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DOIS PAPAS: a humanidade de Francisco e o diálogo como elo
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O filme “Dois Papas”, sob a direção sensível de Fernando Meirelles e com atuações magistrais de Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, transcende a mera dramatização da transição papal entre Bento XVI e Francisco. A produção da Netflix, lançada em 2019, configura-se como uma obra cinematográfica profundamente humana, espiritualmente provocadora e tocante, ao abordar temas como perdão, mudança e o poder inerente ao diálogo. A narrativa habilmente entrelaça a história de dois homens, de perspectivas aparentemente antagônicas — um conservador e introspectivo, o outro progressista e expansivo —, revelando como o encontro improvável entre eles reconfigurou os rumos da Igreja Católica e reverberou no mundo.
Embora tenha apreciado “Dois Papas” desde seu lançamento na Netflix, confesso que, inicialmente, não vislumbrava escrever sobre ele. Contudo, a partida do humanista Papa Francisco e o instigante desafio proposto pelo meu amigo Gesaias Ciriaco motivaram-me a revisitar a obra. Compartilho, agora, minhas reflexões sobre o filme e sobre a figura singular de Francisco. Boa leitura!
A interpretação de Jonathan Pryce como o então cardeal Jorge Mario Bergoglio é notável. Sua caracterização vai além da semelhança física, capturando a essência da humildade, do senso de humor e da profunda empatia que marcaram o pontificado de Francisco. O filme pinta o retrato de um homem que reconhece suas falhas, mas que é impulsionado por um desejo genuíno de servir ao próximo. É nessa representação que começamos a compreender a verdadeira dimensão de quem foi Papa Francisco: um pastor dedicado ao seu povo, um homem que trilhou o caminho dos pobres, que deu voz aos marginalizados e que preferiu a simplicidade das periferias ao esplendor do Vaticano.
Francisco não foi apenas o primeiro papa jesuíta e o primeiro latino-americano; ele personificou um símbolo de renovação espiritual e institucional. Sua trajetória, desde as dolorosas experiências da ditadura militar e as contradições internas da Igreja em Buenos Aires até o centro do catolicismo em Roma, foi pautada por uma busca incessante por coerência e amor ao próximo. Sua capacidade de reconhecer e integrar suas próprias sombras e erros, habilmente explorada em flashbacks no filme, apenas o tornou mais humano e acessível.
O legado de Francisco irradia para além das fronteiras do catolicismo. Ele estendeu a mão a irmãos de outras crenças, protagonizando gestos históricos e corajosos, como seus encontros fraternos com líderes muçulmanos, judeus, budistas e hinduístas. Mais significativo ainda: foi um papa que jamais se distanciou dos não crentes. Em suas palavras e ações, evidenciou que a dignidade humana transcende qualquer rótulo religioso. Ele enxergou, nos ateus, nos agnósticos e nos que duvidam, uma busca intrínseca por verdade e justiça, tão sagrada quanto a dos próprios fiéis. Para Francisco, o cerne de tudo residia no amor concreto ao outro, na justiça social, na promoção da paz e no zelo pelo planeta. Ao assistir “Dois Papas”, somos lembrados de que a verdadeira liderança emana da escuta, não da imposição. Francisco escutava atentamente: o clamor do povo, os lamentos da Terra, os gritos silenciosos das vítimas de abuso, os anseios da juventude e a descrença daqueles que perderam a fé.
Sua humanidade era desarmante em sua simplicidade. Utilizava o transporte público, rejeitava a ostentação dos palácios, solicitava orações e não hesitava em expressar sua emoção em público. Era um homem que elevou a ternura à condição de resistência.
Sua partida, hoje lamentada por incontáveis pessoas, deixa um vácuo profundo. Não apenas na Cátedra de Pedro, mas no coração de uma humanidade sedenta por líderes que priorizem a compaixão em detrimento do poder, a escuta em vez do discurso unilateral. Francisco não era isento de falhas, e talvez seja essa a razão pela qual tantos o admiravam: sua natureza genuína, feita de carne e osso, como a de todos nós. Contudo, sua alma irradiava um brilho singular — o de alguém que acreditava fervorosamente que a Igreja deveria ser um hospital de campanha, acolhedor e curativo, e não uma fortaleza de julgamento. “Dois Papas” revela-se, portanto, como algo muito além de um filme sobre uma sucessão papal. É um convite pungente à reflexão sobre o potencial transformador do diálogo e sobre a capacidade de figuras inspiradoras reacenderem a esperança, mesmo em tempos sombrios. Francisco foi, inegavelmente, uma dessas figuras. E sua memória perdurará como uma semente fecunda — nas palavras que proferiu, nos gestos que praticou e nos corações que tocou.
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O Sonho de um Homem Ridículo, de Fiódor Dostoiévski
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Algumas leituras parecem nos colocar frente a frente com o autor, como se ele falasse diretamente conosco, convidando-nos a refletir sobre o que somos, nossas atitudes, nossas escolhas e como nos vemos enquanto indivíduos. Ao ler esse conto, vivi essa experiência.
O Sonho de um Homem Ridículo é uma das obras mais profundas e simbólicas de Fiódor Dostoiévski. Publicado em 1877, o conto acompanha a trajetória psicológica e existencial de um homem que se julga insignificante e desajustado, alguém que já não encontra sentido na vida e decide cometer suicídio. A narrativa mergulha em uma análise existencial sobre a vida, a verdade, a culpa e, principalmente, sobre a natureza humana.
O protagonista inicia a história em um estado de completa apatia. Ele se vê como ridículo, sem valor, e acredita que nada mais importa no mundo. Sua decisão de se matar é tomada sem drama, com uma frieza quase assustadora. No entanto, antes de executar o ato, ele adormece e sonha — um sonho que muda completamente sua visão de mundo.
Nesse sonho, ele é transportado para um planeta idêntico à Terra, mas habitado por pessoas puras, sem egoísmo, sem mentiras, sem orgulho. Uma humanidade ideal, sem corrupção e sem maldade. Ele é recebido com amor e respeito, como se fosse um irmão perdido. Contudo, mesmo nesse paraíso, o protagonista carrega consigo os vícios do seu antigo mundo. Aos poucos, sua presença contamina aquele povo: ele ensina a mentira, o egoísmo, o desejo de poder. Em pouco tempo, aquele mundo perfeito transforma-se em um reflexo da Terra que ele conhecia — marcada pela violência, vaidade e hipocrisia.
Esse momento de profunda consciência é o ponto de virada da narrativa. Ele desperta do sonho transtornado, mas transformado. Percebe que o mal que destruiu aquele mundo puro foi trazido por ele — por um ser humano comum, falho e imperfeito. E é justamente aí que se encontra uma das grandes lições do conto: a responsabilidade pessoal e coletiva na construção ou destruição da realidade à nossa volta.
Dostoiévski, por meio desse conto, nos confronta com a verdade de que não somos heróis, nem deuses, nem vítimas puras. Somos humanos — erramos, mentimos, magoamos, mesmo quando acreditamos estar certos. O “homem ridículo” é, na verdade, uma metáfora de todos nós. Muitas vezes, nos colocamos em posições de superioridade moral, julgamos os outros sem olhar para dentro de nós mesmos. Ignoramos nossas próprias falhas, esquecendo que também somos orgulhosos, vaidosos, invejosos e egoístas.
