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O Amor Enjaulado: A Hipocrisia Social em “O Segredo de Brokeback Mountain”
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O Segredo de Brokeback Mountain (2005), dirigido por Ang Lee, não é apenas um romance trágico. É um espelho implacável da hipocrisia social diante da natureza do amor. O filme retrata a intensa e proibida relação entre Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal), dois cowboys que se apaixonam nas montanhas de Wyoming, na década de 1960. O que poderia ser uma celebração do amor em sua forma mais pura e avassaladora acaba sendo sufocado por uma teia de normas rígidas, preconceito e medo, revelando a profunda desconexão entre o discurso social sobre o amor e a realidade de sua aceitação.
Desde o primeiro olhar trocado em Brokeback Mountain, o amor entre Ennis e Jack é visceral, incontestável. Mas, desde o início, é obrigado a existir na clandestinidade, não por vergonha do sentimento em si, mas pelo terror das possíveis represálias sociais. A sociedade de meados do século XX – e, em muitos aspectos, ainda a de hoje — prega um amor idealizado, romântico, heteronormativo e rigidamente confinado a estruturas tradicionais. Celebra-se o amor em músicas, filmes e literatura, desde que ele se encaixe nas caixas previamente estabelecidas. Qualquer desvio desse modelo é rotulado como “anormal”, “pecaminoso” ou “perverso”, tornando-se alvo de estigmatização, violência e ostracismo.
A hipocrisia social se materializa na forma como Ennis e Jack são forçados a viver vidas duplas. Ennis, sobretudo, é paralisado por um medo visceral de ser descoberto, medo alimentado desde a infância por histórias de brutalidade contra pessoas que ousaram viver seu amor fora das normas. Na tentativa de se adequar, ele casa-se com Alma (Michelle Williams) e constrói uma família, vivendo uma existência marcada pela repressão, pelo silêncio e pela infelicidade latente. Sua rigidez emocional e sua incapacidade de abraçar plenamente o amor por Jack são retratos dolorosos da opressão imposta pelas expectativas sociais. Uma sociedade que, paradoxalmente, enaltece a família e o amor, mas falha miseravelmente em criar espaço para que o amor, em todas as suas formas, floresça sem medo.
Jack, por outro lado, é mais ousado em sua busca por felicidade. Sonha com uma vida onde ele e Ennis possam viver juntos, livres da vigilância social. Mas seu desejo esbarra constantemente nas barreiras erguidas pelo medo, pela intolerância e pelos traumas de Ennis. A tragédia do filme se instala exatamente aí: na impossibilidade de concretizar um amor que, para Jack, é tão essencial quanto o próprio ar. A sociedade, enquanto exalta o “amor verdadeiro”, condena implacavelmente aquele que não cabe em suas definições estreitas, roubando das pessoas sua plenitude afetiva, emocional e existencial.
As famílias que ambos constroem, embora aparentemente convencionais, são sustentadas sobre o frágil alicerce da dissimulação. Alma, ao perceber a verdade sobre Ennis e Jack, carrega em silêncio o peso da dor e da traição, mostrando como a opressão de uns reverbera no sofrimento de outros. As mentiras e os segredos corroem os relacionamentos, gerando frustração, ressentimento e solidão. A mesma sociedade que exige conformidade é aquela que, cruelmente, condena seus membros à incompletude e ao sofrimento, tudo em nome de uma moralidade hipócrita e muitas vezes infundada.
O destino de Jack, sugerido como fruto da violência homofóbica, é o ápice dessa hipocrisia social. A sociedade que condena o amor entre dois homens é a mesma que, através do ódio e da ignorância, produz sua destruição. O Segredo de Brokeback Mountain escancara uma verdade dolorosa: o amor, em sua essência mais pura e desprovida de preconceitos, frequentemente se mostra muito mais evoluído que a sociedade que o abriga. O filme é, ao mesmo tempo, um grito sufocado contra a tirania da conformidade, um lamento pelos amores que nunca puderam ser plenamente vividos, e uma denúncia poderosa da hipocrisia social que prega o amor, mas teme sua real e diversa natureza.
É, sobretudo, uma obra atemporal que nos lembra que a liberdade de amar é a mais fundamental de todas as liberdades e que sua negação é uma tragédia de proporções humanas e históricas.
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A trágica sombra do espetáculo e dos jogos de beleza nas redes sociais
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A sociedade contemporânea, imersa no espetáculo das redes sociais e nos incessantes jogos de beleza e felicidade digital, parece ter se esquecido de uma verdade fundamental e historicamente enraizada: a vida possui um lado trágico. Nesse palco virtual de sorrisos incessantes, corpos perfeitos e narrativas impecáveis, a complexidade inerente à existência humana é frequentemente diluída, mascarada por uma busca constante por uma felicidade fabricada. Essa recusa em reconhecer a dimensão sombria da vida não é apenas uma distorção da realidade, mas uma negação de séculos de pensamento filosófico e da própria experiência humana.
Desde a Grécia Antiga, com suas tragédias que exploravam os dilemas humanos e a inevitabilidade do sofrimento, até os existencialistas do século XX, que enfrentaram a angústia e o absurdo da existência, a filosofia sempre nos lembrou que a vida não é uma linha reta de contentamento. A tristeza, a perda, o fracasso e a dor não são meras interrupções indesejadas, mas elementos intrínsecos à jornada humana. No entanto, o universo das redes sociais, com seus algoritmos que privilegiam o positivo e o visualmente atraente, cria uma bolha onde a vulnerabilidade e a imperfeição são quase banidas, transformando a vida em uma sucessão de momentos editados e filtrados.
Esse espetáculo da felicidade constante fomenta uma pressão esmagadora para que todos se conformem a um ideal inatingível. A busca por validação externa, expressa em curtidas e comentários, transforma a existência em uma performance, onde a autenticidade é sacrificada em nome da aprovação. A comparação incessante com vidas aparentemente perfeitas gera ansiedade, inveja e uma sensação de inadequação, minando a saúde mental e o bem-estar genuíno. Em vez de nos preparar para os inevitáveis reveses, essa cultura do espetáculo nos torna mais frágeis, menos aptos a lidar com as adversidades quando elas inevitavelmente surgem.
A história nos ensina que grandes avanços e compreensões profundas muitas vezes emergem da superação de dificuldades. Resiliência, empatia e sabedoria são forjadas nas crises — não na ausência delas. Ao relegar o sofrimento ao ostracismo, a sociedade do espetáculo nos priva da oportunidade de crescer através da dor, de aprender com os erros e de valorizar ainda mais os momentos de alegria. A vida, em sua plenitude, é um tecido complexo no qual felicidade e tristeza se entrelaçam e se complementam. Uma não pode existir de forma significativa sem a outra.
Perspectivas de historiadores, filósofos, psicólogos e psiquiatras em relação à compreensão da tragédia como parte intrínseca da condição humana não são novas, mas uma reflexão recorrente em diversas áreas do conhecimento:
Historiadores: A própria história é testemunha da natureza cíclica da tragédia. Como Karl Marx observou, a história pode se repetir, primeiro como tragédia e depois como farsa, indicando que eventos dolorosos são uma constante na trajetória humana. Historiadores como Eric Hobsbawm e Marc Bloch, ao analisarem grandes conflitos e catástrofes, não apenas narram os fatos, mas também revelam a dimensão trágica das escolhas humanas e das forças históricas que moldam o destino de sociedades inteiras.
Filósofos: Desde Aristóteles, que em sua Poética descreveu a catarse como purificação por meio da piedade e do terror gerados pela tragédia, o sofrimento é tema central na filosofia. Friedrich Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia, defendeu que a arte — especialmente a tragédia dionisíaca — é essencial para afirmar a vida em toda a sua dor e beleza, transcendendo o pessimismo e aceitando o “sim” à existência mesmo com suas durezas. Mais tarde, pensadores existencialistas como Albert Camus e Jean-Paul Sartre exploraram a angústia e o absurdo da condição humana, enfatizando que a liberdade individual exige a responsabilidade de criar sentido num mundo essencialmente desprovido dele.
Psicólogos e psiquiatras: A psicologia e a psiquiatria modernas reconhecem a tristeza e a imperfeição como componentes vitais da saúde mental. Carl Jung, por exemplo, em sua teoria da individuação, destacou que a plenitude da vida requer o equilíbrio entre sofrimento e alegria, e que a negação de qualquer um desses polos leva ao desequilíbrio psíquico. Na psicanálise, Sigmund Freud abordou o “mal-estar na civilização”, argumentando que o sofrimento é inevitável nas relações entre os desejos individuais e as demandas sociais. Psicólogos contemporâneos, como Brené Brown, reforçam a importância da vulnerabilidade e da aceitação da imperfeição como chaves para uma vida autêntica e conectada.
Em suma, a tentativa de construir uma realidade de felicidade ininterrupta nas redes sociais é uma fuga da complexidade da existência humana. A história, a filosofia e as ciências da mente nos lembram que a vida é um emaranhado de alegrias e tristezas, triunfos e tragédias. Aceitar essa dualidade não é sinal de fraqueza, mas sim de força — permitindo-nos viver com mais profundidade, empatia e resiliência.
Como podemos, individual e coletivamente, cultivar uma cultura que celebre a autenticidade e a capacidade de enfrentar a tragédia, em vez de mascará-la?
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A ILUSÃO DO DINHEIRO FÁCIL E A DESINFORMAÇÃO JUVENIL: um alerta necessário
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Nos últimos anos, tornou-se cada vez mais comum ouvir jovens afirmando que trabalhar com carteira assinada é “coisa de fracassado” ou que “CLT é perda de tempo”. Paralelamente, cresce o número de adolescentes que desejam ser influenciadores digitais ou jogadores profissionais como forma de alcançar fama e riqueza rapidamente. Esse fenômeno, que poderia parecer apenas uma tendência inofensiva, revela uma crise mais profunda: a desinformação juvenil em relação ao mundo do trabalho e à construção da vida adulta.
