo que teve que durar. Logo em seguida o rapaz falou que tinha que ir, pois estava na hora do barco zarpar do cais, mas voltaria em 15 dias e queria reencontrá-la. Despediram-se e ela voltou correndo para as amigas, lembrando da loucura de ter ficado com aquele cara que carregava uma arma na cintura, mas que seus olhos haviam aberto todos os portão da sua alma. Pedro Mendes cantou Linda Baby, e o show e os sonhos terminam.

    A partir dali, acompanho o drama da minha amiga Elizabeth de Butterfly nos últimos sete meses. A cada 15 dias, ela vai ao Beco da Lama, agora sem suas amigas, apenas comigo, seu amigo confidente.

    Infelizmente, o reencontro jamais aconteceu, pois alguns dias depois daquela sexta-feira mágica, li no jornal “O Potengi” que o barco Sodoma I sumiu, sem deixar pistas, em algum lugar entre Natal e o Atol das Rocas. Nem barco, nem tripulação foram encontrados.

    Em meio aquela situação, sugeri que a menina que crescia no ventre da minha amiga receba o nome de Lilith de Butterfly. Por quê? Porque tudo que é belo e livre, voa, como o amor.

    Sei que não fui justo com minha amiga ao escrever todas essas coisas, tornando sua história pública, só necessitei falar de beleza e de tragédia. Espero que um dia me perdoe.

    Enquanto escrevo, não sai da minha cabeça Fafá de Belém cantando: “Foi assim, Como um resto de sol no mar, Como a brisa da preamar, Nós chegamos ao fim…”


  • Amores Solitários: uma jornada de autodescoberta com visuais deslumbrantes

    Esse degustado de filmes, séries e tudo mais que o audiovisual produz, vem te trazer suas impressões sobre mais um belo filme. Dessa vez, sobre uma trama montada, tendo o nascimento do amor como pano de fundo. Você certamente já deve ter se apaixonado por alguém e ficou, de certa forma, sem entender no primeiro momento se estava diante de uma paixão ou de um amor nascendo. Diante de uma situação dessa, eu ou você sabemos exatamente como nos sentimos. De uma hora para outra, num rompante, ficamos completamente atraídos por alguém, que, às vezes, parece estar totalmente fora do nosso mundo, uma pessoa completamente diferente de nós, mas com a qual criamos uma ligação e laços imediatos, e quando menos percebemos estamos ali, amando e querendo, com todas as nossas forças, viver esse amor.


    Será que o amor nasce de um embuste, de uma armadilha, que nela caímos sem querer sair? Bem, não tenho essa resposta, nem acredito que você as tenha.


    Entretanto, sem a pretensão de dar alguma resposta sobre o que falei acima, através dessa pequena introdução, desejo que tenha uma boa leitura e que, por gentileza, assista o filme e tire dele suas próprias conclusões.


    “Amores Solitários” nos convida a uma jornada introspectiva, onde personagens complexos buscam se reconectar consigo mesmos em meio às turbulências da vida. A trama, apesar de simples, é tocante e nos faz refletir sobre as relações humanas, as escolhas que fazemos e o verdadeiro significado da felicidade.


    Laura Dern e Liam Hemsworth entregam atuações sólidas, mas a química entre os dois não explode como esperado. A conexão entre os personagens parece mais uma amizade profunda do que um romance apaixonado, no entanto, suas performances individuais compensam essa falta de explosão, nos permitindo acompanhar de perto suas lutas internas e suas evoluções.


    A direção do filme é impecável, com cenas que nos transportam para paisagens deslumbrantes, criando uma atmosfera poética. A fotografia é outro ponto alto, com cores vibrantes e enquadramentos que realçam a beleza natural dos cenários. A trilha sonora, por sua vez, complementa a narrativa de forma sutil e envolvente, intensificando as emoções dos personagens.


    Apesar de seus visuais incríveis, “Amores Solitários” peca um pouco no desenvolvimento de alguns personagens secundários. A história se concentra majoritariamente em Katherine e Owen, deixando pouco espaço para que os outros personagens se aprofundem. Além disso, o ritmo da narrativa pode parecer um pouco lento em alguns momentos, podendo desagradar aos espectadores que buscam uma trama mais dinâmica. No entanto, “Amores Solitários” é um filme que vale a pena ser assistido, principalmente por aqueles que apreciam dramas românticos com uma pitada de introspecção.