Ao reconhecer sua culpa e sua influência negativa, o protagonista escolhe viver — não para se esconder, mas para mudar. Ele assume a missão de transmitir a verdade que viu, mesmo que o tomem por louco. Essa decisão simboliza o poder da humildade: ele não busca glória nem redenção, mas a chance de contribuir para um mundo melhor, começando por si mesmo.
A ressignificação da vida por meio do autoconhecimento é uma das mensagens mais potentes do conto. O sonho do protagonista é, na verdade, um mergulho em sua própria alma. E, ao encarar suas falhas, ele compreende que mudar o mundo exige, antes de tudo, mudar a si mesmo. Isso vale para todos nós. Em tempos de discursos inflados e julgamentos constantes, lembrar que também erramos, que também somos falhos, é um ato de coragem e maturidade.
Dostoiévski nos mostra que é possível encontrar redenção e sentido mesmo após as piores quedas. O importante é ter a humildade de reconhecer nossas limitações e a responsabilidade de fazer escolhas mais conscientes. O verdadeiro perigo não está em ser ridículo, mas em não perceber que também contribuímos, com nossas atitudes, para a construção de um mundo doente. A transformação começa no íntimo de cada um.
Assim, O Sonho de um Homem Ridículo é mais do que um conto filosófico: é um espelho da condição humana. E nos convida, com delicadeza e firmeza, a deixar de lado o orgulho, a autossuficiência e a pretensão de estarmos sempre certos. Porque o verdadeiro despertar acontece quando deixamos de buscar culpados e passamos a agir com amor, consciência e humildade.
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O Sagrado em O Pequeno Príncipe – Uma Jornada Espiritual
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Em 2009, concluí o curso de Ciência da Religião pela UERN. O tema da minha monografia foi “O Sagrado na Obra O Pequeno Príncipe”. Com o passar do tempo, já distante da conclusão da graduação, decidi revisitar esse tema, agora em forma de uma breve resenha, que compartilho com vocês, na esperança de que apreciem a leitura.
O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, é uma obra repleta de simbolismos que transcendem o campo literário, revelando traços do sagrado presentes em diversas tradições religiosas. O deserto, o poço e o encantamento do protagonista pelas estrelas são elementos que dialogam com o Budismo, o Cristianismo, o Islã e o Judaísmo, tecendo uma narrativa que celebra o invisível e o transcendente.
O deserto, espaço de solidão e encontro consigo mesmo, remete às provações espirituais. No Cristianismo, evoca o êxodo de Moisés e o jejum de Jesus, momentos de purificação e preparação espiritual. No Islã, o deserto é o lugar da revelação a Maomé. No Judaísmo, simboliza o caminho rumo à Terra Prometida. Já no Budismo, representa o vazio necessário à iluminação, como na meditação de Buda. Assim, quando o Pequeno Príncipe se encontra perdido no deserto, ele, como os místicos de todas essas tradições, descobre ali a essência da vida, no silêncio e na simplicidade.
O poço, que surge como um milagre em meio ao árido cenário, simboliza vida e sabedoria. No Cristianismo, remete ao poço de Jacó, onde Jesus oferece a “água viva” (João 4:14). No Islã, a água é um dom divino, como o poço de Zamzam, fonte sagrada de Meca. No Judaísmo, os poços são lugares de encontro e revelação, como no episódio de Rebeca e Isaac. Para o Budismo, a água pura simboliza a claridade mental. Quando o Pequeno Príncipe bebe do poço, não sacia apenas a sede física, mas também a sede espiritual, num verdadeiro rito de renascimento.
Por fim, o encantamento do Pequeno Príncipe pelas estrelas, sobretudo em sua despedida, carrega uma poderosa ideia de transcendência. No Cristianismo, as estrelas representam os justos que brilham eternamente (Daniel 12:3). No Islã, são sinais da grandeza de Allah (Alcorão 86:1-3). No Judaísmo, a Estrela de Davi é símbolo de proteção divina. No Budismo, a luz das estrelas evoca a iluminação e a libertação do ciclo do sofrimento. A promessa do Pequeno Príncipe, de que estará em uma estrela, não sugere um fim, mas uma passagem para o eterno, unindo-se ao cosmos sagrado.
Assim, O Pequeno Príncipe revela-se uma obra atemporal, em que o deserto, o poço e as estrelas são vestígios do divino, convidando o leitor a enxergar — como ensina a raposa — “com o coração”. O sagrado, em suas múltiplas formas, habita essa narrativa encantadora, mostrando que o essencial é, verdadeiramente, invisível aos olhos.Claudio Wagner — Professor, Cientista da Religião e Historiador
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A síndrome do vira-lata e a importância de escrever na língua nativa
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Essa resenha é fruto de uma conversa que tive outro dia, na mesa de um bar bastante conhecido da nossa cidade, e que me levou a perceber, de certa forma, o quanto podemos nos decepcionar com as pessoas.
Em uma mesa próxima à minha, rolava um papo sobre descolonização. A conversa surgiu devido à indignação de uma moça que se chateou porque outra pessoa, presente no local, mencionou o Auto de Natal e, naquele momento, cantou uma música religiosa católica. Isso levou a moça a declarar que detestava pessoas colonizadas.
Eu, muito metido, disse:
— Também detesto!Então, começamos a conversar. Mas, no decorrer do diálogo, para minha surpresa, do nada, a pessoa afirmou que, para sermos respeitados, precisamos falar e escrever em inglês. Não resisti e perguntei:
— Você acabou de dizer que é contra a colonização e, ao mesmo tempo, aceita que sua própria língua seja menosprezada em relação a outras?Ela não gostou da pergunta e usou o nome de vários teóricos para se justificar, mencionando suas teorias. Respondi que fiquei decepcionado e não aceitava essa ideia de autoridade sem debate. Mas ela seguiu com seu discurso e, para minha surpresa, a pessoa que estava com ela — que, inclusive, faz parte do circuito cultural aqui do estado — disse que ela estava certa, pois a cultura europeia e a americana são o centro.
Bem, escrevo aqui meu desabafo e espero a opinião de vocês.
A Síndrome do Vira-Lata é um conceito que reflete a autoimagem negativa que muitos indivíduos ou povos têm de si mesmos, especialmente em contextos pós-coloniais. O termo, cunhado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, remete à ideia de que pessoas ou nações historicamente subjugadas tendem a se enxergar como inferiores — como “vira-latas” — em comparação com culturas dominantes, especialmente as europeias ou norte-americanas.
Essa síndrome manifesta-se na desvalorização da própria cultura, língua e tradições, em favor de uma suposta superioridade estrangeira. No Brasil, por exemplo, isso se reflete na preferência por produtos, ideias e até mesmo pela língua inglesa, vista como símbolo de status e modernidade, em detrimento do português e das expressões culturais locais.
Escrever na língua nativa é um ato de resistência e autoafirmação. A língua é um dos pilares fundamentais da identidade cultural, carregando consigo histórias, valores e visões de mundo únicas. Ao rejeitar a imposição de uma língua estrangeira como norma de excelência, reafirmamos nossa autonomia e valorizamos nossas raízes.