Criada em 1943 por Getúlio Vargas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) garantiu direitos fundamentais aos trabalhadores brasileiros — como férias remuneradas, 13º salário, licença-maternidade e aposentadoria. No entanto, essas conquistas históricas têm sido ignoradas por parte da nova geração, que muitas vezes sequer entende o que significa esse regime. O desprezo pela CLT não se dá por experiência própria, mas por discursos distorcidos disseminados nas redes sociais e por influenciadores que pregam o sucesso instantâneo e sem esforço.
O fascínio pelo “dinheiro fácil” ganhou força com a popularização de plataformas como TikTok, YouTube e Instagram, onde conteúdos de ostentação, rotinas irreais e fórmulas mágicas de enriquecimento atraem milhões de visualizações. Jovens passam horas consumindo esse tipo de material, muitas vezes sem qualquer orientação dos pais ou da escola. Isso tem impactos diretos sobre seus valores, aspirações e até comportamento. Relatos de alunos que sonham ser “ricos do TikTok” ou “jogadores de Free Fire” em vez de buscarem formação profissional são cada vez mais frequentes nas salas de aula.
É importante destacar que a vida de influenciadores e gamers de sucesso é exceção, não regra. É um mercado competitivo, instável e altamente exigente. Muitos adolescentes que abandonam os estudos para seguir esse caminho acabam frustrados, emocionalmente abalados e sem qualificação para o mercado de trabalho. Enquanto isso, desprezam profissões legítimas que exigem esforço, disciplina e estudo — pilares essenciais para qualquer trajetória sólida.
Essa realidade é agravada pela ausência de acompanhamento familiar. Muitos pais entregam celulares e tablets a crianças de 4 ou 5 anos, sem monitoramento. Em casos mais extremos, como o de uma menina de 12 anos que começou a furtar dinheiro para “viralizar” no Instagram, vemos o impacto direto da influência digital mal orientada: prejuízo escolar, conflitos familiares e danos emocionais.
Diante disso, é urgente resgatar o valor do diálogo dentro de casa e nas escolas. Educar não é apenas oferecer estrutura material, mas também preparar os jovens para entender o que é trabalho, responsabilidade e independência financeira. Trabalhar com carteira assinada não é um fracasso — é um passo legítimo e digno na construção de uma carreira. Muitos profissionais bem-sucedidos começaram como estagiários, auxiliares ou vendedores e cresceram por mérito próprio.
Não se trata de demonizar o universo digital. Ele, de fato, oferece oportunidades e pode ser uma ferramenta poderosa de aprendizado e crescimento. O problema está em consumi-lo sem filtro, sem senso crítico e sem orientação. Quando isso acontece, os riscos se tornam maiores que os benefícios.
Por isso, pais, educadores e a sociedade como um todo têm o dever de orientar, informar e mostrar aos jovens que a verdadeira liberdade vem do conhecimento, do trabalho honesto e do amadurecimento — não de curtidas passageiras e fama ilusória. O futuro não se constrói com atalhos, mas com escolhas conscientes.
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DOIS PAPAS: a humanidade de Francisco e o diálogo como elo
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O filme “Dois Papas”, sob a direção sensível de Fernando Meirelles e com atuações magistrais de Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, transcende a mera dramatização da transição papal entre Bento XVI e Francisco. A produção da Netflix, lançada em 2019, configura-se como uma obra cinematográfica profundamente humana, espiritualmente provocadora e tocante, ao abordar temas como perdão, mudança e o poder inerente ao diálogo. A narrativa habilmente entrelaça a história de dois homens, de perspectivas aparentemente antagônicas — um conservador e introspectivo, o outro progressista e expansivo —, revelando como o encontro improvável entre eles reconfigurou os rumos da Igreja Católica e reverberou no mundo.
Embora tenha apreciado “Dois Papas” desde seu lançamento na Netflix, confesso que, inicialmente, não vislumbrava escrever sobre ele. Contudo, a partida do humanista Papa Francisco e o instigante desafio proposto pelo meu amigo Gesaias Ciriaco motivaram-me a revisitar a obra. Compartilho, agora, minhas reflexões sobre o filme e sobre a figura singular de Francisco. Boa leitura!
A interpretação de Jonathan Pryce como o então cardeal Jorge Mario Bergoglio é notável. Sua caracterização vai além da semelhança física, capturando a essência da humildade, do senso de humor e da profunda empatia que marcaram o pontificado de Francisco. O filme pinta o retrato de um homem que reconhece suas falhas, mas que é impulsionado por um desejo genuíno de servir ao próximo. É nessa representação que começamos a compreender a verdadeira dimensão de quem foi Papa Francisco: um pastor dedicado ao seu povo, um homem que trilhou o caminho dos pobres, que deu voz aos marginalizados e que preferiu a simplicidade das periferias ao esplendor do Vaticano.
Francisco não foi apenas o primeiro papa jesuíta e o primeiro latino-americano; ele personificou um símbolo de renovação espiritual e institucional. Sua trajetória, desde as dolorosas experiências da ditadura militar e as contradições internas da Igreja em Buenos Aires até o centro do catolicismo em Roma, foi pautada por uma busca incessante por coerência e amor ao próximo. Sua capacidade de reconhecer e integrar suas próprias sombras e erros, habilmente explorada em flashbacks no filme, apenas o tornou mais humano e acessível.
O legado de Francisco irradia para além das fronteiras do catolicismo. Ele estendeu a mão a irmãos de outras crenças, protagonizando gestos históricos e corajosos, como seus encontros fraternos com líderes muçulmanos, judeus, budistas e hinduístas. Mais significativo ainda: foi um papa que jamais se distanciou dos não crentes. Em suas palavras e ações, evidenciou que a dignidade humana transcende qualquer rótulo religioso. Ele enxergou, nos ateus, nos agnósticos e nos que duvidam, uma busca intrínseca por verdade e justiça, tão sagrada quanto a dos próprios fiéis. Para Francisco, o cerne de tudo residia no amor concreto ao outro, na justiça social, na promoção da paz e no zelo pelo planeta. Ao assistir “Dois Papas”, somos lembrados de que a verdadeira liderança emana da escuta, não da imposição. Francisco escutava atentamente: o clamor do povo, os lamentos da Terra, os gritos silenciosos das vítimas de abuso, os anseios da juventude e a descrença daqueles que perderam a fé.
Sua humanidade era desarmante em sua simplicidade. Utilizava o transporte público, rejeitava a ostentação dos palácios, solicitava orações e não hesitava em expressar sua emoção em público. Era um homem que elevou a ternura à condição de resistência.
Sua partida, hoje lamentada por incontáveis pessoas, deixa um vácuo profundo. Não apenas na Cátedra de Pedro, mas no coração de uma humanidade sedenta por líderes que priorizem a compaixão em detrimento do poder, a escuta em vez do discurso unilateral. Francisco não era isento de falhas, e talvez seja essa a razão pela qual tantos o admiravam: sua natureza genuína, feita de carne e osso, como a de todos nós. Contudo, sua alma irradiava um brilho singular — o de alguém que acreditava fervorosamente que a Igreja deveria ser um hospital de campanha, acolhedor e curativo, e não uma fortaleza de julgamento. “Dois Papas” revela-se, portanto, como algo muito além de um filme sobre uma sucessão papal. É um convite pungente à reflexão sobre o potencial transformador do diálogo e sobre a capacidade de figuras inspiradoras reacenderem a esperança, mesmo em tempos sombrios. Francisco foi, inegavelmente, uma dessas figuras. E sua memória perdurará como uma semente fecunda — nas palavras que proferiu, nos gestos que praticou e nos corações que tocou.
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O Sonho de um Homem Ridículo, de Fiódor Dostoiévski
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Algumas leituras parecem nos colocar frente a frente com o autor, como se ele falasse diretamente conosco, convidando-nos a refletir sobre o que somos, nossas atitudes, nossas escolhas e como nos vemos enquanto indivíduos. Ao ler esse conto, vivi essa experiência.
O Sonho de um Homem Ridículo é uma das obras mais profundas e simbólicas de Fiódor Dostoiévski. Publicado em 1877, o conto acompanha a trajetória psicológica e existencial de um homem que se julga insignificante e desajustado, alguém que já não encontra sentido na vida e decide cometer suicídio. A narrativa mergulha em uma análise existencial sobre a vida, a verdade, a culpa e, principalmente, sobre a natureza humana.
O protagonista inicia a história em um estado de completa apatia. Ele se vê como ridículo, sem valor, e acredita que nada mais importa no mundo. Sua decisão de se matar é tomada sem drama, com uma frieza quase assustadora. No entanto, antes de executar o ato, ele adormece e sonha — um sonho que muda completamente sua visão de mundo.
Nesse sonho, ele é transportado para um planeta idêntico à Terra, mas habitado por pessoas puras, sem egoísmo, sem mentiras, sem orgulho. Uma humanidade ideal, sem corrupção e sem maldade. Ele é recebido com amor e respeito, como se fosse um irmão perdido. Contudo, mesmo nesse paraíso, o protagonista carrega consigo os vícios do seu antigo mundo. Aos poucos, sua presença contamina aquele povo: ele ensina a mentira, o egoísmo, o desejo de poder. Em pouco tempo, aquele mundo perfeito transforma-se em um reflexo da Terra que ele conhecia — marcada pela violência, vaidade e hipocrisia.
Esse momento de profunda consciência é o ponto de virada da narrativa. Ele desperta do sonho transtornado, mas transformado. Percebe que o mal que destruiu aquele mundo puro foi trazido por ele — por um ser humano comum, falho e imperfeito. E é justamente aí que se encontra uma das grandes lições do conto: a responsabilidade pessoal e coletiva na construção ou destruição da realidade à nossa volta.