    A mensagem central do filme é a importância de se amar e aceitar a si mesmo antes de buscar o amor em outra pessoa. A jornada de autodescoberta dos personagens é inspiradora e nos convida a refletir sobre nossas próprias vidas.


    Em resumo, “Amores Solitários” é um filme que agrada aos olhos e à alma, por sua beleza fotográfica, sua trilha sonora envolvente e as atuações sólidas dos protagonistas, compensando as pequenas falhas. Se você busca um filme para relaxar e refletir sobre a vida, esse é uma ótima opção, pois o mesmo te promoverá uma experiência cinematográfica agradável.


  • Receita de Liberdade

    Como toda receita que se preze, não poderia deixar de lado esse toque: vai deixando seu forno das emoções pré-aquecido em 200 graus célsius, pois sem a temperatura adequada, é muito possível que a receita desande no final.


    Faz dez anos que recebo tratamento médico para uma doença terminal. O engraçado dessa situação é que quando recebi o diagnóstico, duas coisas foram informadas: a primeira, que a doença é raríssima, acometendo um em cada um bilhão de pessoas no planeta, é meio que uma loteria, que ganhei sozinho. Segunda, iria morrer em seis meses, mas já se passaram dez longos anos. Não é nada bom saber que vou morrer, mas todos que estão vivos também vão, então qual o problema? O problema, é que sou eu, e não os outros.

    Nos dez anos que faço tratamento, a cada quinze dias tenho que ser internado para umas avaliações médicas e tomar uma grande quantidade de medicamentos que não curam a doença, mas servem de controle paliativo para que ela não me mate mais rápido. Me pergunto se não seria bom já ter terminado com isso. Porém, o tempo vai se passado e sigo vivo, levando minha vida, um dia de cada vez.


    Ah! Quanto a essa receita de liberdade, ela não é minha, nem minha doença tem muito a ver com ela. Aliás, minto, até tem a haver um pouco, pois foi em uma das minhas internações, que conheci o Nelson, pessoa que me deu a receita, mas que também não é dele. Achei tão interessante que quero compartilhar.


    Assim que vi aquele negro, de uns dois metros de altura, deitado em uma cama do hospital, ao lado da minha, fui tomado de curiosidade para saber qual o motivo dele estar ali. Fiquei a pensar se ele, assim como eu, seria um ganhador da loteria de doenças terminais, mas logo vi que não, assim que ele contou, de uma vez só, toda sua biografia de vida e o motivo que o levara àquele lugar e àquela internação.


    Nelson contou-me que cresceu na mais extrema pobreza, passou por todo tipo de privações. Era um dos seis filhos de um casal de moradores da favela “Fundo do Poço”. O pai, era alcoólatra, batia na mãe, abusava da filha menor de idade. Sua mãe era catadora de material reciclável e tinha que trabalhar de sol a sol, todos os dias, para conseguir comprar alguma coisa para os filhos comer e para sustentar o vício do marido. Nelson fugiu de casa aos quatorze anos e nunca mais teve contato com nenhum deles. Sua vida mudou um pouco quando conheceu o projeto “Drive do Amanhã”, que ensina jovens, em situação de rua, a ler, escrever e dirigir, para que tenham a profissão de motorista. Apenas os que tinham boas notas, boa aparência e bons antecedentes criminais, conseguiam, ao final do curso, um emprego em casa de Madame.


    Ele falou que nunca entendeu bem os porquês de tanta exigência para ser motorista (chofer), mas por algum motivo ele conseguiu atender todos os requisitos. Graças a isso, ele conheceu Tânia, o amor da sua vida, para sempre. Tânia é fundamental na citada receita. Mas, calma, ainda preciso concluir a história sobre Nelson.


    Em seu primeiro dia de trabalho como motorista, recebeu dois ternos pretos, duas meias pretas, um par de sapatos pretos, um número menor que o tamanho dos seus pés. Ele avisou a patroa sobre o tamanho dos sapatos, mas ela disse: -Vocês pobres reclamam de tudo, por isso não conseguem trabalhar! Então, ele não reclamou mais. Quando foi contratado tinha vinte e quatro anos, agora está com quarenta. Passou todos esses anos trabalhando, sempre com um sapato menor que os pés.