O português, no caso do Brasil, é um patrimônio que reflete a diversidade e a riqueza de nossa formação cultural, mesclando influências indígenas, africanas e europeias. Negar essa herança em favor de uma língua estrangeira é, de certa forma, perpetuar o colonialismo cultural que nos foi imposto.
A descolonização passa, necessariamente, pela revalorização da língua materna. Autores como Ngũgĩ wa Thiong’o, escritor queniano, defendem que a língua é um instrumento tanto de dominação quanto de libertação. Ao escrever em sua língua nativa, o autor resgata a voz de seu povo e desafia as estruturas de poder que privilegiam as línguas dos colonizadores.
No contexto brasileiro, isso significa reconhecer o português não como uma herança colonial opressora, mas como uma ferramenta de expressão e resistência, adaptada e transformada por nós ao longo dos séculos. Rejeitar a supremacia de uma língua estrangeira não significa negar a importância do diálogo com outras culturas, mas sim afirmar que nossa voz tem valor próprio.
A globalização e o domínio do inglês como língua franca muitas vezes reforçam a Síndrome do Vira-Lata, fazendo com que subestimemos nossa capacidade de produzir conhecimento e arte em nossa língua. No entanto, é justamente na diversidade linguística e cultural que reside a riqueza da humanidade.
Portanto, escrever na língua nativa é um ato político e identitário. É uma forma de combater a internalização da inferioridade e de reafirmar nossa dignidade cultural. A Síndrome do Vira-Lata só será superada quando aprendermos a nos enxergar com orgulho, valorizando nossa história, nossa língua e nossa capacidade de criar e transformar.
A descolonização começa na língua, pois é nela que reside a alma de um povo.
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Resenha crítica: A obra de Chris Cornell, um legado de paixão e profundidade
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Quando conheci a obra de Chris Cornell ele já havia se encantado e foi se juntado aos segredos minerias do silêncio que é a morte. Mas, será que um artista tão grandioso morre? Penso que eles seguem nos deixando perplexos diante da grandiosidade de suas obras. Assim sendo, quero deixar aqui minhas impressões sobre esse gênio.
Chris Cornell não foi apenas um cantor ou compositor, foi um alquimista moderno, transformando dor, angústia, amor e esperança em canções que transcendem o tempo e o espaço. Sua obra é um monumento à complexidade da alma humana, um espelho que reflete tanto a escuridão quanto a luz que habita em todos nós. Com uma voz que poderia ser um rugido ensurdecedor ou um sussurro delicado, Cornell conquistou não apenas os ouvidos, mas os corações de milhões.
Desde os tempos do Soundgarden, bandeira do movimento grunge dos anos 90, até sua carreira solo e passagem pelo Audioslave, Chris Cornell demonstrou uma versatilidade rara, que era sua capacidade de transitar entre o rock pesado e baladas introspectivas revelando um artista que não se limitava a gêneros, mas sim à expressão pura de suas emoções. Canções como “Black Hole Sun” e “Like a Stone” são exemplos perfeitos disso: a primeira, uma mistura de surrealismo e melancolia, com arranjos que parecem vir de outro mundo; a segunda, uma jornada introspectiva sobre a mortalidade e a busca por significado.
O que torna a obra de Cornell tão especial é sua autenticidade. Ele nunca teve medo de expor suas vulnerabilidades, de mergulhar nas profundezas de sua própria psique e trazer à tona sentimentos que muitos de nós sequer conseguimos nomear. Suas letras são poesia pura, cheias de imagens vívidas e metáforas que desafiam a interpretação fácil. Em “Fell on Black Days”, ele canta sobre a imprevisibilidade da vida e a sensação de ser engolido por dias sombrios, algo que todos podemos relacionar em algum momento.
Além disso, sua voz é um instrumento à parte. Com um alcance impressionante e uma capacidade única de transmitir emoção, Cornell poderia fazer uma balada soar como um grito de guerra ou uma música pesada soar como uma prece. Sua interpretação de “Nothing Compares 2 U”, originalmente de Prince, é um exemplo disso: ele transforma a canção em algo completamente seu, carregado de uma dor e uma beleza que arrepiam.
No Audioslave, Cornell encontrou uma nova forma de expressão, unindo-se a ex-membros do Rage Against the Machine para criar um som que mesclava o peso do rock com a sensibilidade de suas letras. Canções como “Show Me How to Live” e “Be Yourself” mostram um artista em constante evolução, sempre buscando novos desafios e formas de se conectar com seu público.
Sua carreira solo, por sua vez, revela um lado mais íntimo e introspectivo. Álbuns como “Euphoria Morning” e “Higher Truth” são verdadeiras joias, repletas de canções que falam de amor, perda, redenção e esperança. Em “The Keeper”, ele nos presenteia com uma balada poderosa e emocionante, que parece resumir toda a sua filosofia de vida: a de que, mesmo nas horas mais sombrias, há beleza a ser encontrada.
Chris Cornell nos deixou fisicamente em 2017, mas sua obra permanece viva, pulsante e necessária. Em um mundo cada vez mais superficial, sua música nos lembra da importância de olhar para dentro, de enfrentar nossos demônios e de encontrar beleza mesmo na dor. Ele foi, e sempre será, um dos maiores gênios da música moderna, um artista que soube transformar sua própria humanidade em arte.
Seu legado é um presente para as gerações presentes e futuras, um lembrete de que a música pode ser muito mais que entretenimento: pode ser um refúgio, um abraço, um grito de liberdade. Chris Cornell, genial e eterno, vive em cada nota, cada verso, cada coração que ele tocou. E, enquanto sua música ecoar, ele nunca estará realmente ausente.
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Sugar Baby: Os Perigos da Imersão no Mundo Virtual
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As vezes, esse degustador de filmes e séries assiste algo e passa dias pensando se vale ou não apena escrever sobre e trazer aqui para sua leitura. Isso acontece porque escrevo desenjando que assista o filme e veja se compartilha das mesmas impressões que passo no texto. Mas, no caso desse filme escrevi assim que terminei de assistir, agora apresento a resenha para seu deleite.
O filme “Sugar Baby” (2021), dirigido por Mélissa Larivière, é uma reflexão perturbadora e atual sobre os perigos de viver imerso no mundo virtual. A trama acompanha a jovem Emma, interpretada por Noémie O’Farrell, que, em busca de validação e conexão, mergulha em um relacionamento virtual com um homem mais velho, explorando as dinâmicas de poder e as ilusões criadas pelas redes sociais e plataformas digitais. O filme não apenas retrata a busca por afeto em um ambiente digital, mas também expõe as armadilhas psicológicas e emocionais que surgem quando a vida real é substituída por uma realidade virtual.
Um dos pontos fortes do filme é a maneira como ele aborda a solidão contemporânea. Emma, uma jovem introvertida e insegura, encontra no mundo virtual um refúgio onde pode reinventar-se e sentir-se desejada. No entanto, essa fuga rapidamente se transforma em uma prisão, onde as fronteiras entre o real e o virtual se confundem.
A direção de Larivière é eficaz ao usar planos fechados e cores frias para transmitir o isolamento da protagonista, enquanto as cenas nas redes sociais são saturadas e brilhantes, simbolizando a falsa promessa de felicidade que o mundo digital oferece.