Dostoiévski, por meio desse conto, nos confronta com a verdade de que não somos heróis, nem deuses, nem vítimas puras. Somos humanos — erramos, mentimos, magoamos, mesmo quando acreditamos estar certos. O “homem ridículo” é, na verdade, uma metáfora de todos nós. Muitas vezes, nos colocamos em posições de superioridade moral, julgamos os outros sem olhar para dentro de nós mesmos. Ignoramos nossas próprias falhas, esquecendo que também somos orgulhosos, vaidosos, invejosos e egoístas.
Ao reconhecer sua culpa e sua influência negativa, o protagonista escolhe viver — não para se esconder, mas para mudar. Ele assume a missão de transmitir a verdade que viu, mesmo que o tomem por louco. Essa decisão simboliza o poder da humildade: ele não busca glória nem redenção, mas a chance de contribuir para um mundo melhor, começando por si mesmo.
A ressignificação da vida por meio do autoconhecimento é uma das mensagens mais potentes do conto. O sonho do protagonista é, na verdade, um mergulho em sua própria alma. E, ao encarar suas falhas, ele compreende que mudar o mundo exige, antes de tudo, mudar a si mesmo. Isso vale para todos nós. Em tempos de discursos inflados e julgamentos constantes, lembrar que também erramos, que também somos falhos, é um ato de coragem e maturidade.
Dostoiévski nos mostra que é possível encontrar redenção e sentido mesmo após as piores quedas. O importante é ter a humildade de reconhecer nossas limitações e a responsabilidade de fazer escolhas mais conscientes. O verdadeiro perigo não está em ser ridículo, mas em não perceber que também contribuímos, com nossas atitudes, para a construção de um mundo doente. A transformação começa no íntimo de cada um.
Assim, O Sonho de um Homem Ridículo é mais do que um conto filosófico: é um espelho da condição humana. E nos convida, com delicadeza e firmeza, a deixar de lado o orgulho, a autossuficiência e a pretensão de estarmos sempre certos. Porque o verdadeiro despertar acontece quando deixamos de buscar culpados e passamos a agir com amor, consciência e humildade.
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O Sagrado em O Pequeno Príncipe – Uma Jornada Espiritual
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Em 2009, concluí o curso de Ciência da Religião pela UERN. O tema da minha monografia foi “O Sagrado na Obra O Pequeno Príncipe”. Com o passar do tempo, já distante da conclusão da graduação, decidi revisitar esse tema, agora em forma de uma breve resenha, que compartilho com vocês, na esperança de que apreciem a leitura.
O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, é uma obra repleta de simbolismos que transcendem o campo literário, revelando traços do sagrado presentes em diversas tradições religiosas. O deserto, o poço e o encantamento do protagonista pelas estrelas são elementos que dialogam com o Budismo, o Cristianismo, o Islã e o Judaísmo, tecendo uma narrativa que celebra o invisível e o transcendente.
O deserto, espaço de solidão e encontro consigo mesmo, remete às provações espirituais. No Cristianismo, evoca o êxodo de Moisés e o jejum de Jesus, momentos de purificação e preparação espiritual. No Islã, o deserto é o lugar da revelação a Maomé. No Judaísmo, simboliza o caminho rumo à Terra Prometida. Já no Budismo, representa o vazio necessário à iluminação, como na meditação de Buda. Assim, quando o Pequeno Príncipe se encontra perdido no deserto, ele, como os místicos de todas essas tradições, descobre ali a essência da vida, no silêncio e na simplicidade.
O poço, que surge como um milagre em meio ao árido cenário, simboliza vida e sabedoria. No Cristianismo, remete ao poço de Jacó, onde Jesus oferece a “água viva” (João 4:14). No Islã, a água é um dom divino, como o poço de Zamzam, fonte sagrada de Meca. No Judaísmo, os poços são lugares de encontro e revelação, como no episódio de Rebeca e Isaac. Para o Budismo, a água pura simboliza a claridade mental. Quando o Pequeno Príncipe bebe do poço, não sacia apenas a sede física, mas também a sede espiritual, num verdadeiro rito de renascimento.
Por fim, o encantamento do Pequeno Príncipe pelas estrelas, sobretudo em sua despedida, carrega uma poderosa ideia de transcendência. No Cristianismo, as estrelas representam os justos que brilham eternamente (Daniel 12:3). No Islã, são sinais da grandeza de Allah (Alcorão 86:1-3). No Judaísmo, a Estrela de Davi é símbolo de proteção divina. No Budismo, a luz das estrelas evoca a iluminação e a libertação do ciclo do sofrimento. A promessa do Pequeno Príncipe, de que estará em uma estrela, não sugere um fim, mas uma passagem para o eterno, unindo-se ao cosmos sagrado.
Assim, O Pequeno Príncipe revela-se uma obra atemporal, em que o deserto, o poço e as estrelas são vestígios do divino, convidando o leitor a enxergar — como ensina a raposa — “com o coração”. O sagrado, em suas múltiplas formas, habita essa narrativa encantadora, mostrando que o essencial é, verdadeiramente, invisível aos olhos.Claudio Wagner — Professor, Cientista da Religião e Historiador
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A síndrome do vira-lata e a importância de escrever na língua nativa
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Essa resenha é fruto de uma conversa que tive outro dia, na mesa de um bar bastante conhecido da nossa cidade, e que me levou a perceber, de certa forma, o quanto podemos nos decepcionar com as pessoas.
Em uma mesa próxima à minha, rolava um papo sobre descolonização. A conversa surgiu devido à indignação de uma moça que se chateou porque outra pessoa, presente no local, mencionou o Auto de Natal e, naquele momento, cantou uma música religiosa católica. Isso levou a moça a declarar que detestava pessoas colonizadas.
Eu, muito metido, disse:
— Também detesto!Então, começamos a conversar. Mas, no decorrer do diálogo, para minha surpresa, do nada, a pessoa afirmou que, para sermos respeitados, precisamos falar e escrever em inglês. Não resisti e perguntei:
— Você acabou de dizer que é contra a colonização e, ao mesmo tempo, aceita que sua própria língua seja menosprezada em relação a outras?Ela não gostou da pergunta e usou o nome de vários teóricos para se justificar, mencionando suas teorias. Respondi que fiquei decepcionado e não aceitava essa ideia de autoridade sem debate. Mas ela seguiu com seu discurso e, para minha surpresa, a pessoa que estava com ela — que, inclusive, faz parte do circuito cultural aqui do estado — disse que ela estava certa, pois a cultura europeia e a americana são o centro.
Bem, escrevo aqui meu desabafo e espero a opinião de vocês.
A Síndrome do Vira-Lata é um conceito que reflete a autoimagem negativa que muitos indivíduos ou povos têm de si mesmos, especialmente em contextos pós-coloniais. O termo, cunhado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, remete à ideia de que pessoas ou nações historicamente subjugadas tendem a se enxergar como inferiores — como “vira-latas” — em comparação com culturas dominantes, especialmente as europeias ou norte-americanas.
Essa síndrome manifesta-se na desvalorização da própria cultura, língua e tradições, em favor de uma suposta superioridade estrangeira. No Brasil, por exemplo, isso se reflete na preferência por produtos, ideias e até mesmo pela língua inglesa, vista como símbolo de status e modernidade, em detrimento do português e das expressões culturais locais.
Escrever na língua nativa é um ato de resistência e autoafirmação. A língua é um dos pilares fundamentais da identidade cultural, carregando consigo histórias, valores e visões de mundo únicas. Ao rejeitar a imposição de uma língua estrangeira como norma de excelência, reafirmamos nossa autonomia e valorizamos nossas raízes.
O português, no caso do Brasil, é um patrimônio que reflete a diversidade e a riqueza de nossa formação cultural, mesclando influências indígenas, africanas e europeias. Negar essa herança em favor de uma língua estrangeira é, de certa forma, perpetuar o colonialismo cultural que nos foi imposto.
A descolonização passa, necessariamente, pela revalorização da língua materna. Autores como Ngũgĩ wa Thiong’o, escritor queniano, defendem que a língua é um instrumento tanto de dominação quanto de libertação. Ao escrever em sua língua nativa, o autor resgata a voz de seu povo e desafia as estruturas de poder que privilegiam as línguas dos colonizadores.
No contexto brasileiro, isso significa reconhecer o português não como uma herança colonial opressora, mas como uma ferramenta de expressão e resistência, adaptada e transformada por nós ao longo dos séculos. Rejeitar a supremacia de uma língua estrangeira não significa negar a importância do diálogo com outras culturas, mas sim afirmar que nossa voz tem valor próprio.
A globalização e o domínio do inglês como língua franca muitas vezes reforçam a Síndrome do Vira-Lata, fazendo com que subestimemos nossa capacidade de produzir conhecimento e arte em nossa língua. No entanto, é justamente na diversidade linguística e cultural que reside a riqueza da humanidade.
Portanto, escrever na língua nativa é um ato político e identitário. É uma forma de combater a internalização da inferioridade e de reafirmar nossa dignidade cultural. A Síndrome do Vira-Lata só será superada quando aprendermos a nos enxergar com orgulho, valorizando nossa história, nossa língua e nossa capacidade de criar e transformar.
A descolonização começa na língua, pois é nela que reside a alma de um povo.
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Resenha crítica: A obra de Chris Cornell, um legado de paixão e profundidade
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Quando conheci a obra de Chris Cornell ele já havia se encantado e foi se juntado aos segredos minerias do silêncio que é a morte. Mas, será que um artista tão grandioso morre? Penso que eles seguem nos deixando perplexos diante da grandiosidade de suas obras. Assim sendo, quero deixar aqui minhas impressões sobre esse gênio.
Chris Cornell não foi apenas um cantor ou compositor, foi um alquimista moderno, transformando dor, angústia, amor e esperança em canções que transcendem o tempo e o espaço. Sua obra é um monumento à complexidade da alma humana, um espelho que reflete tanto a escuridão quanto a luz que habita em todos nós. Com uma voz que poderia ser um rugido ensurdecedor ou um sussurro delicado, Cornell conquistou não apenas os ouvidos, mas os corações de milhões.