    Já Tânia, segundo Nelson, aos dezenove anos de idade, tinha a beleza de uma lua cheia primaveril. Era, certamente, musa para qualquer verso que fale de amor, inspiração de lindas canções e belíssimas peças de teatro. Moça de classe abastada, tinha tudo aos seus pés, inclusive, a liberdade de ir e vir para onde lhe dava na telha, mas não tinha amor.

    O coração de Tania nunca leu “História de Amor no Ocidente”, de Denis de Rougemont. Não sabia o quanto ao longo dos séculos vão adestrando as pessoas para que o amor seja sofrível, trágico, doloroso. Avessa a tudo isso, e aos papéis sociais que nossa sociedade impõe, ela trocou olhares com Nelson, e antes que alguém julgasse certo ou errado, a menina rica estava amando o homem negro, pobre e mais velho que ela, o que a sociedade burguesa vê como um crime gravíssimo, que não merece perdão.
    Sabe, na alma não existem regras sociais, parece que ali tudo é permitido, e a alma de Nelson soube o que era o amor assim que olhou no olhar daquela linda menina, filha da madame, sem se importar com nada. Ele me confessou que não lembra de onde partiu o convite, nem como tudo foi combinado entres eles, mas que do nada, os dois estavam na praia. Chegaram lá antes do nascer do sol no horizonte e só saíram no entardecer. Não houve abraço, nem beijo entre eles. Passaram todo o dia a se olhar e conversar coisas que ele não lembrava bem. Acho que estava em transe de tanto amor. Há apenas uma fala que ele recorda, quando o sol ia se pôr, ela falou como quem canta um mantra: -Vê o sol caindo no horizonte? É tão belo que faz a gente entender toda a liberdade que a vida oferece. Então, ele pediu para ela explicar para ele o que é liberdade. Daí ela disse: -É uma receita simples, basta calçar sapatos que deixem os pés confortáveis, bem à vontade para podermos ir e vir para onde quisermos. É poder sair dando passos firmes, nos sentindo livres, leves, soltos e donos de nós. Então ele lembrou que, no trabalhava, há anos que caminha com os pés doendo, devido aos sapatos que os apertavam. Assim sendo, ele não tinha como saber o que era aquela liberdade que ela falava.


    Depois desse único encontro, ele passou quinze dias sem saber notícias sobre ela. Chegou a pensar que ela estava andando livre em outros contos, com seus sapatos confortáveis, não tendo tempo para ele. Até que o porteiro do condomínio onde ele trabalhava o encontrou e falou que ocorreu uma tragédia. Um carro, dentro do condomínio, atropelou e matou a dona Tânia de Morais e Melo. Ao ouvir aquilo, ele sentiu uma dor que é incapaz de descrever. Foi para casa e passou o dia e a noite bebendo muito. Em um determinado momento de alucinações e dores, pegou uma máquina de serra, cortou todos os dedos dos pés e calçou os sapatos, mas não experimentou a liberdade. Acordou no hospital e agora está desabafando comigo.


    Hoje, segunda-feira de 2040, continuo vivo, mas nunca mais soube nada do Nelson. Enquanto relato essa receita de liberdade, não me sai da cabeça a frase de uma música da banda Legião Urbana, L’Aventura: “Quando não há compaixão/ Ou mesmo um gesto de ajuda /O que pensar da vida/ E daqueles que sabemos que amamos?”


  • Druk: Mais uma rodada – Uma análise sobre vício, moderação e hipocrisia

    Quem já perdeu alguém para o alcoolismo sabe o quanto isso afeta nosso emocional, pois ficamos imaginando o que poderíamos ter feito de diferente para salvar àquela pessoa querida e ela permanecesse entre nós. Isso é algo muito complexo, uma vez que chegamos até a nos questionar se temos ou não alguma culpa por não ter alertado a pessoa ou algo do tipo. Porém, temos que levar em conta que o dependente de álcool ou outras drogas, sejam lícitas ou ilícitas, é portador de uma doença, hoje tratada pelo nome de adicção, que tem difícil diagnóstico e tratamento, e quando alguém perto da gente está com ela, acaba envolvendo todos ao entorno e nos adoecendo junto.