A crítica ao consumismo e à objetificação do corpo feminino também é central na narrativa. Emma, ao se envolver em um relacionamento de “sugar baby”, acaba sendo reduzida a um produto, negociando sua imagem e afeto em troca de atenção e presentes. O filme questiona até que ponto as plataformas digitais, ao incentivarem a exibição constante da vida privada, contribuem para essa mercantilização das relações humanas. A personagem de Emma torna-se um símbolo da geração que cresceu sob a influência das redes sociais, onde a autoestima é frequentemente medida por likes e seguidores.
No entanto, o filme peca em alguns momentos por sua abordagem superficial de temas complexos. A relação entre Emma e seu “sugar daddy” poderia ter sido explorada com maior profundidade, especialmente no que diz respeito às motivações psicológicas de ambos. Além disso, o final, embora impactante, parece apressado e deixa questões importantes sem resposta, como o impacto a longo prazo dessa experiência na vida da protagonista.
Apesar dessas falhas, “Sugar Baby” é um alerta necessário sobre os perigos de viver imerso no mundo virtual. O filme nos lembra que, embora a internet possa oferecer conexões instantâneas e uma sensação de pertencimento, ela também pode ser um espaço de alienação e exploração. Em uma era em que a vida online muitas vezes substitui a vida real, “Sugar Baby” serve como um espelho perturbador de nossas próprias vulnerabilidades e da facilidade com que podemos nos perder na ilusão do mundo digital.
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Ponte para Terabítia e a Importância de Sonhar
Esse degustador de filmes e séries traz para você mais uma resenha da hora! Desta vez, quero escrever sobre um filme que já assisti inúmeras vezes e sempre fico emocionado com a mensagens que ele transmite. Me pego pensando sobre como tantas crianças e jovens, nativos das redes sócias, jamais viveram aventuras experimentadas pelas crianças do filme.
Ponte para Terabítia, (2007), dirigido por Gábor Csupó é baseado no livro homônimo de Katherine Paterson, é um filme que transcende a simples classificação de “história infantil”. Ele aborda temas profundos como amizade, perda, superação e, principalmente, a importância de sonhar. A narrativa acompanha Jess Aarons (Josh Hutcherson), um garoto solitário e criativo que vive em um ambiente familiar difícil, e Leslie Burke (AnnaSophia Robb), sua nova vizinha e colega de escola, que traz consigo uma imaginação vibrante e uma perspectiva de vida transformadora.
O filme começa apresentando Jess como um menino introspectivo, que encontra refúgio em seus desenhos e na corrida, sua única forma de se destacar. No entanto, é a chegada de Leslie que abre as portas para um mundo de possibilidades. Juntos, eles criam Terabítia, um reino imaginário onde são rei e rainha, livres das limitações do mundo real. Esse espaço mágico simboliza o poder dos sonhos e da imaginação como ferramentas para enfrentar a realidade, muitas vezes dura e desencorajadora.
A relação entre Jess e Leslie é o coração do filme. Leslie ensina Jess a sonhar mais alto, a ver beleza onde antes só havia monotonia, e a enfrentar seus medos. Ela representa a força transformadora da amizade e da criatividade, mostrando como os sonhos podem nos libertar das amarras da vida cotidiana. No entanto, o filme também não tem medo de abordar a dor e a perda, elementos que fazem parte da jornada de crescimento de Jess. A tragédia que ocorre no enredo serve como um lembrete de que, mesmo diante da dor, os sonhos e as memórias podem nos sustentar.
A mensagem central de “Ponte para Terabítia” é clara: sonhar não é um escape da realidade, mas uma forma de enriquecê-la. Através da imaginação, Jess e Leslie encontram coragem para enfrentar desafios, sejam eles bullying na escola ou conflitos familiares. O filme nos convida a refletir sobre como os sonhos podem nos ajudar a construir pontes entre o que somos e o que desejamos ser, mesmo quando o caminho parece impossível.
A direção de Csupó equilibra com sensibilidade o realismo e o fantástico, enquanto a trilha sonora e a fotografia reforçam a atmosfera mágica e emocional da história. As atuações de Hutcherson e Robb são cativantes, transmitindo a inocência e a profundidade de seus personagens.
Em suma, “Ponte para Terabítia” é uma obra que celebra a importância de sonhar, não como uma fuga, mas como uma ferramenta de transformação pessoal. Nos lembra que, mesmo nos momentos mais sombrios, a imaginação pode ser uma luz guia, ajudando-nos a encontrar significado e esperança.
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O Rei do Povo: Uma crônica atemporal sobre o fanatismo religioso
Religiões são utilizadas por espertalhões ao longo dos séculos como forma de manipular as massas, é algo que podemos constatar historicamente sem muito esforço, basta olhar pastores que de uma hora para outra ficam ricos manipulando a fé genuína de seus rebanhos, para pedir quantias volumosas de dinheiro que deveria ser para Deus, mas o que se vê é só a fortuna do líder aumentar, sem que esse trabalhe para isso. Mas, essa situação não acontece só com pastores, mas, também, padres e outros líderes religiosos. Não estou afirmando que todos são assim, porém existe um número significativo desses líderes espertalhões.
Essa resenha é sobre um filme baseado em fatos reais que demonstra bem como é feita esse tipo de manipulação para distorcer a fé.
A obra cinematográfica”O Rei do Povo” nos transporta para a Índia pré-independência, mergulhando-nos em um drama histórico que ecoa com inquietante atualidade. O filme, baseado em fatos reais, narra a corajosa luta de um jornalista, Karsandas Mulji, contra um poderoso líder religioso acusado de abuso de poder e conduta imoral.
A trama se desenrola como um thriller psicológico, onde a fé é manipulada como arma e a verdade se torna uma vítima. Mulji, interpretado de forma brilhante, desafia o status quo e expõe as falhas de um sistema que idolatra cegamente uma figura religiosa, transformando-o em um “rei do povo”. A jornada do jornalista é marcada por obstáculos, ameaças e a resistência de uma comunidade enraizada em dogmas.
A direção habilidosa e a fotografia rica em detalhes contribuem para criar uma atmosfera opressiva e tensa. A trilha sonora, por sua vez, intensifica as emoções, acentuando os momentos de confronto e suspense. O filme não poupa críticas ao fanatismo religioso, expondo os perigos da devoção cega e a fragilidade da fé quando manipulada por interesses obscuros.
“O Rei do Povo” vai além de uma simples denúncia, é um convite à reflexão sobre a natureza do poder, a importância da liberdade de expressão e o papel dos indivíduos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A história de Mulji nos inspira a questionar os dogmas, a buscar a verdade e a defender nossos valores, mesmo diante da adversidade.
Um dos pontos altos do filme é a construção dos personagens. Além de Mulji, outros personagens secundários são ricamente desenvolvidos, como os seguidores cegos do líder religioso, os familiares de Mulji e os demais envolvidos no processo judicial. As atuações são convincentes, transmitindo a complexidade de cada indivíduo e as nuances de suas motivações.
A relevância de “O Rei do Povo” transcende as fronteiras da Índia. O tema do fanatismo religioso é universal e atemporal, ecoando em diversas sociedades ao redor do mundo. O filme nos mostra como a manipulação da fé pode ser utilizada para controlar massas, sufocar o debate e perpetuar a injustiça.