Desde os tempos do Soundgarden, bandeira do movimento grunge dos anos 90, até sua carreira solo e passagem pelo Audioslave, Chris Cornell demonstrou uma versatilidade rara, que era sua capacidade de transitar entre o rock pesado e baladas introspectivas revelando um artista que não se limitava a gêneros, mas sim à expressão pura de suas emoções. Canções como “Black Hole Sun” e “Like a Stone” são exemplos perfeitos disso: a primeira, uma mistura de surrealismo e melancolia, com arranjos que parecem vir de outro mundo; a segunda, uma jornada introspectiva sobre a mortalidade e a busca por significado.
O que torna a obra de Cornell tão especial é sua autenticidade. Ele nunca teve medo de expor suas vulnerabilidades, de mergulhar nas profundezas de sua própria psique e trazer à tona sentimentos que muitos de nós sequer conseguimos nomear. Suas letras são poesia pura, cheias de imagens vívidas e metáforas que desafiam a interpretação fácil. Em “Fell on Black Days”, ele canta sobre a imprevisibilidade da vida e a sensação de ser engolido por dias sombrios, algo que todos podemos relacionar em algum momento.
Além disso, sua voz é um instrumento à parte. Com um alcance impressionante e uma capacidade única de transmitir emoção, Cornell poderia fazer uma balada soar como um grito de guerra ou uma música pesada soar como uma prece. Sua interpretação de “Nothing Compares 2 U”, originalmente de Prince, é um exemplo disso: ele transforma a canção em algo completamente seu, carregado de uma dor e uma beleza que arrepiam.
No Audioslave, Cornell encontrou uma nova forma de expressão, unindo-se a ex-membros do Rage Against the Machine para criar um som que mesclava o peso do rock com a sensibilidade de suas letras. Canções como “Show Me How to Live” e “Be Yourself” mostram um artista em constante evolução, sempre buscando novos desafios e formas de se conectar com seu público.
Sua carreira solo, por sua vez, revela um lado mais íntimo e introspectivo. Álbuns como “Euphoria Morning” e “Higher Truth” são verdadeiras joias, repletas de canções que falam de amor, perda, redenção e esperança. Em “The Keeper”, ele nos presenteia com uma balada poderosa e emocionante, que parece resumir toda a sua filosofia de vida: a de que, mesmo nas horas mais sombrias, há beleza a ser encontrada.
Chris Cornell nos deixou fisicamente em 2017, mas sua obra permanece viva, pulsante e necessária. Em um mundo cada vez mais superficial, sua música nos lembra da importância de olhar para dentro, de enfrentar nossos demônios e de encontrar beleza mesmo na dor. Ele foi, e sempre será, um dos maiores gênios da música moderna, um artista que soube transformar sua própria humanidade em arte.
Seu legado é um presente para as gerações presentes e futuras, um lembrete de que a música pode ser muito mais que entretenimento: pode ser um refúgio, um abraço, um grito de liberdade. Chris Cornell, genial e eterno, vive em cada nota, cada verso, cada coração que ele tocou. E, enquanto sua música ecoar, ele nunca estará realmente ausente.
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Sugar Baby: Os Perigos da Imersão no Mundo Virtual
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As vezes, esse degustador de filmes e séries assiste algo e passa dias pensando se vale ou não apena escrever sobre e trazer aqui para sua leitura. Isso acontece porque escrevo desenjando que assista o filme e veja se compartilha das mesmas impressões que passo no texto. Mas, no caso desse filme escrevi assim que terminei de assistir, agora apresento a resenha para seu deleite.
O filme “Sugar Baby” (2021), dirigido por Mélissa Larivière, é uma reflexão perturbadora e atual sobre os perigos de viver imerso no mundo virtual. A trama acompanha a jovem Emma, interpretada por Noémie O’Farrell, que, em busca de validação e conexão, mergulha em um relacionamento virtual com um homem mais velho, explorando as dinâmicas de poder e as ilusões criadas pelas redes sociais e plataformas digitais. O filme não apenas retrata a busca por afeto em um ambiente digital, mas também expõe as armadilhas psicológicas e emocionais que surgem quando a vida real é substituída por uma realidade virtual.
Um dos pontos fortes do filme é a maneira como ele aborda a solidão contemporânea. Emma, uma jovem introvertida e insegura, encontra no mundo virtual um refúgio onde pode reinventar-se e sentir-se desejada. No entanto, essa fuga rapidamente se transforma em uma prisão, onde as fronteiras entre o real e o virtual se confundem.
A direção de Larivière é eficaz ao usar planos fechados e cores frias para transmitir o isolamento da protagonista, enquanto as cenas nas redes sociais são saturadas e brilhantes, simbolizando a falsa promessa de felicidade que o mundo digital oferece.
A crítica ao consumismo e à objetificação do corpo feminino também é central na narrativa. Emma, ao se envolver em um relacionamento de “sugar baby”, acaba sendo reduzida a um produto, negociando sua imagem e afeto em troca de atenção e presentes. O filme questiona até que ponto as plataformas digitais, ao incentivarem a exibição constante da vida privada, contribuem para essa mercantilização das relações humanas. A personagem de Emma torna-se um símbolo da geração que cresceu sob a influência das redes sociais, onde a autoestima é frequentemente medida por likes e seguidores.
No entanto, o filme peca em alguns momentos por sua abordagem superficial de temas complexos. A relação entre Emma e seu “sugar daddy” poderia ter sido explorada com maior profundidade, especialmente no que diz respeito às motivações psicológicas de ambos. Além disso, o final, embora impactante, parece apressado e deixa questões importantes sem resposta, como o impacto a longo prazo dessa experiência na vida da protagonista.
Apesar dessas falhas, “Sugar Baby” é um alerta necessário sobre os perigos de viver imerso no mundo virtual. O filme nos lembra que, embora a internet possa oferecer conexões instantâneas e uma sensação de pertencimento, ela também pode ser um espaço de alienação e exploração. Em uma era em que a vida online muitas vezes substitui a vida real, “Sugar Baby” serve como um espelho perturbador de nossas próprias vulnerabilidades e da facilidade com que podemos nos perder na ilusão do mundo digital.
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Ponte para Terabítia e a Importância de Sonhar
Esse degustador de filmes e séries traz para você mais uma resenha da hora! Desta vez, quero escrever sobre um filme que já assisti inúmeras vezes e sempre fico emocionado com a mensagens que ele transmite. Me pego pensando sobre como tantas crianças e jovens, nativos das redes sócias, jamais viveram aventuras experimentadas pelas crianças do filme.
Ponte para Terabítia, (2007), dirigido por Gábor Csupó é baseado no livro homônimo de Katherine Paterson, é um filme que transcende a simples classificação de “história infantil”. Ele aborda temas profundos como amizade, perda, superação e, principalmente, a importância de sonhar. A narrativa acompanha Jess Aarons (Josh Hutcherson), um garoto solitário e criativo que vive em um ambiente familiar difícil, e Leslie Burke (AnnaSophia Robb), sua nova vizinha e colega de escola, que traz consigo uma imaginação vibrante e uma perspectiva de vida transformadora.
O filme começa apresentando Jess como um menino introspectivo, que encontra refúgio em seus desenhos e na corrida, sua única forma de se destacar. No entanto, é a chegada de Leslie que abre as portas para um mundo de possibilidades. Juntos, eles criam Terabítia, um reino imaginário onde são rei e rainha, livres das limitações do mundo real. Esse espaço mágico simboliza o poder dos sonhos e da imaginação como ferramentas para enfrentar a realidade, muitas vezes dura e desencorajadora.
A relação entre Jess e Leslie é o coração do filme. Leslie ensina Jess a sonhar mais alto, a ver beleza onde antes só havia monotonia, e a enfrentar seus medos. Ela representa a força transformadora da amizade e da criatividade, mostrando como os sonhos podem nos libertar das amarras da vida cotidiana. No entanto, o filme também não tem medo de abordar a dor e a perda, elementos que fazem parte da jornada de crescimento de Jess. A tragédia que ocorre no enredo serve como um lembrete de que, mesmo diante da dor, os sonhos e as memórias podem nos sustentar.
A mensagem central de “Ponte para Terabítia” é clara: sonhar não é um escape da realidade, mas uma forma de enriquecê-la. Através da imaginação, Jess e Leslie encontram coragem para enfrentar desafios, sejam eles bullying na escola ou conflitos familiares. O filme nos convida a refletir sobre como os sonhos podem nos ajudar a construir pontes entre o que somos e o que desejamos ser, mesmo quando o caminho parece impossível.
A direção de Csupó equilibra com sensibilidade o realismo e o fantástico, enquanto a trilha sonora e a fotografia reforçam a atmosfera mágica e emocional da história. As atuações de Hutcherson e Robb são cativantes, transmitindo a inocência e a profundidade de seus personagens.
Em suma, “Ponte para Terabítia” é uma obra que celebra a importância de sonhar, não como uma fuga, mas como uma ferramenta de transformação pessoal. Nos lembra que, mesmo nos momentos mais sombrios, a imaginação pode ser uma luz guia, ajudando-nos a encontrar significado e esperança.
Crônicas
Professor, cientista da religião, historiador e poeta, autor do livro Entre a Sombra da Razão e Razão da Sombra, CJA-2016.
Fisioterapeuta e proprietária da Reviva Studio Pilates. Pós graduada em Traumato-Ortopedia e Terapia Manual, especializada em Pilates.

Médico, filósofo, poeta e professor universitário.

Chef Executivo do Hotel Senac Barreira Roxa, com MBA em Consultoria ambiental e Empresarial em eventos exclusivos.
Médica ginecologista, especialista em reprodução humana, mestre em medicina e doutora em tecnologia de medicamentos.
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Professor, cientista da religião, historiador e poeta, autor do livro Entre a Sombra da Razão e Razão da Sombra, CJA-2016.