    E, sim, esse degustador de filmes, séries e tudo que o audiovisual produz, já perdeu pessoas amadas para o vício em álcool. Pessoas que foram embora do meu convívio de forma tão precoce e estúpida, por não saberem a hora de parar de beber e, o que em primeiro momento era uma diversão, tornou-se o motivo principal que lhes ceifou a vida, bem mais precioso que temos.

    Não é meu objetivo aqui ditar regras, ser contra ou a favor do consumo de quaisquer substâncias, quero apenas que ao fim da resenha possamos refletir um pouco sobre determinadas coisas que podem levar alguém ao precipício. Tenho plena consciência que não existe, ou tenha existido, sociedade humana sem uso de entorpecentes, para os mais variados fins, mas o que devemos nos perguntar é quando o uso passa a ser um perigo para nossa saúde e quando no lugar de sermos usuários estamos na verdade sendo usados pela substância, ou seja, somos por ela manipulados e viramos escravos.

    Parafraseando Raul Seixa: “Faz o que tu queres, pois é tudo da lei, mas com um pouco de cuidado, não é nada demais para ti e os teus”.

    O filme que quero apresentar hoje é “Druk”, aclamado longa metragem dinamarquês, que nos convida a uma profunda reflexão sobre os limites da felicidade e os perigos do vício. Através de uma trama envolvente e personagens complexos, o longa explora a ideia de que um pouco de álcool pode turbinar a criatividade e a vida social, mas que a linha entre a moderação e a dependência é tênue. O enredo acontece com um grupo de professores que decidem testar uma teoria sobre o consumo moderado de álcool, como forma de aumentar a felicidade e a produtividade. Inicialmente, os resultados parecem promissores, mas logo a situação escapa do controle e as consequências do vício começam a se manifestar.

    “Druk” não romantiza o consumo de álcool, mas também não o demoniza. O filme apresenta uma visão realista e complexa sobre o tema, mostrando como o vício pode afetar diferentes aspectos da vida de uma pessoa, desde as relações pessoais até a carreira profissional. Um dos pontos mais interessantes de “Druk” é a forma como aborda a questão da hipocrisia. Os personagens, que inicialmente se veem como liberais e modernos, acabam se revelando tão vulneráveis ao vício quanto qualquer outra pessoa. O filme nos convida a questionar nossos próprios comportamentos e a reconhecer que todos somos suscetíveis a cair em tentações.

    A direção de Thomas Vinterberg é impecável, com cenas memoráveis e uma fotografia que intensifica a atmosfera de tensão e euforia. As atuações são geniais, com destaque para Mads Mikkelsen, que interpreta o protagonista com uma intensidade que nos prende do início ao fim.

    Em suma, Druk é um filme essencial para quem busca uma reflexão sobre os desafios da vida moderna e a importância de encontrar um equilíbrio entre prazer e responsabilidade, nos convidando a questionar nossos próprios limites e a buscar uma vida mais autêntica e significativa, tendo como pontos fortes o roteiro inteligente e bem construído, a direção impecável, atuações de alto nível, abordagem realista e complexa da temática, reflexão sobre a hipocrisia e a busca por felicidade. Os únicos pontos fracos que percebi foram alguns momentos previsíveis e o final um pouco abrupto.

    Concluo dizendo que “Druk” é um filme que vai te fazer pensar e te emocionar. Se você busca um longa que vá além do entretenimento e provoque reflexão sobre a vida, não deixe de o assistir. Para quem gosta de filmes dramáticos com uma pitada de comédia e uma reflexão profunda sobre a condição humana, este é o filme que indico.


  • Besouro: Cordão de Ouro – Uma jornada pela luta negra no Brasil

    Era 29 de outubro do ano da graça dos meus ancestrais de 2009, para variar minha cabeça anda a mil com projetos poéticos que nem desenvolvi, e agora me pergunto o porquê? Nesse dia, à tardinha, havia me encontrado com minha amiga Rosiane de Paula, na minha livraria, em um  ‘shopping’ aqui de Natal/RN. Conversa vai e conversa vem sobre planos relacionados ao futuro e a respeito do curso de Ciências da Religião-UERN, Rosi me falou: Claudio, amanhã vai ser o lançamento nacional do Filme “Besouro Cordão de Ouro”, que conta a história de Manoel Henrique Pereira, um baiano de Santo Amaro, que ficou mais conhecido como Besouro do Mangangá, ele foi um mestre de capoeira. que no início do século XX tornou-se o maior simbolo da capoeira baiana e da luta em favor do povo Negro no Brasil.