Em suma, “O Rei do Povo” é um filme essencial para aqueles que buscam uma reflexão profunda sobre os perigos do fanatismo religioso e a importância da luta pela verdade. É uma obra que nos convida a questionar nossas crenças, a valorizar a liberdade de expressão e a construir um mundo mais justo e tolerante.
“O Rei do Povo” é um filme que merece ser visto e discutido. É uma obra que nos provoca, nos emociona e nos inspira a sermos cidadãos mais conscientes e engajados. Recomendo fortemente este filme para todos aqueles que se interessam por história, drama e questões sociais. É um filme que nos faz pensar e questionar, e que certamente deixará uma marca em quem o assistir.
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Baleia: uma imersão na solidão e a busca pelo amor
Sou um degustador de filmes, séries e tudo mais que o audiovisual produz, e tenho um grande prazer de, mais uma vez, em poucas linhas, te levar a conhecer meu ponto de vista sobre um longa metragem que vi essa semana. O filme se chama “The Whale” (A Baleia). Para apresentar essa obra, escolhi os caminhos do amor e da solidão como elementos principais na compreensão do roteiro do filme, nesse caso, do mapa que nos levará às profundezas desses sentimentos.
“A Baleia” é um drama psicológico americano, com roteiro escrito por Samuel D. Hunter, baseado em sua peça de mesmo nome. Foi dirigida por Darren Aronofsky e estrelado por Brendan Fraser, Sadie Sink, Hong Chau, Samantha Morton e Ty Simpkins. Seu lançamento aconteceu em 2022 no Festival Internacional de Cinema de Veneza e, três meses depois, foi lançado nos Estados Unidos.
A narrativa se desenrola em um apartamento claustrofóbico, onde Charlie, interpretado de forma magistral por Brendan Fraser, encontra refúgio em uma existência solitária e autodestrutiva. A obesidade, nesse contexto, não é apenas uma condição física, mas uma metáfora para o isolamento e a dor emocional que o personagem carrega.
A solidão de Charlie é palpável em cada cena. Seus dias se resumem a aulas online, fast food e a esperança de um contato humano genuíno. A relação com sua filha adolescente, Ellie, é marcada por ressentimentos e mágoas não resolvidas, pelo fato dele ter deixado ela e sua mãe para viver um relacionamento homoafetivo. Tudo se intensificou quando seu companheiro se suicidou, deixando o sentimento de vazio o consumir. A busca por conexão se torna a força motriz da história. Através de encontros com personagens que orbitam seu mundo, como a enfermeira Liz e o jovem missionário Thomas, Charlie busca resgatar a humanidade perdida e encontrar um propósito para sua vida.
É nesse contexto que a importância de viver o amor se revela, pois o amor não se limita à paixão romântica, mas se estende à amizade, à compaixão e ao perdão. A relação de Charlie com Liz, marcada pela gentileza e pelo cuidado, demonstra que o amor pode florescer nos lugares mais inesperados.
“A Baleia” é um filme que nos confronta com nossas próprias fragilidades e nos convida a refletir sobre a importância dos relacionamentos humanos. A obra, embora dura e realista, nos oferece uma mensagem de esperança, mostrando que mesmo em meio à dor e ao sofrimento, é possível encontrar a redenção e o amor.
A atuação de Brendan Fraser é simplesmente sensacional, o que lhe rendeu o Oscar de melhor ator. Sua interpretação visceral e emocionante nos leva a uma jornada emocional profunda, fazendo com que nos conectemos com a dor e a esperança de Charlie.
Apesar do filme se chamar “A Baleia”, não se trata de um título gordofóbico, esse nome está relacionado a uma redação feita por Ellie, filha de Charlie, sobre a obra Moby Dick, de Herman Melville, quando ela tinha oito anos, a qual ele guardava e sempre lia. A leitura dessa redação gerou uma cena forte e emocionante no final do filme.
Em suma, esta obra é essencial para aqueles que buscam uma reflexão profunda sobre a condição humana e nos convida a valorizar os relacionamentos e a busca pelo amor em todas as suas formas.
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A Elizabeth de Butterfly
A felicidade e a tragédia podem se instalar em nossas vidas do nada, por um acaso. Alguns chamam de destino, outros vão dizer que se instalaram porque assim eles planejaram. Bem, pode não ser assim, mas gosto de acreditar que é.
Um dia perguntei a uma amiga por que seu nome era Beth de Butterfly? Ainda lembro dela abrindo seu sorriso iluminado e respondendo que era porque Borboletas voam e são multicoloridas. Juro que não entendi a resposta, porém se faz sentido para ela, é o que vale.
Enquanto escrevo, parece que estou vendo sua pele branca, de menina de classe média alta, muito bem criada, sem uma única marquinha em toda ela, parecendo um pêssego recém colhido. Filha única, de uma casual de juízes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, tratada a pão de ló, sem jamais, durante a infância ou juventude, ter passado por qualquer dificuldade. Quando penso em definir a personalidade de Butterfly, a primeira coisa que me vem à cabeça é que ela é uma típica representante do modelo que a sociedade judaica-cristã-javélica-pós-exílio-na-Babilônia apregoa, pois vive nos padrões, presa, sabe-se lá por quê, para quê.
Butterfly graduou-se em Direito e passou logo de cara na prova da OAB, porém nunca exerceu a profissão, gerando desgosto aos seus pais. Hoje, aos 28 anos, vive de restaurar obras sacras. Os únicos excessos que sei que comete, ou já comenteu são: às sextas-feiras, juntamente com as amigas Natasha e Sara, tomarem três cervejas no Beco da Lama e chegarem em casa depois das 22 horas.
No entrevero das coisas confusas minha amiga, peço-lhe perdão por revelar aqui algo tão íntimo e tão seu, um segredo confiado a mim, portanto deveria ser só nosso, mas agora tornarei público.
Eu que conheço a verdade, porque já li João Andrade, Adélia Prado, Adélia Costo, conheço na profundidade os escritos e manuscritos de Ozany Gomes, e com esses autores descobri a liberdade, sei que não existe pecado abaixo da linha do equador.
E sobre sonho bom e realidade, vou introduzir outro personagem nessa trama, o Demunnus.
Demunnus, em seus 19 anos de vida, habitante do mundo equidistante do do de Elizabeth de Butterfly. O moço, um pescador de profissão, cresceu no berço das necessidades básicas. Sem pai, mãe e sobrenome, faz parte da tripulação do Sodoma I, barco pesqueiro que a cada 15 dias parte da Tavares de Lira, rumo as proximidades do Atol das Rocas, onde realiza a capitura de alguns peixes, que são comercializados em nossa cidade. Segundo Elizabeth, ele tem a cor da noite, é possuidor de um sorriso capaz de iluminar uma cidade de 751 mil habitantes e o corpo tem uma beleza física impossível de descrever.