Fisioterapeuta e proprietária da Reviva Studio Pilates. Pós graduada em Traumato-Ortopedia e Terapia Manual, especializada em Pilates.

Médico, filósofo, poeta e professor universitário.
Jornalista e doutor em Ciências Políticas. Diretor de redação de O Potengi.

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Chef Executivo do Hotel Senac Barreira Roxa, com MBA em Consultoria ambiental e Empresarial em eventos exclusivos.
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Médica ginecologista, especialista em reprodução humana, mestre em medicina e doutora em tecnologia de medicamentos.
Bacharel em Direito, fundador do Instituto IAPHACC e membro do Instituto INSPIRA.
Médica ginecologista, especialista em reprodução humana, mestre em medicina e doutora em tecnologia de medicamentos.
Jornalista, pesquisadora na área jornalismo e novas mídias. Editora de Cidades de O Potengi.
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O Amor Enjaulado: A Hipocrisia Social em “O Segredo de Brokeback Mountain”
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O Segredo de Brokeback Mountain (2005), dirigido por Ang Lee, não é apenas um romance trágico. É um espelho implacável da hipocrisia social diante da natureza do amor. O filme retrata a intensa e proibida relação entre Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal), dois cowboys que se apaixonam nas montanhas de Wyoming, na década de 1960. O que poderia ser uma celebração do amor em sua forma mais pura e avassaladora acaba sendo sufocado por uma teia de normas rígidas, preconceito e medo, revelando a profunda desconexão entre o discurso social sobre o amor e a realidade de sua aceitação.
Desde o primeiro olhar trocado em Brokeback Mountain, o amor entre Ennis e Jack é visceral, incontestável. Mas, desde o início, é obrigado a existir na clandestinidade, não por vergonha do sentimento em si, mas pelo terror das possíveis represálias sociais. A sociedade de meados do século XX – e, em muitos aspectos, ainda a de hoje — prega um amor idealizado, romântico, heteronormativo e rigidamente confinado a estruturas tradicionais. Celebra-se o amor em músicas, filmes e literatura, desde que ele se encaixe nas caixas previamente estabelecidas. Qualquer desvio desse modelo é rotulado como “anormal”, “pecaminoso” ou “perverso”, tornando-se alvo de estigmatização, violência e ostracismo.
A hipocrisia social se materializa na forma como Ennis e Jack são forçados a viver vidas duplas. Ennis, sobretudo, é paralisado por um medo visceral de ser descoberto, medo alimentado desde a infância por histórias de brutalidade contra pessoas que ousaram viver seu amor fora das normas. Na tentativa de se adequar, ele casa-se com Alma (Michelle Williams) e constrói uma família, vivendo uma existência marcada pela repressão, pelo silêncio e pela infelicidade latente. Sua rigidez emocional e sua incapacidade de abraçar plenamente o amor por Jack são retratos dolorosos da opressão imposta pelas expectativas sociais. Uma sociedade que, paradoxalmente, enaltece a família e o amor, mas falha miseravelmente em criar espaço para que o amor, em todas as suas formas, floresça sem medo.
Jack, por outro lado, é mais ousado em sua busca por felicidade. Sonha com uma vida onde ele e Ennis possam viver juntos, livres da vigilância social. Mas seu desejo esbarra constantemente nas barreiras erguidas pelo medo, pela intolerância e pelos traumas de Ennis. A tragédia do filme se instala exatamente aí: na impossibilidade de concretizar um amor que, para Jack, é tão essencial quanto o próprio ar. A sociedade, enquanto exalta o “amor verdadeiro”, condena implacavelmente aquele que não cabe em suas definições estreitas, roubando das pessoas sua plenitude afetiva, emocional e existencial.
As famílias que ambos constroem, embora aparentemente convencionais, são sustentadas sobre o frágil alicerce da dissimulação. Alma, ao perceber a verdade sobre Ennis e Jack, carrega em silêncio o peso da dor e da traição, mostrando como a opressão de uns reverbera no sofrimento de outros. As mentiras e os segredos corroem os relacionamentos, gerando frustração, ressentimento e solidão. A mesma sociedade que exige conformidade é aquela que, cruelmente, condena seus membros à incompletude e ao sofrimento, tudo em nome de uma moralidade hipócrita e muitas vezes infundada.
O destino de Jack, sugerido como fruto da violência homofóbica, é o ápice dessa hipocrisia social. A sociedade que condena o amor entre dois homens é a mesma que, através do ódio e da ignorância, produz sua destruição. O Segredo de Brokeback Mountain escancara uma verdade dolorosa: o amor, em sua essência mais pura e desprovida de preconceitos, frequentemente se mostra muito mais evoluído que a sociedade que o abriga. O filme é, ao mesmo tempo, um grito sufocado contra a tirania da conformidade, um lamento pelos amores que nunca puderam ser plenamente vividos, e uma denúncia poderosa da hipocrisia social que prega o amor, mas teme sua real e diversa natureza.
É, sobretudo, uma obra atemporal que nos lembra que a liberdade de amar é a mais fundamental de todas as liberdades e que sua negação é uma tragédia de proporções humanas e históricas.
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A trágica sombra do espetáculo e dos jogos de beleza nas redes sociais
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A sociedade contemporânea, imersa no espetáculo das redes sociais e nos incessantes jogos de beleza e felicidade digital, parece ter se esquecido de uma verdade fundamental e historicamente enraizada: a vida possui um lado trágico. Nesse palco virtual de sorrisos incessantes, corpos perfeitos e narrativas impecáveis, a complexidade inerente à existência humana é frequentemente diluída, mascarada por uma busca constante por uma felicidade fabricada. Essa recusa em reconhecer a dimensão sombria da vida não é apenas uma distorção da realidade, mas uma negação de séculos de pensamento filosófico e da própria experiência humana.
Desde a Grécia Antiga, com suas tragédias que exploravam os dilemas humanos e a inevitabilidade do sofrimento, até os existencialistas do século XX, que enfrentaram a angústia e o absurdo da existência, a filosofia sempre nos lembrou que a vida não é uma linha reta de contentamento. A tristeza, a perda, o fracasso e a dor não são meras interrupções indesejadas, mas elementos intrínsecos à jornada humana. No entanto, o universo das redes sociais, com seus algoritmos que privilegiam o positivo e o visualmente atraente, cria uma bolha onde a vulnerabilidade e a imperfeição são quase banidas, transformando a vida em uma sucessão de momentos editados e filtrados.
Esse espetáculo da felicidade constante fomenta uma pressão esmagadora para que todos se conformem a um ideal inatingível. A busca por validação externa, expressa em curtidas e comentários, transforma a existência em uma performance, onde a autenticidade é sacrificada em nome da aprovação. A comparação incessante com vidas aparentemente perfeitas gera ansiedade, inveja e uma sensação de inadequação, minando a saúde mental e o bem-estar genuíno. Em vez de nos preparar para os inevitáveis reveses, essa cultura do espetáculo nos torna mais frágeis, menos aptos a lidar com as adversidades quando elas inevitavelmente surgem.
A história nos ensina que grandes avanços e compreensões profundas muitas vezes emergem da superação de dificuldades. Resiliência, empatia e sabedoria são forjadas nas crises — não na ausência delas. Ao relegar o sofrimento ao ostracismo, a sociedade do espetáculo nos priva da oportunidade de crescer através da dor, de aprender com os erros e de valorizar ainda mais os momentos de alegria. A vida, em sua plenitude, é um tecido complexo no qual felicidade e tristeza se entrelaçam e se complementam. Uma não pode existir de forma significativa sem a outra.
Perspectivas de historiadores, filósofos, psicólogos e psiquiatras em relação à compreensão da tragédia como parte intrínseca da condição humana não são novas, mas uma reflexão recorrente em diversas áreas do conhecimento:
Historiadores: A própria história é testemunha da natureza cíclica da tragédia. Como Karl Marx observou, a história pode se repetir, primeiro como tragédia e depois como farsa, indicando que eventos dolorosos são uma constante na trajetória humana. Historiadores como Eric Hobsbawm e Marc Bloch, ao analisarem grandes conflitos e catástrofes, não apenas narram os fatos, mas também revelam a dimensão trágica das escolhas humanas e das forças históricas que moldam o destino de sociedades inteiras.
Filósofos: Desde Aristóteles, que em sua Poética descreveu a catarse como purificação por meio da piedade e do terror gerados pela tragédia, o sofrimento é tema central na filosofia. Friedrich Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia, defendeu que a arte — especialmente a tragédia dionisíaca — é essencial para afirmar a vida em toda a sua dor e beleza, transcendendo o pessimismo e aceitando o “sim” à existência mesmo com suas durezas. Mais tarde, pensadores existencialistas como Albert Camus e Jean-Paul Sartre exploraram a angústia e o absurdo da condição humana, enfatizando que a liberdade individual exige a responsabilidade de criar sentido num mundo essencialmente desprovido dele.
Psicólogos e psiquiatras: A psicologia e a psiquiatria modernas reconhecem a tristeza e a imperfeição como componentes vitais da saúde mental. Carl Jung, por exemplo, em sua teoria da individuação, destacou que a plenitude da vida requer o equilíbrio entre sofrimento e alegria, e que a negação de qualquer um desses polos leva ao desequilíbrio psíquico. Na psicanálise, Sigmund Freud abordou o “mal-estar na civilização”, argumentando que o sofrimento é inevitável nas relações entre os desejos individuais e as demandas sociais. Psicólogos contemporâneos, como Brené Brown, reforçam a importância da vulnerabilidade e da aceitação da imperfeição como chaves para uma vida autêntica e conectada.
Em suma, a tentativa de construir uma realidade de felicidade ininterrupta nas redes sociais é uma fuga da complexidade da existência humana. A história, a filosofia e as ciências da mente nos lembram que a vida é um emaranhado de alegrias e tristezas, triunfos e tragédias. Aceitar essa dualidade não é sinal de fraqueza, mas sim de força — permitindo-nos viver com mais profundidade, empatia e resiliência.