    A descrição entusiasmada de Rosiane a respeito do filme, já despertou nesse degustador de filmes e séries a tudo mais que o audiovisual produz, um desejo enorme para assistir a estreia. Respondi “vamos ir assistir”, ela de pronto topou. Marcamos de nos encontrar no Shopping no dia seguinte, às 15 horas, antes do início da sessão. Rosiane não apareceu, acabei assistindo ao filme sozinho. Experiência incrível em todos os sentidos.

    O ator Ailton Carmo de forma magnífica interpreta Besouro personagem principal, que tem uma função de usar suas habilidades na arte da capoeira para proteger Mestre Alípio, que no filme é interpretado pelo ator Macalé dos Santos, sem conseguir cumprir com suas tarefas, Besouro acaba tendo sua lealdade questionada e esse fato irá desembocar em variadas ações na trama.

    O filme que retrata o século vinte no Brasil, com enfoque no povo negro e em como, mesmo após a abolição, eles continuam sendo tratado como escravizado. Aborda também como a capoeira ainda é uma prática proibida no país, uma vez que o desde 1889 a 1937, código penal da república dos Estados Unidos do Brasil. Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890 proibia sua prática. O que só deixou de ocorrer, quando em 1934, através de um decreto expedido pelo presidente Getúlio Vargas, ela passou a ser permitida.

    Poderia, ater-me a vários aspectos do filme, como fotografia impecável, efeitos especiais carregados de magia, a beleza e plasticidade das cenas nas quais a capoeira entra, a beleza dos corpos dos atores, atrizes e suas interpretações magníficas, mas, isso vou deixar com vocês, que tenho certeza se não assistiram vão assistir, e se assistiram vão lembrar do que escrevi aqui e concordar.

    Besouro: Cordão de Ouro é um filme que transcende a mera categoria de entretenimento, transformando-se em um poderoso veículo para a reflexão sobre a luta negra no Brasil. A obra, que narra a história de Manuel dos Reis, um capoeirista que se torna um ícone da resistência contra a opressão, nos convida a mergulhar em um período histórico marcado por profundas desigualdades sociais e raciais.

    A capoeira, arte marcial de origem afro-brasileira, é central na trama e representa muito mais do que simples movimentos corporais. Ela se configura como um símbolo de resistência, identidade e ancestralidade para a comunidade negra. Ao longo do filme, acompanhamos a trajetória de Besouro, que utiliza a capoeira não apenas como forma de expressão artística, mas também como ferramenta de luta contra a injustiça e a discriminação.

    A relação entre o filme e a luta negra no Brasil é indissociável. “Besouro: Cordão de Ouro” nos mostra como a capoeira foi utilizada como um meio de preservação da cultura afro-brasileira e de afirmação da identidade negra em um contexto de constante apagamento e marginalização. A obra também denuncia as diversas formas de violência sofridas pela população negra ao longo da história, como a escravidão, o racismo institucional e a violência policial.

    Ao retratar a vida de Besouro, o filme nos apresenta um heroi popular que inspira a luta por justiça e igualdade. A figura do capoeirista, que se torna um símbolo de resistência, nos convida a refletir sobre a importância de valorizar a história e a cultura negra, e de continuar a lutar contra o racismo em todas as suas formas.

    Besouro: Cordão de Ouro é um filme que emociona, inspira e provoca. Ao assistir a essa obra, somos convidados a repensar o nosso lugar no mundo e a construir um futuro mais justo e igualitário para todos.


  • “The Emperor’s” – O Clube do Imperador: uma reflexão sobre ensino, ética e história

    O seu degustador de filmes, séries e tudo mais que o audiovisual produz, traz mais uma de suas impressões sobre um filme lançado nos Estados Unidos em 2002, com o ator norte-americano Kevin Kline, que dá vida a William Hundert, um professor de História de uma renomada instituição de ensino especializada na formação de jovens da elite, o Colégio St. Benedict’s. É possível vermos a dedicação e paixão do professor em realizar o seu trabalho, ele acredita de fato que o ensino de História é uma ferramente poderosa para auxiliar na formação do caráter dos seus educandos.