Tudo se encaminhava para mais uma sexta-feira comum na cidade do Natal, mas comum é muitas vezes questão de ponto de vista, nesta noite iria ocorrer no Beco da Lama, um mega show com as apresentações de Carlos Zens e Pedinho Mendes, transformando mais uma sexta em algo surreal. Mal o dia nasceu no horizonte da cidade, Natasha e Sara já se telefonavam para combinar o encontro, pois não poderiam perder essas apresentações por nada. Acertaram que dessa vez iriam ficar mais tempo para curtir o que o Beco tem para oferecer.
Lá do Olimpo, a Deusa Verdand aprontava para que a sexta ganhace um siginificado mágico para todo o sempre, pois o destino colocava em movimento um plano para um amor nascer.
Em outra parte da cidade, Demunnus também se preparava para ir ao Beco da Lama, porque um cliente seu, o Pedro Abche, que sempre lhe comprava peixes, tinha lhe falado sobre o show, e ele gostou da ideia, já que na madrugada da sexta para o sábado iria partir no Sodoma I, na Tavares de Lira, e passar 15 dias no mar.
O dia passou rápido, sem muitas intenções, como uma piscadela de olhos já era noite e o Beco da Lama estava com tanta gente que nem formiga cabia mais. As amigas estavam lá com suas cervejas e vestidos de contos de fadas. Demmus já estava lá também, vestindo um jens surrado, tênis maneiro e carreando na cintura o seu brinquedo de furar moletom. O moço só andava maquinado, devido alguns inimigos que fez ao londo da curta vida.
Carlos Zens cantava “A Flor Xanana”, quando o esbarrão entre Butterfly e Demunnus aconteceu, foi um choque que mudou a percepção da realida de Butterfly, levando-a para outro universo, muito mais lúdico e delicado, onde outra flor, que não é a Xanana, seria deflorada com vigor e carinho. Seus corpos se comunicaram, não houve palavra alguma, mas o desejo de ser um para o outro surgiu. Demunnus tomou a iniciativa e a levou para outro lugar e Butterfly só foi, sem nem pensar se deveria ir ou não. Depois, em um lugar escuro e longe da multidão, mãos bobas passeavam pelos corpos nada bobos. Beijos fizeram seu batom sumir. Tudo durou o tempo que teve que durar. Logo em seguida o rapaz falou que tinha que ir, pois estava na hora do barco zarpar do cais, mas voltaria em 15 dias e queria reencontrá-la. Despediram-se e ela voltou correndo para as amigas, lembrando da loucura de ter ficado com aquele cara que carregava uma arma na cintura, mas que seus olhos haviam aberto todos os portão da sua alma. Pedro Mendes cantou Linda Baby, e o show e os sonhos terminam.
A partir dali, acompanho o drama da minha amiga Elizabeth de Butterfly nos últimos sete meses. A cada 15 dias, ela vai ao Beco da Lama, agora sem suas amigas, apenas comigo, seu amigo confidente.
Infelizmente, o reencontro jamais aconteceu, pois alguns dias depois daquela sexta-feira mágica, li no jornal “O Potengi” que o barco Sodoma I sumiu, sem deixar pistas, em algum lugar entre Natal e o Atol das Rocas. Nem barco, nem tripulação foram encontrados.
Em meio aquela situação, sugeri que a menina que crescia no ventre da minha amiga receba o nome de Lilith de Butterfly. Por quê? Porque tudo que é belo e livre, voa, como o amor.
Sei que não fui justo com minha amiga ao escrever todas essas coisas, tornando sua história pública, só necessitei falar de beleza e de tragédia. Espero que um dia me perdoe.
Enquanto escrevo, não sai da minha cabeça Fafá de Belém cantando: “Foi assim, Como um resto de sol no mar, Como a brisa da preamar, Nós chegamos ao fim…”
Crônicas
Professor, cientista da religião, historiador e poeta, autor do livro Entre a Sombra da Razão e Razão da Sombra, CJA-2016.
Fisioterapeuta e proprietária da Reviva Studio Pilates. Pós graduada em Traumato-Ortopedia e Terapia Manual, especializada em Pilates.

Médico, filósofo, poeta e professor universitário.

Chef Executivo do Hotel Senac Barreira Roxa, com MBA em Consultoria ambiental e Empresarial em eventos exclusivos.
Médica ginecologista, especialista em reprodução humana, mestre em medicina e doutora em tecnologia de medicamentos.
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Professor, cientista da religião, historiador e poeta, autor do livro Entre a Sombra da Razão e Razão da Sombra, CJA-2016.
Fisioterapeuta e proprietária da Reviva Studio Pilates. Pós graduada em Traumato-Ortopedia e Terapia Manual, especializada em Pilates.

Médico, filósofo, poeta e professor universitário.
Jornalista e doutor em Ciências Políticas. Diretor de redação de O Potengi.

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Chef Executivo do Hotel Senac Barreira Roxa, com MBA em Consultoria ambiental e Empresarial em eventos exclusivos.
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Médica ginecologista, especialista em reprodução humana, mestre em medicina e doutora em tecnologia de medicamentos.
Bacharel em Direito, fundador do Instituto IAPHACC e membro do Instituto INSPIRA.
Médica ginecologista, especialista em reprodução humana, mestre em medicina e doutora em tecnologia de medicamentos.
Jornalista, pesquisadora na área jornalismo e novas mídias. Editora de Cidades de O Potengi.
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DOIS PAPAS: a humanidade de Francisco e o diálogo como elo
por
O filme “Dois Papas”, sob a direção sensível de Fernando Meirelles e com atuações magistrais de Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, transcende a mera dramatização da transição papal entre Bento XVI e Francisco. A produção da Netflix, lançada em 2019, configura-se como uma obra cinematográfica profundamente humana, espiritualmente provocadora e tocante, ao abordar temas como perdão, mudança e o poder inerente ao diálogo. A narrativa habilmente entrelaça a história de dois homens, de perspectivas aparentemente antagônicas — um conservador e introspectivo, o outro progressista e expansivo —, revelando como o encontro improvável entre eles reconfigurou os rumos da Igreja Católica e reverberou no mundo.
Embora tenha apreciado “Dois Papas” desde seu lançamento na Netflix, confesso que, inicialmente, não vislumbrava escrever sobre ele. Contudo, a partida do humanista Papa Francisco e o instigante desafio proposto pelo meu amigo Gesaias Ciriaco motivaram-me a revisitar a obra. Compartilho, agora, minhas reflexões sobre o filme e sobre a figura singular de Francisco. Boa leitura!
A interpretação de Jonathan Pryce como o então cardeal Jorge Mario Bergoglio é notável. Sua caracterização vai além da semelhança física, capturando a essência da humildade, do senso de humor e da profunda empatia que marcaram o pontificado de Francisco. O filme pinta o retrato de um homem que reconhece suas falhas, mas que é impulsionado por um desejo genuíno de servir ao próximo. É nessa representação que começamos a compreender a verdadeira dimensão de quem foi Papa Francisco: um pastor dedicado ao seu povo, um homem que trilhou o caminho dos pobres, que deu voz aos marginalizados e que preferiu a simplicidade das periferias ao esplendor do Vaticano.
Francisco não foi apenas o primeiro papa jesuíta e o primeiro latino-americano; ele personificou um símbolo de renovação espiritual e institucional. Sua trajetória, desde as dolorosas experiências da ditadura militar e as contradições internas da Igreja em Buenos Aires até o centro do catolicismo em Roma, foi pautada por uma busca incessante por coerência e amor ao próximo. Sua capacidade de reconhecer e integrar suas próprias sombras e erros, habilmente explorada em flashbacks no filme, apenas o tornou mais humano e acessível.