Como podemos, individual e coletivamente, cultivar uma cultura que celebre a autenticidade e a capacidade de enfrentar a tragédia, em vez de mascará-la?
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A ILUSÃO DO DINHEIRO FÁCIL E A DESINFORMAÇÃO JUVENIL: um alerta necessário
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Nos últimos anos, tornou-se cada vez mais comum ouvir jovens afirmando que trabalhar com carteira assinada é “coisa de fracassado” ou que “CLT é perda de tempo”. Paralelamente, cresce o número de adolescentes que desejam ser influenciadores digitais ou jogadores profissionais como forma de alcançar fama e riqueza rapidamente. Esse fenômeno, que poderia parecer apenas uma tendência inofensiva, revela uma crise mais profunda: a desinformação juvenil em relação ao mundo do trabalho e à construção da vida adulta.
Criada em 1943 por Getúlio Vargas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) garantiu direitos fundamentais aos trabalhadores brasileiros — como férias remuneradas, 13º salário, licença-maternidade e aposentadoria. No entanto, essas conquistas históricas têm sido ignoradas por parte da nova geração, que muitas vezes sequer entende o que significa esse regime. O desprezo pela CLT não se dá por experiência própria, mas por discursos distorcidos disseminados nas redes sociais e por influenciadores que pregam o sucesso instantâneo e sem esforço.
O fascínio pelo “dinheiro fácil” ganhou força com a popularização de plataformas como TikTok, YouTube e Instagram, onde conteúdos de ostentação, rotinas irreais e fórmulas mágicas de enriquecimento atraem milhões de visualizações. Jovens passam horas consumindo esse tipo de material, muitas vezes sem qualquer orientação dos pais ou da escola. Isso tem impactos diretos sobre seus valores, aspirações e até comportamento. Relatos de alunos que sonham ser “ricos do TikTok” ou “jogadores de Free Fire” em vez de buscarem formação profissional são cada vez mais frequentes nas salas de aula.
É importante destacar que a vida de influenciadores e gamers de sucesso é exceção, não regra. É um mercado competitivo, instável e altamente exigente. Muitos adolescentes que abandonam os estudos para seguir esse caminho acabam frustrados, emocionalmente abalados e sem qualificação para o mercado de trabalho. Enquanto isso, desprezam profissões legítimas que exigem esforço, disciplina e estudo — pilares essenciais para qualquer trajetória sólida.
Essa realidade é agravada pela ausência de acompanhamento familiar. Muitos pais entregam celulares e tablets a crianças de 4 ou 5 anos, sem monitoramento. Em casos mais extremos, como o de uma menina de 12 anos que começou a furtar dinheiro para “viralizar” no Instagram, vemos o impacto direto da influência digital mal orientada: prejuízo escolar, conflitos familiares e danos emocionais.
Diante disso, é urgente resgatar o valor do diálogo dentro de casa e nas escolas. Educar não é apenas oferecer estrutura material, mas também preparar os jovens para entender o que é trabalho, responsabilidade e independência financeira. Trabalhar com carteira assinada não é um fracasso — é um passo legítimo e digno na construção de uma carreira. Muitos profissionais bem-sucedidos começaram como estagiários, auxiliares ou vendedores e cresceram por mérito próprio.
Não se trata de demonizar o universo digital. Ele, de fato, oferece oportunidades e pode ser uma ferramenta poderosa de aprendizado e crescimento. O problema está em consumi-lo sem filtro, sem senso crítico e sem orientação. Quando isso acontece, os riscos se tornam maiores que os benefícios.
Por isso, pais, educadores e a sociedade como um todo têm o dever de orientar, informar e mostrar aos jovens que a verdadeira liberdade vem do conhecimento, do trabalho honesto e do amadurecimento — não de curtidas passageiras e fama ilusória. O futuro não se constrói com atalhos, mas com escolhas conscientes.
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DOIS PAPAS: a humanidade de Francisco e o diálogo como elo
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O filme “Dois Papas”, sob a direção sensível de Fernando Meirelles e com atuações magistrais de Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, transcende a mera dramatização da transição papal entre Bento XVI e Francisco. A produção da Netflix, lançada em 2019, configura-se como uma obra cinematográfica profundamente humana, espiritualmente provocadora e tocante, ao abordar temas como perdão, mudança e o poder inerente ao diálogo. A narrativa habilmente entrelaça a história de dois homens, de perspectivas aparentemente antagônicas — um conservador e introspectivo, o outro progressista e expansivo —, revelando como o encontro improvável entre eles reconfigurou os rumos da Igreja Católica e reverberou no mundo.
Embora tenha apreciado “Dois Papas” desde seu lançamento na Netflix, confesso que, inicialmente, não vislumbrava escrever sobre ele. Contudo, a partida do humanista Papa Francisco e o instigante desafio proposto pelo meu amigo Gesaias Ciriaco motivaram-me a revisitar a obra. Compartilho, agora, minhas reflexões sobre o filme e sobre a figura singular de Francisco. Boa leitura!
A interpretação de Jonathan Pryce como o então cardeal Jorge Mario Bergoglio é notável. Sua caracterização vai além da semelhança física, capturando a essência da humildade, do senso de humor e da profunda empatia que marcaram o pontificado de Francisco. O filme pinta o retrato de um homem que reconhece suas falhas, mas que é impulsionado por um desejo genuíno de servir ao próximo. É nessa representação que começamos a compreender a verdadeira dimensão de quem foi Papa Francisco: um pastor dedicado ao seu povo, um homem que trilhou o caminho dos pobres, que deu voz aos marginalizados e que preferiu a simplicidade das periferias ao esplendor do Vaticano.
Francisco não foi apenas o primeiro papa jesuíta e o primeiro latino-americano; ele personificou um símbolo de renovação espiritual e institucional. Sua trajetória, desde as dolorosas experiências da ditadura militar e as contradições internas da Igreja em Buenos Aires até o centro do catolicismo em Roma, foi pautada por uma busca incessante por coerência e amor ao próximo. Sua capacidade de reconhecer e integrar suas próprias sombras e erros, habilmente explorada em flashbacks no filme, apenas o tornou mais humano e acessível.
O legado de Francisco irradia para além das fronteiras do catolicismo. Ele estendeu a mão a irmãos de outras crenças, protagonizando gestos históricos e corajosos, como seus encontros fraternos com líderes muçulmanos, judeus, budistas e hinduístas. Mais significativo ainda: foi um papa que jamais se distanciou dos não crentes. Em suas palavras e ações, evidenciou que a dignidade humana transcende qualquer rótulo religioso. Ele enxergou, nos ateus, nos agnósticos e nos que duvidam, uma busca intrínseca por verdade e justiça, tão sagrada quanto a dos próprios fiéis. Para Francisco, o cerne de tudo residia no amor concreto ao outro, na justiça social, na promoção da paz e no zelo pelo planeta. Ao assistir “Dois Papas”, somos lembrados de que a verdadeira liderança emana da escuta, não da imposição. Francisco escutava atentamente: o clamor do povo, os lamentos da Terra, os gritos silenciosos das vítimas de abuso, os anseios da juventude e a descrença daqueles que perderam a fé.
Sua humanidade era desarmante em sua simplicidade. Utilizava o transporte público, rejeitava a ostentação dos palácios, solicitava orações e não hesitava em expressar sua emoção em público. Era um homem que elevou a ternura à condição de resistência.
Sua partida, hoje lamentada por incontáveis pessoas, deixa um vácuo profundo. Não apenas na Cátedra de Pedro, mas no coração de uma humanidade sedenta por líderes que priorizem a compaixão em detrimento do poder, a escuta em vez do discurso unilateral. Francisco não era isento de falhas, e talvez seja essa a razão pela qual tantos o admiravam: sua natureza genuína, feita de carne e osso, como a de todos nós. Contudo, sua alma irradiava um brilho singular — o de alguém que acreditava fervorosamente que a Igreja deveria ser um hospital de campanha, acolhedor e curativo, e não uma fortaleza de julgamento. “Dois Papas” revela-se, portanto, como algo muito além de um filme sobre uma sucessão papal. É um convite pungente à reflexão sobre o potencial transformador do diálogo e sobre a capacidade de figuras inspiradoras reacenderem a esperança, mesmo em tempos sombrios. Francisco foi, inegavelmente, uma dessas figuras. E sua memória perdurará como uma semente fecunda — nas palavras que proferiu, nos gestos que praticou e nos corações que tocou.
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O Sonho de um Homem Ridículo, de Fiódor Dostoiévski
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Algumas leituras parecem nos colocar frente a frente com o autor, como se ele falasse diretamente conosco, convidando-nos a refletir sobre o que somos, nossas atitudes, nossas escolhas e como nos vemos enquanto indivíduos. Ao ler esse conto, vivi essa experiência.
O Sonho de um Homem Ridículo é uma das obras mais profundas e simbólicas de Fiódor Dostoiévski. Publicado em 1877, o conto acompanha a trajetória psicológica e existencial de um homem que se julga insignificante e desajustado, alguém que já não encontra sentido na vida e decide cometer suicídio. A narrativa mergulha em uma análise existencial sobre a vida, a verdade, a culpa e, principalmente, sobre a natureza humana.
O protagonista inicia a história em um estado de completa apatia. Ele se vê como ridículo, sem valor, e acredita que nada mais importa no mundo. Sua decisão de se matar é tomada sem drama, com uma frieza quase assustadora. No entanto, antes de executar o ato, ele adormece e sonha — um sonho que muda completamente sua visão de mundo.
Nesse sonho, ele é transportado para um planeta idêntico à Terra, mas habitado por pessoas puras, sem egoísmo, sem mentiras, sem orgulho. Uma humanidade ideal, sem corrupção e sem maldade. Ele é recebido com amor e respeito, como se fosse um irmão perdido. Contudo, mesmo nesse paraíso, o protagonista carrega consigo os vícios do seu antigo mundo. Aos poucos, sua presença contamina aquele povo: ele ensina a mentira, o egoísmo, o desejo de poder. Em pouco tempo, aquele mundo perfeito transforma-se em um reflexo da Terra que ele conhecia — marcada pela violência, vaidade e hipocrisia.