    A cada começo de ano letivo, no Colégio St. Benedict’s, o professor explica os objetivos das suas aulas e pede para um dos alunos lê uma plaqueta que está posicionada numa parede da sala. Nessa plaqueta estão os grandes feitos de “Shutruk-Nahunte”. Quando o aluno termina de ler os tais feitos, o professor explana que esses grandiosos feitos só podem ser encontrados naquela plaqueta, porque ao contrário dos bustos dos grandes imperadores que rodeiam a sala, os quais seus feitos foram notáveis, os de “Shutruk-Nahunte” não, uma vez que esse não passava de um egoísta, e que realizara as coisas apenas por objetivos pessoas, sem deixar nenhum legado que pudesse ser importante para História, o colocando no ostracismo.

    A leitura da plaqueta sobre “Shutruk-Nahunte” tem muita importância no desenrolar do filme, ao fim do semestre no Colégio St. Benedict’s os três melhores alunos da disciplina de História participam de uma competição chamada “Júlio César”, organizada pelo professor de História. Nessa competição, eles vão, entre si, buscar responder  sobre a história clássica greco-romana, objetivando testar quem domina o conteúdo de História. Aquele que ganhar a competição é coroador como imperador, passa a ter sua foto em lugar de destaque na instituição. 

    Com a chegado do aluno Sedgewick Bell (Emile Hirsch), filho de um senador da república, que desde sua entrada em sala de aula se mostra indisciplinado e sem nenhum interesse no estudo da história, vai colocar em xeque a forma de ensino do professor. O professor enxerga potencial no aluno, mas não sabe como fazê-lo entender a importância do estudo para sua vida.

    Ajudado pelo professor William Hundert, que forja a nota de Sedgewick Bell,  possibilitando a ele ser um dos três que irão competir, para ver quem sairá coroado como imperador. O professor faz isso acreditando que o aluno mudou e está estudando, porém, durante a competição o professor percebe que Bell está se saindo muito bem, inclusive fica para a pergunta final, porém, o professor consegue perceber o embuste do aluno que na verdade está trapaceando, usando o desprezível recurso da cola. Hundert avisa ao diretor da instituição que irá desclassificar o estudante por isso, mas nessa hora é advertido pela direção que o pai daquele aluno o senador e um dos principais mantenedores do St. Benedict’s, e que o professor deve fazer vista grossa e seguir com a disputa.

    Anos irão se passar e o Sedgewick Bell irá propor uma revanche aos colegas sobre disputa do passado, para isso ele convida o velho professor para mediar a disputa ao reunir todos os colegas, Bell revela para eles que quer se candidatar a senador como seu pai, a competição começa e mais uma vez o professor descobre que o Bell esta trapaceando, só que agora usando um teleponto com ajuda de uma estudante universitário. O professor resolve então deixar de lado as perguntas que havia preparado e pergunta quem foi “Shutruk-Nahunte”? O ajudante de Bell não trapaça, não consegue responder, e ele é derrotado. O professor, em um outro momento, tem uma longa conversa com o ex-aluno para, mais uma vez, chamá-lo a razão sobre a importância de uma vida com retidão e ética.

    Guardadas as proporções, quem assistiu o filme Sociedade dos Poetas Mortos, e depois for assistir O Clube do Imperador, certamente enxergará alguma semelhança entres os dois. Porém, já advirto, a proposta que os dois buscam passar não é tão parecida. 

    Minhas impressões sobre o filme é que ele tece uma trama envolvente que nos convida a refletir. O Clube do Imperador” nos apresenta um microcosmo de um colégio interno de elite, onde a disciplina e a honra são pilares da educação. Ética sobre a importância do ensino de história, a paixão pela profissão docente e a complexidade da formação moral dos jovens. O professor Hundert, com sua dedicação incansável, busca transmitir aos alunos a importância dos valores romanos, como a honra e a justiça. A comparação entre a importância do estudo da história e o amor pela profissão de professor é um dos pontos mais relevantes do filme. Hundert demonstra uma paixão genuína por ensinar e acredita que a história pode ser uma ferramenta poderosa para a formação do caráter preparando-os para os desafios da vida adulta. Ao estudar os erros e acertos dos grandes líderes do passado, os alunos podem aprender a tomar decisões éticas e a construir um futuro melhor.