O legado de Francisco irradia para além das fronteiras do catolicismo. Ele estendeu a mão a irmãos de outras crenças, protagonizando gestos históricos e corajosos, como seus encontros fraternos com líderes muçulmanos, judeus, budistas e hinduístas. Mais significativo ainda: foi um papa que jamais se distanciou dos não crentes. Em suas palavras e ações, evidenciou que a dignidade humana transcende qualquer rótulo religioso. Ele enxergou, nos ateus, nos agnósticos e nos que duvidam, uma busca intrínseca por verdade e justiça, tão sagrada quanto a dos próprios fiéis. Para Francisco, o cerne de tudo residia no amor concreto ao outro, na justiça social, na promoção da paz e no zelo pelo planeta. Ao assistir “Dois Papas”, somos lembrados de que a verdadeira liderança emana da escuta, não da imposição. Francisco escutava atentamente: o clamor do povo, os lamentos da Terra, os gritos silenciosos das vítimas de abuso, os anseios da juventude e a descrença daqueles que perderam a fé.
Sua humanidade era desarmante em sua simplicidade. Utilizava o transporte público, rejeitava a ostentação dos palácios, solicitava orações e não hesitava em expressar sua emoção em público. Era um homem que elevou a ternura à condição de resistência.
Sua partida, hoje lamentada por incontáveis pessoas, deixa um vácuo profundo. Não apenas na Cátedra de Pedro, mas no coração de uma humanidade sedenta por líderes que priorizem a compaixão em detrimento do poder, a escuta em vez do discurso unilateral. Francisco não era isento de falhas, e talvez seja essa a razão pela qual tantos o admiravam: sua natureza genuína, feita de carne e osso, como a de todos nós. Contudo, sua alma irradiava um brilho singular — o de alguém que acreditava fervorosamente que a Igreja deveria ser um hospital de campanha, acolhedor e curativo, e não uma fortaleza de julgamento. “Dois Papas” revela-se, portanto, como algo muito além de um filme sobre uma sucessão papal. É um convite pungente à reflexão sobre o potencial transformador do diálogo e sobre a capacidade de figuras inspiradoras reacenderem a esperança, mesmo em tempos sombrios. Francisco foi, inegavelmente, uma dessas figuras. E sua memória perdurará como uma semente fecunda — nas palavras que proferiu, nos gestos que praticou e nos corações que tocou.
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O Sonho de um Homem Ridículo, de Fiódor Dostoiévski
por
Algumas leituras parecem nos colocar frente a frente com o autor, como se ele falasse diretamente conosco, convidando-nos a refletir sobre o que somos, nossas atitudes, nossas escolhas e como nos vemos enquanto indivíduos. Ao ler esse conto, vivi essa experiência.
O Sonho de um Homem Ridículo é uma das obras mais profundas e simbólicas de Fiódor Dostoiévski. Publicado em 1877, o conto acompanha a trajetória psicológica e existencial de um homem que se julga insignificante e desajustado, alguém que já não encontra sentido na vida e decide cometer suicídio. A narrativa mergulha em uma análise existencial sobre a vida, a verdade, a culpa e, principalmente, sobre a natureza humana.
O protagonista inicia a história em um estado de completa apatia. Ele se vê como ridículo, sem valor, e acredita que nada mais importa no mundo. Sua decisão de se matar é tomada sem drama, com uma frieza quase assustadora. No entanto, antes de executar o ato, ele adormece e sonha — um sonho que muda completamente sua visão de mundo.
Nesse sonho, ele é transportado para um planeta idêntico à Terra, mas habitado por pessoas puras, sem egoísmo, sem mentiras, sem orgulho. Uma humanidade ideal, sem corrupção e sem maldade. Ele é recebido com amor e respeito, como se fosse um irmão perdido. Contudo, mesmo nesse paraíso, o protagonista carrega consigo os vícios do seu antigo mundo. Aos poucos, sua presença contamina aquele povo: ele ensina a mentira, o egoísmo, o desejo de poder. Em pouco tempo, aquele mundo perfeito transforma-se em um reflexo da Terra que ele conhecia — marcada pela violência, vaidade e hipocrisia.
Esse momento de profunda consciência é o ponto de virada da narrativa. Ele desperta do sonho transtornado, mas transformado. Percebe que o mal que destruiu aquele mundo puro foi trazido por ele — por um ser humano comum, falho e imperfeito. E é justamente aí que se encontra uma das grandes lições do conto: a responsabilidade pessoal e coletiva na construção ou destruição da realidade à nossa volta.
Dostoiévski, por meio desse conto, nos confronta com a verdade de que não somos heróis, nem deuses, nem vítimas puras. Somos humanos — erramos, mentimos, magoamos, mesmo quando acreditamos estar certos. O “homem ridículo” é, na verdade, uma metáfora de todos nós. Muitas vezes, nos colocamos em posições de superioridade moral, julgamos os outros sem olhar para dentro de nós mesmos. Ignoramos nossas próprias falhas, esquecendo que também somos orgulhosos, vaidosos, invejosos e egoístas.
Ao reconhecer sua culpa e sua influência negativa, o protagonista escolhe viver — não para se esconder, mas para mudar. Ele assume a missão de transmitir a verdade que viu, mesmo que o tomem por louco. Essa decisão simboliza o poder da humildade: ele não busca glória nem redenção, mas a chance de contribuir para um mundo melhor, começando por si mesmo.
A ressignificação da vida por meio do autoconhecimento é uma das mensagens mais potentes do conto. O sonho do protagonista é, na verdade, um mergulho em sua própria alma. E, ao encarar suas falhas, ele compreende que mudar o mundo exige, antes de tudo, mudar a si mesmo. Isso vale para todos nós. Em tempos de discursos inflados e julgamentos constantes, lembrar que também erramos, que também somos falhos, é um ato de coragem e maturidade.
Dostoiévski nos mostra que é possível encontrar redenção e sentido mesmo após as piores quedas. O importante é ter a humildade de reconhecer nossas limitações e a responsabilidade de fazer escolhas mais conscientes. O verdadeiro perigo não está em ser ridículo, mas em não perceber que também contribuímos, com nossas atitudes, para a construção de um mundo doente. A transformação começa no íntimo de cada um.
Assim, O Sonho de um Homem Ridículo é mais do que um conto filosófico: é um espelho da condição humana. E nos convida, com delicadeza e firmeza, a deixar de lado o orgulho, a autossuficiência e a pretensão de estarmos sempre certos. Porque o verdadeiro despertar acontece quando deixamos de buscar culpados e passamos a agir com amor, consciência e humildade.
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O Sagrado em O Pequeno Príncipe – Uma Jornada Espiritual
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Em 2009, concluí o curso de Ciência da Religião pela UERN. O tema da minha monografia foi “O Sagrado na Obra O Pequeno Príncipe”. Com o passar do tempo, já distante da conclusão da graduação, decidi revisitar esse tema, agora em forma de uma breve resenha, que compartilho com vocês, na esperança de que apreciem a leitura.