Esse momento de profunda consciência é o ponto de virada da narrativa. Ele desperta do sonho transtornado, mas transformado. Percebe que o mal que destruiu aquele mundo puro foi trazido por ele — por um ser humano comum, falho e imperfeito. E é justamente aí que se encontra uma das grandes lições do conto: a responsabilidade pessoal e coletiva na construção ou destruição da realidade à nossa volta.
Dostoiévski, por meio desse conto, nos confronta com a verdade de que não somos heróis, nem deuses, nem vítimas puras. Somos humanos — erramos, mentimos, magoamos, mesmo quando acreditamos estar certos. O “homem ridículo” é, na verdade, uma metáfora de todos nós. Muitas vezes, nos colocamos em posições de superioridade moral, julgamos os outros sem olhar para dentro de nós mesmos. Ignoramos nossas próprias falhas, esquecendo que também somos orgulhosos, vaidosos, invejosos e egoístas.
Ao reconhecer sua culpa e sua influência negativa, o protagonista escolhe viver — não para se esconder, mas para mudar. Ele assume a missão de transmitir a verdade que viu, mesmo que o tomem por louco. Essa decisão simboliza o poder da humildade: ele não busca glória nem redenção, mas a chance de contribuir para um mundo melhor, começando por si mesmo.
A ressignificação da vida por meio do autoconhecimento é uma das mensagens mais potentes do conto. O sonho do protagonista é, na verdade, um mergulho em sua própria alma. E, ao encarar suas falhas, ele compreende que mudar o mundo exige, antes de tudo, mudar a si mesmo. Isso vale para todos nós. Em tempos de discursos inflados e julgamentos constantes, lembrar que também erramos, que também somos falhos, é um ato de coragem e maturidade.
Dostoiévski nos mostra que é possível encontrar redenção e sentido mesmo após as piores quedas. O importante é ter a humildade de reconhecer nossas limitações e a responsabilidade de fazer escolhas mais conscientes. O verdadeiro perigo não está em ser ridículo, mas em não perceber que também contribuímos, com nossas atitudes, para a construção de um mundo doente. A transformação começa no íntimo de cada um.
Assim, O Sonho de um Homem Ridículo é mais do que um conto filosófico: é um espelho da condição humana. E nos convida, com delicadeza e firmeza, a deixar de lado o orgulho, a autossuficiência e a pretensão de estarmos sempre certos. Porque o verdadeiro despertar acontece quando deixamos de buscar culpados e passamos a agir com amor, consciência e humildade.
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O Sagrado em O Pequeno Príncipe – Uma Jornada Espiritual
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Em 2009, concluí o curso de Ciência da Religião pela UERN. O tema da minha monografia foi “O Sagrado na Obra O Pequeno Príncipe”. Com o passar do tempo, já distante da conclusão da graduação, decidi revisitar esse tema, agora em forma de uma breve resenha, que compartilho com vocês, na esperança de que apreciem a leitura.
O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, é uma obra repleta de simbolismos que transcendem o campo literário, revelando traços do sagrado presentes em diversas tradições religiosas. O deserto, o poço e o encantamento do protagonista pelas estrelas são elementos que dialogam com o Budismo, o Cristianismo, o Islã e o Judaísmo, tecendo uma narrativa que celebra o invisível e o transcendente.
O deserto, espaço de solidão e encontro consigo mesmo, remete às provações espirituais. No Cristianismo, evoca o êxodo de Moisés e o jejum de Jesus, momentos de purificação e preparação espiritual. No Islã, o deserto é o lugar da revelação a Maomé. No Judaísmo, simboliza o caminho rumo à Terra Prometida. Já no Budismo, representa o vazio necessário à iluminação, como na meditação de Buda. Assim, quando o Pequeno Príncipe se encontra perdido no deserto, ele, como os místicos de todas essas tradições, descobre ali a essência da vida, no silêncio e na simplicidade.
O poço, que surge como um milagre em meio ao árido cenário, simboliza vida e sabedoria. No Cristianismo, remete ao poço de Jacó, onde Jesus oferece a “água viva” (João 4:14). No Islã, a água é um dom divino, como o poço de Zamzam, fonte sagrada de Meca. No Judaísmo, os poços são lugares de encontro e revelação, como no episódio de Rebeca e Isaac. Para o Budismo, a água pura simboliza a claridade mental. Quando o Pequeno Príncipe bebe do poço, não sacia apenas a sede física, mas também a sede espiritual, num verdadeiro rito de renascimento.
Por fim, o encantamento do Pequeno Príncipe pelas estrelas, sobretudo em sua despedida, carrega uma poderosa ideia de transcendência. No Cristianismo, as estrelas representam os justos que brilham eternamente (Daniel 12:3). No Islã, são sinais da grandeza de Allah (Alcorão 86:1-3). No Judaísmo, a Estrela de Davi é símbolo de proteção divina. No Budismo, a luz das estrelas evoca a iluminação e a libertação do ciclo do sofrimento. A promessa do Pequeno Príncipe, de que estará em uma estrela, não sugere um fim, mas uma passagem para o eterno, unindo-se ao cosmos sagrado.
Assim, O Pequeno Príncipe revela-se uma obra atemporal, em que o deserto, o poço e as estrelas são vestígios do divino, convidando o leitor a enxergar — como ensina a raposa — “com o coração”. O sagrado, em suas múltiplas formas, habita essa narrativa encantadora, mostrando que o essencial é, verdadeiramente, invisível aos olhos.Claudio Wagner — Professor, Cientista da Religião e Historiador
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A síndrome do vira-lata e a importância de escrever na língua nativa
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Essa resenha é fruto de uma conversa que tive outro dia, na mesa de um bar bastante conhecido da nossa cidade, e que me levou a perceber, de certa forma, o quanto podemos nos decepcionar com as pessoas.
Em uma mesa próxima à minha, rolava um papo sobre descolonização. A conversa surgiu devido à indignação de uma moça que se chateou porque outra pessoa, presente no local, mencionou o Auto de Natal e, naquele momento, cantou uma música religiosa católica. Isso levou a moça a declarar que detestava pessoas colonizadas.
Eu, muito metido, disse:
— Também detesto!Então, começamos a conversar. Mas, no decorrer do diálogo, para minha surpresa, do nada, a pessoa afirmou que, para sermos respeitados, precisamos falar e escrever em inglês. Não resisti e perguntei:
— Você acabou de dizer que é contra a colonização e, ao mesmo tempo, aceita que sua própria língua seja menosprezada em relação a outras?Ela não gostou da pergunta e usou o nome de vários teóricos para se justificar, mencionando suas teorias. Respondi que fiquei decepcionado e não aceitava essa ideia de autoridade sem debate. Mas ela seguiu com seu discurso e, para minha surpresa, a pessoa que estava com ela — que, inclusive, faz parte do circuito cultural aqui do estado — disse que ela estava certa, pois a cultura europeia e a americana são o centro.
Bem, escrevo aqui meu desabafo e espero a opinião de vocês.
A Síndrome do Vira-Lata é um conceito que reflete a autoimagem negativa que muitos indivíduos ou povos têm de si mesmos, especialmente em contextos pós-coloniais. O termo, cunhado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, remete à ideia de que pessoas ou nações historicamente subjugadas tendem a se enxergar como inferiores — como “vira-latas” — em comparação com culturas dominantes, especialmente as europeias ou norte-americanas.
Essa síndrome manifesta-se na desvalorização da própria cultura, língua e tradições, em favor de uma suposta superioridade estrangeira. No Brasil, por exemplo, isso se reflete na preferência por produtos, ideias e até mesmo pela língua inglesa, vista como símbolo de status e modernidade, em detrimento do português e das expressões culturais locais.
Escrever na língua nativa é um ato de resistência e autoafirmação. A língua é um dos pilares fundamentais da identidade cultural, carregando consigo histórias, valores e visões de mundo únicas. Ao rejeitar a imposição de uma língua estrangeira como norma de excelência, reafirmamos nossa autonomia e valorizamos nossas raízes.
O português, no caso do Brasil, é um patrimônio que reflete a diversidade e a riqueza de nossa formação cultural, mesclando influências indígenas, africanas e europeias. Negar essa herança em favor de uma língua estrangeira é, de certa forma, perpetuar o colonialismo cultural que nos foi imposto.
A descolonização passa, necessariamente, pela revalorização da língua materna. Autores como Ngũgĩ wa Thiong’o, escritor queniano, defendem que a língua é um instrumento tanto de dominação quanto de libertação. Ao escrever em sua língua nativa, o autor resgata a voz de seu povo e desafia as estruturas de poder que privilegiam as línguas dos colonizadores.
No contexto brasileiro, isso significa reconhecer o português não como uma herança colonial opressora, mas como uma ferramenta de expressão e resistência, adaptada e transformada por nós ao longo dos séculos. Rejeitar a supremacia de uma língua estrangeira não significa negar a importância do diálogo com outras culturas, mas sim afirmar que nossa voz tem valor próprio.
A globalização e o domínio do inglês como língua franca muitas vezes reforçam a Síndrome do Vira-Lata, fazendo com que subestimemos nossa capacidade de produzir conhecimento e arte em nossa língua. No entanto, é justamente na diversidade linguística e cultural que reside a riqueza da humanidade.
Portanto, escrever na língua nativa é um ato político e identitário. É uma forma de combater a internalização da inferioridade e de reafirmar nossa dignidade cultural. A Síndrome do Vira-Lata só será superada quando aprendermos a nos enxergar com orgulho, valorizando nossa história, nossa língua e nossa capacidade de criar e transformar.
A descolonização começa na língua, pois é nela que reside a alma de um povo.