    No entanto, o filme também nos mostra que o conhecimento histórico por si só não é suficiente para garantir a formação de pessoas éticas. Sedgewick, apesar de inteligente e culto, demonstra uma profunda falta de caráter. Sua traição ao professor e aos colegas revela que a ética não é algo que se aprende apenas nos livros, mas que é fruto de um processo de formação mais complexa, que envolve a família, a sociedade e a própria personalidade do indivíduo.

    A ausência de ética em Sedgewick levanta a questão de até que ponto um professor pode influenciar a formação moral de seus alunos. Hundert, apesar de todos os seus esforços, não consegue mudar a natureza de Sedgewick. Isso não significa que seu trabalho seja em vão, mas sim que a educação é um processo colaborativo, que envolve a família, a escola e a sociedade como um todo.

    Em suma, “O Clube do Imperador” é um filme que nos convida a refletir sobre a importância da educação, da ética e da história, nos desafiando a pensar sobre o nosso papel na construção de um mundo mais justo e humano.


  • Ana Bolena: um símbolo da liberdade feminina na série Sexo, Sangue e Realeza

    Se vasculharmos registros do passado em busca de fontes documentais sobre as lutas das mulheres por direitos, é bem possível que encontremos pouca coisa. No entanto, isso não significa que essas lutas não existiram. Qualquer sociedade, de qualquer época, que apresenta opressão, também possui indivíduos ou grupos lutando para superá-la, e com as mulheres não é diferente. Seja na Idade Média Europeia (476 a 1453), no Brasil Colônia (1530 a 1815) ou nos Estados Unidos durante a Guerra Civil Americana (1861 a 1865), as mulheres sempre apareceram lutando por igualdade e na superação de modelos de sociedade que privilegiam os homens.

    Estudiosos do tema creditam ao contexto da Revolução Francesa (1789), ou seja, a Era do Iluminismo, o surgimento do feminismo moderno. As lutas por direitos iguais em relação aos homens, como configuradas atualmente, nasceram nesse contexto histórico. Em 1791, por exemplo, a revolucionária Olímpia de Gouges escreveu uma célebre declaração, na qual afirmava que as mulheres têm direitos naturais idênticos aos homens e, por isso, deveriam participar direta ou indiretamente da formulação das leis e da política em geral.

    Eu poderia elencar vários exemplos de mulheres lutadoras ao longo da História para reforçar meus argumentos, mas isso tornaria o texto longo e cansativo, desfocando seu propósito: apresentar uma série que retrata a história de uma mulher forte, sagaz e muito além de seu tempo. Como muitas, Ana Bolena não aceitou o papel que a sociedade, pensada e organizada por homens, buscou lhe impor. A série da Netflix “Sexo, Sangue e Realeza” demonstra como Ana Bolena desafiou as regras impostas, incluindo momentos com depoimentos de especialistas e estudiosos de sua biografia que confirmam sua força e as formas que encontrou para lutar contra essas regras.

    A série oferece uma perspectiva fascinante sobre a vida de Ana Bolena, segunda esposa do Rei Henrique VIII da Inglaterra. Através de sua história, mostra como mulheres que desafiam as normas sociais podem alcançar a liberdade e o poder. Ana era ambiciosa e inteligente, não se contentava com o papel tradicional de rainha. Ela questionava as regras da corte e defendia seus próprios valores, entrando em conflito com a sociedade patriarcal que tentava controlá-la e silenciá-la.

    Na série, Ana é retratada como uma mulher determinada que luta por seus sonhos e desejos. Ela se recusa a se submeter às expectativas da sociedade e desafia as autoridades sempre que necessário. Essa postura a leva a um destino trágico, mas também a torna um símbolo da emancipação feminina.

    A série também explora a complexa relação entre Ana e o Rei Henrique VIII. O rei era um homem poderoso e possessivo que exigia total obediência de sua esposa. No entanto, Ana não se intimidava com seus caprichos e se recusava a ceder às suas demandas. Essa resistência a tornou ainda mais desejável para o rei, mas também o levou à loucura e à tirania.

    A morte de Ana Bolena foi um evento trágico, mas sua história serve como um lembrete importante de que as mulheres não devem se submeter às normas sociais que as limitam. Ela nos ensina que é possível desafiar o status quo e lutar por uma vida livre e autônoma.

    Ao retratar Ana Bolena como uma mulher complexa e multifacetada, a série “Sexo, Sangue e Realeza” nos convida a refletir sobre os desafios que as mulheres enfrentam em uma sociedade patriarcal. A história de Ana é uma inspiração para todas as mulheres que buscam seus direitos e sua liberdade.