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Resenha crítica: A obra de Chris Cornell, um legado de paixão e profundidade
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Quando conheci a obra de Chris Cornell ele já havia se encantado e foi se juntado aos segredos minerias do silêncio que é a morte. Mas, será que um artista tão grandioso morre? Penso que eles seguem nos deixando perplexos diante da grandiosidade de suas obras. Assim sendo, quero deixar aqui minhas impressões sobre esse gênio.
Chris Cornell não foi apenas um cantor ou compositor, foi um alquimista moderno, transformando dor, angústia, amor e esperança em canções que transcendem o tempo e o espaço. Sua obra é um monumento à complexidade da alma humana, um espelho que reflete tanto a escuridão quanto a luz que habita em todos nós. Com uma voz que poderia ser um rugido ensurdecedor ou um sussurro delicado, Cornell conquistou não apenas os ouvidos, mas os corações de milhões.
Desde os tempos do Soundgarden, bandeira do movimento grunge dos anos 90, até sua carreira solo e passagem pelo Audioslave, Chris Cornell demonstrou uma versatilidade rara, que era sua capacidade de transitar entre o rock pesado e baladas introspectivas revelando um artista que não se limitava a gêneros, mas sim à expressão pura de suas emoções. Canções como “Black Hole Sun” e “Like a Stone” são exemplos perfeitos disso: a primeira, uma mistura de surrealismo e melancolia, com arranjos que parecem vir de outro mundo; a segunda, uma jornada introspectiva sobre a mortalidade e a busca por significado.
O que torna a obra de Cornell tão especial é sua autenticidade. Ele nunca teve medo de expor suas vulnerabilidades, de mergulhar nas profundezas de sua própria psique e trazer à tona sentimentos que muitos de nós sequer conseguimos nomear. Suas letras são poesia pura, cheias de imagens vívidas e metáforas que desafiam a interpretação fácil. Em “Fell on Black Days”, ele canta sobre a imprevisibilidade da vida e a sensação de ser engolido por dias sombrios, algo que todos podemos relacionar em algum momento.
Além disso, sua voz é um instrumento à parte. Com um alcance impressionante e uma capacidade única de transmitir emoção, Cornell poderia fazer uma balada soar como um grito de guerra ou uma música pesada soar como uma prece. Sua interpretação de “Nothing Compares 2 U”, originalmente de Prince, é um exemplo disso: ele transforma a canção em algo completamente seu, carregado de uma dor e uma beleza que arrepiam.
No Audioslave, Cornell encontrou uma nova forma de expressão, unindo-se a ex-membros do Rage Against the Machine para criar um som que mesclava o peso do rock com a sensibilidade de suas letras. Canções como “Show Me How to Live” e “Be Yourself” mostram um artista em constante evolução, sempre buscando novos desafios e formas de se conectar com seu público.
Sua carreira solo, por sua vez, revela um lado mais íntimo e introspectivo. Álbuns como “Euphoria Morning” e “Higher Truth” são verdadeiras joias, repletas de canções que falam de amor, perda, redenção e esperança. Em “The Keeper”, ele nos presenteia com uma balada poderosa e emocionante, que parece resumir toda a sua filosofia de vida: a de que, mesmo nas horas mais sombrias, há beleza a ser encontrada.
Chris Cornell nos deixou fisicamente em 2017, mas sua obra permanece viva, pulsante e necessária. Em um mundo cada vez mais superficial, sua música nos lembra da importância de olhar para dentro, de enfrentar nossos demônios e de encontrar beleza mesmo na dor. Ele foi, e sempre será, um dos maiores gênios da música moderna, um artista que soube transformar sua própria humanidade em arte.
Seu legado é um presente para as gerações presentes e futuras, um lembrete de que a música pode ser muito mais que entretenimento: pode ser um refúgio, um abraço, um grito de liberdade. Chris Cornell, genial e eterno, vive em cada nota, cada verso, cada coração que ele tocou. E, enquanto sua música ecoar, ele nunca estará realmente ausente.
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Sugar Baby: Os Perigos da Imersão no Mundo Virtual
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As vezes, esse degustador de filmes e séries assiste algo e passa dias pensando se vale ou não apena escrever sobre e trazer aqui para sua leitura. Isso acontece porque escrevo desenjando que assista o filme e veja se compartilha das mesmas impressões que passo no texto. Mas, no caso desse filme escrevi assim que terminei de assistir, agora apresento a resenha para seu deleite.
O filme “Sugar Baby” (2021), dirigido por Mélissa Larivière, é uma reflexão perturbadora e atual sobre os perigos de viver imerso no mundo virtual. A trama acompanha a jovem Emma, interpretada por Noémie O’Farrell, que, em busca de validação e conexão, mergulha em um relacionamento virtual com um homem mais velho, explorando as dinâmicas de poder e as ilusões criadas pelas redes sociais e plataformas digitais. O filme não apenas retrata a busca por afeto em um ambiente digital, mas também expõe as armadilhas psicológicas e emocionais que surgem quando a vida real é substituída por uma realidade virtual.
Um dos pontos fortes do filme é a maneira como ele aborda a solidão contemporânea. Emma, uma jovem introvertida e insegura, encontra no mundo virtual um refúgio onde pode reinventar-se e sentir-se desejada. No entanto, essa fuga rapidamente se transforma em uma prisão, onde as fronteiras entre o real e o virtual se confundem.
A direção de Larivière é eficaz ao usar planos fechados e cores frias para transmitir o isolamento da protagonista, enquanto as cenas nas redes sociais são saturadas e brilhantes, simbolizando a falsa promessa de felicidade que o mundo digital oferece.
A crítica ao consumismo e à objetificação do corpo feminino também é central na narrativa. Emma, ao se envolver em um relacionamento de “sugar baby”, acaba sendo reduzida a um produto, negociando sua imagem e afeto em troca de atenção e presentes. O filme questiona até que ponto as plataformas digitais, ao incentivarem a exibição constante da vida privada, contribuem para essa mercantilização das relações humanas. A personagem de Emma torna-se um símbolo da geração que cresceu sob a influência das redes sociais, onde a autoestima é frequentemente medida por likes e seguidores.
No entanto, o filme peca em alguns momentos por sua abordagem superficial de temas complexos. A relação entre Emma e seu “sugar daddy” poderia ter sido explorada com maior profundidade, especialmente no que diz respeito às motivações psicológicas de ambos. Além disso, o final, embora impactante, parece apressado e deixa questões importantes sem resposta, como o impacto a longo prazo dessa experiência na vida da protagonista.
Apesar dessas falhas, “Sugar Baby” é um alerta necessário sobre os perigos de viver imerso no mundo virtual. O filme nos lembra que, embora a internet possa oferecer conexões instantâneas e uma sensação de pertencimento, ela também pode ser um espaço de alienação e exploração. Em uma era em que a vida online muitas vezes substitui a vida real, “Sugar Baby” serve como um espelho perturbador de nossas próprias vulnerabilidades e da facilidade com que podemos nos perder na ilusão do mundo digital.
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Ponte para Terabítia e a Importância de Sonhar
Esse degustador de filmes e séries traz para você mais uma resenha da hora! Desta vez, quero escrever sobre um filme que já assisti inúmeras vezes e sempre fico emocionado com a mensagens que ele transmite. Me pego pensando sobre como tantas crianças e jovens, nativos das redes sócias, jamais viveram aventuras experimentadas pelas crianças do filme.
Ponte para Terabítia, (2007), dirigido por Gábor Csupó é baseado no livro homônimo de Katherine Paterson, é um filme que transcende a simples classificação de “história infantil”. Ele aborda temas profundos como amizade, perda, superação e, principalmente, a importância de sonhar. A narrativa acompanha Jess Aarons (Josh Hutcherson), um garoto solitário e criativo que vive em um ambiente familiar difícil, e Leslie Burke (AnnaSophia Robb), sua nova vizinha e colega de escola, que traz consigo uma imaginação vibrante e uma perspectiva de vida transformadora.
O filme começa apresentando Jess como um menino introspectivo, que encontra refúgio em seus desenhos e na corrida, sua única forma de se destacar. No entanto, é a chegada de Leslie que abre as portas para um mundo de possibilidades. Juntos, eles criam Terabítia, um reino imaginário onde são rei e rainha, livres das limitações do mundo real. Esse espaço mágico simboliza o poder dos sonhos e da imaginação como ferramentas para enfrentar a realidade, muitas vezes dura e desencorajadora.
A relação entre Jess e Leslie é o coração do filme. Leslie ensina Jess a sonhar mais alto, a ver beleza onde antes só havia monotonia, e a enfrentar seus medos. Ela representa a força transformadora da amizade e da criatividade, mostrando como os sonhos podem nos libertar das amarras da vida cotidiana. No entanto, o filme também não tem medo de abordar a dor e a perda, elementos que fazem parte da jornada de crescimento de Jess. A tragédia que ocorre no enredo serve como um lembrete de que, mesmo diante da dor, os sonhos e as memórias podem nos sustentar.
A mensagem central de “Ponte para Terabítia” é clara: sonhar não é um escape da realidade, mas uma forma de enriquecê-la. Através da imaginação, Jess e Leslie encontram coragem para enfrentar desafios, sejam eles bullying na escola ou conflitos familiares. O filme nos convida a refletir sobre como os sonhos podem nos ajudar a construir pontes entre o que somos e o que desejamos ser, mesmo quando o caminho parece impossível.
A direção de Csupó equilibra com sensibilidade o realismo e o fantástico, enquanto a trilha sonora e a fotografia reforçam a atmosfera mágica e emocional da história. As atuações de Hutcherson e Robb são cativantes, transmitindo a inocência e a profundidade de seus personagens.
Em suma, “Ponte para Terabítia” é uma obra que celebra a importância de sonhar, não como uma fuga, mas como uma ferramenta de transformação pessoal. Nos lembra que, mesmo nos momentos mais sombrios, a imaginação pode ser uma luz guia, ajudando-nos a encontrar significado e esperança.
Crônicas