  • 400 contra 1: um mergulho na origem do crime organizado no Brasil

    Procurando uma metáfora em que pudesse encaixar o Estado (Nação Brasileira), eis que resolvi criar uma: o Estado é um “caranguejo” quando o assunto é resolver os problemas crônicos em áreas como: educação, saúde, segurança, moradia, infraestrutura entre outras coisas. Porque um caranguejo? Pelo fato de andar sempre de lado dos problemas, mas nunca os ataca de frente na busca por soluções definitivas. Às vezes até surgem soluções, porém como paliativo ao problema.

    É um caranguejo, também, porque as vezes aparece algum administrador das políticas do Estado envoltos na lama da corrupção. As tomadas de decisão por parte de quem rege a coisa pública parecem ser feitas sem respeitar fatores históricos, econômico e socioambientais.

    A direita e extrema-direita, quando no poder, desenvolvem políticas no setor de segurança e de enfrentamento (guerra) com extermínio das populações mais vulneráveis socialmente, bem como a política de encarceramento de amontoar corpos humanos em presídios infectos, onde no lugar de ressocializar os indivíduos o que se cria são mais bandidos que se organizam cada vez mais.

    E a esquerda, essa apesar de identificar fatores históricos relacionado as condições socioeconômicas como causadoras da criminalidade, não consegue ter uma proposta que a combata. Os verdadeiros anseios das populações estão sempre colocados de lado.

    Seu degustador de filmes, séries e tudo mais que o audiovisual produz, traz, dessa vez, um filme para reflexão que abarca questões históricas, senão do nascimento, mas dos primeiros passos do que viria a ser o crime organizado em nosso país, como esse começou a crescer nas cadeias, no caso do filme, no presídio de Ilha Grande, no Rio de Janeiro, e que dali serviu de modelo para outras organizações Brasil afora.

    Hoje os noticiários de TVs e as reportagens da área policial corroboram para demonstrar que já não existe lugar nesse país sem uma, ou até várias, organização criminosas, deixando a população que vive na insegurança no sofrimento.

    Esse longa metragem foi lançado em 2010, dirigido por Caco Souza, retratando a ascensão do Comando Vermelho, facção carioca fundada na década de 70. Baseado no livro autobiográfico de William da Silva Lima, um dos fundadores da organização, o filme acompanha sua trajetória desde o presídio da Ilha Grande até a liderança do grupo. Através de flashbacks, a produção explora as motivações e os desafios enfrentados por William e seus comparsas, contextualizando o surgimento do crime organizado no Brasil em meio à repressão da ditadura militar.

    O filme serve como um ponto de partida para se entender a complexa teia da evolução do crime organizado, que se diversificou e se fortaleceu ao longo das décadas. Fatores como pobreza, desigualdade social, encarceramento em massa e corrupção são apontados como terreno fértil para o desenvolvimento de grupos criminosos. A fragilidade do sistema prisional, a falta de oportunidades para ex-presidiários e a ineficiência das políticas públicas contribuem para a perpetuação do ciclo de violência.

    “400 Contra 1″, filme que vai além da mera narrativa policial, convidando o público a refletir sobre as raízes sociais do crime e os desafios na busca por soluções eficazes, levantando questionamentos sobre o papel do Estado no combate à criminalidade e a necessidade de medidas que ataquem as causas estruturais do problema.

    A obra também convida a pensar sobre a figura do bandido, reconhecendo a complexidade de suas motivações e trajetórias. Mais do que um filme de ação, “400 Contra 1” é um convite à reflexão crítica sobre um tema crucial para a sociedade brasileira. A produção oferece subsídios para entendermos a gênese do crime organizado e os desafios na construção de um futuro mais justo e seguro para todos.

    Ao término do filme ficam os questionamentos: por que que no exato momento onde o crime organizado começa a ganhar corpo, nada foi feito para extingui-lo? Por que foi permitido que fosse ganhando mais corpo ao longo dos anos? Será que não havia informações a respeito? Ou será que nosso “Estado caranguejo” preferiu acompanhar tudo andando de lado, à espera que um milagre tudo resolvesse?

    Essas são apenas divagações minhas, assista o filme e tire suas conclusões.


Crônicas