O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, é uma obra repleta de simbolismos que transcendem o campo literário, revelando traços do sagrado presentes em diversas tradições religiosas. O deserto, o poço e o encantamento do protagonista pelas estrelas são elementos que dialogam com o Budismo, o Cristianismo, o Islã e o Judaísmo, tecendo uma narrativa que celebra o invisível e o transcendente.
O deserto, espaço de solidão e encontro consigo mesmo, remete às provações espirituais. No Cristianismo, evoca o êxodo de Moisés e o jejum de Jesus, momentos de purificação e preparação espiritual. No Islã, o deserto é o lugar da revelação a Maomé. No Judaísmo, simboliza o caminho rumo à Terra Prometida. Já no Budismo, representa o vazio necessário à iluminação, como na meditação de Buda. Assim, quando o Pequeno Príncipe se encontra perdido no deserto, ele, como os místicos de todas essas tradições, descobre ali a essência da vida, no silêncio e na simplicidade.
O poço, que surge como um milagre em meio ao árido cenário, simboliza vida e sabedoria. No Cristianismo, remete ao poço de Jacó, onde Jesus oferece a “água viva” (João 4:14). No Islã, a água é um dom divino, como o poço de Zamzam, fonte sagrada de Meca. No Judaísmo, os poços são lugares de encontro e revelação, como no episódio de Rebeca e Isaac. Para o Budismo, a água pura simboliza a claridade mental. Quando o Pequeno Príncipe bebe do poço, não sacia apenas a sede física, mas também a sede espiritual, num verdadeiro rito de renascimento.
Por fim, o encantamento do Pequeno Príncipe pelas estrelas, sobretudo em sua despedida, carrega uma poderosa ideia de transcendência. No Cristianismo, as estrelas representam os justos que brilham eternamente (Daniel 12:3). No Islã, são sinais da grandeza de Allah (Alcorão 86:1-3). No Judaísmo, a Estrela de Davi é símbolo de proteção divina. No Budismo, a luz das estrelas evoca a iluminação e a libertação do ciclo do sofrimento. A promessa do Pequeno Príncipe, de que estará em uma estrela, não sugere um fim, mas uma passagem para o eterno, unindo-se ao cosmos sagrado.
Assim, O Pequeno Príncipe revela-se uma obra atemporal, em que o deserto, o poço e as estrelas são vestígios do divino, convidando o leitor a enxergar — como ensina a raposa — “com o coração”. O sagrado, em suas múltiplas formas, habita essa narrativa encantadora, mostrando que o essencial é, verdadeiramente, invisível aos olhos.Claudio Wagner — Professor, Cientista da Religião e Historiador
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A síndrome do vira-lata e a importância de escrever na língua nativa
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Essa resenha é fruto de uma conversa que tive outro dia, na mesa de um bar bastante conhecido da nossa cidade, e que me levou a perceber, de certa forma, o quanto podemos nos decepcionar com as pessoas.
Em uma mesa próxima à minha, rolava um papo sobre descolonização. A conversa surgiu devido à indignação de uma moça que se chateou porque outra pessoa, presente no local, mencionou o Auto de Natal e, naquele momento, cantou uma música religiosa católica. Isso levou a moça a declarar que detestava pessoas colonizadas.
Eu, muito metido, disse:
— Também detesto!Então, começamos a conversar. Mas, no decorrer do diálogo, para minha surpresa, do nada, a pessoa afirmou que, para sermos respeitados, precisamos falar e escrever em inglês. Não resisti e perguntei:
— Você acabou de dizer que é contra a colonização e, ao mesmo tempo, aceita que sua própria língua seja menosprezada em relação a outras?Ela não gostou da pergunta e usou o nome de vários teóricos para se justificar, mencionando suas teorias. Respondi que fiquei decepcionado e não aceitava essa ideia de autoridade sem debate. Mas ela seguiu com seu discurso e, para minha surpresa, a pessoa que estava com ela — que, inclusive, faz parte do circuito cultural aqui do estado — disse que ela estava certa, pois a cultura europeia e a americana são o centro.
Bem, escrevo aqui meu desabafo e espero a opinião de vocês.
A Síndrome do Vira-Lata é um conceito que reflete a autoimagem negativa que muitos indivíduos ou povos têm de si mesmos, especialmente em contextos pós-coloniais. O termo, cunhado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, remete à ideia de que pessoas ou nações historicamente subjugadas tendem a se enxergar como inferiores — como “vira-latas” — em comparação com culturas dominantes, especialmente as europeias ou norte-americanas.
Essa síndrome manifesta-se na desvalorização da própria cultura, língua e tradições, em favor de uma suposta superioridade estrangeira. No Brasil, por exemplo, isso se reflete na preferência por produtos, ideias e até mesmo pela língua inglesa, vista como símbolo de status e modernidade, em detrimento do português e das expressões culturais locais.
Escrever na língua nativa é um ato de resistência e autoafirmação. A língua é um dos pilares fundamentais da identidade cultural, carregando consigo histórias, valores e visões de mundo únicas. Ao rejeitar a imposição de uma língua estrangeira como norma de excelência, reafirmamos nossa autonomia e valorizamos nossas raízes.
O português, no caso do Brasil, é um patrimônio que reflete a diversidade e a riqueza de nossa formação cultural, mesclando influências indígenas, africanas e europeias. Negar essa herança em favor de uma língua estrangeira é, de certa forma, perpetuar o colonialismo cultural que nos foi imposto.
A descolonização passa, necessariamente, pela revalorização da língua materna. Autores como Ngũgĩ wa Thiong’o, escritor queniano, defendem que a língua é um instrumento tanto de dominação quanto de libertação. Ao escrever em sua língua nativa, o autor resgata a voz de seu povo e desafia as estruturas de poder que privilegiam as línguas dos colonizadores.
No contexto brasileiro, isso significa reconhecer o português não como uma herança colonial opressora, mas como uma ferramenta de expressão e resistência, adaptada e transformada por nós ao longo dos séculos. Rejeitar a supremacia de uma língua estrangeira não significa negar a importância do diálogo com outras culturas, mas sim afirmar que nossa voz tem valor próprio.
A globalização e o domínio do inglês como língua franca muitas vezes reforçam a Síndrome do Vira-Lata, fazendo com que subestimemos nossa capacidade de produzir conhecimento e arte em nossa língua. No entanto, é justamente na diversidade linguística e cultural que reside a riqueza da humanidade.
Portanto, escrever na língua nativa é um ato político e identitário. É uma forma de combater a internalização da inferioridade e de reafirmar nossa dignidade cultural. A Síndrome do Vira-Lata só será superada quando aprendermos a nos enxergar com orgulho, valorizando nossa história, nossa língua e nossa capacidade de criar e transformar.
A descolonização começa na língua, pois é nela que reside a alma de um povo.
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Resenha crítica: A obra de Chris Cornell, um legado de paixão e profundidade
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Quando conheci a obra de Chris Cornell ele já havia se encantado e foi se juntado aos segredos minerias do silêncio que é a morte. Mas, será que um artista tão grandioso morre? Penso que eles seguem nos deixando perplexos diante da grandiosidade de suas obras. Assim sendo, quero deixar aqui minhas impressões sobre esse gênio.
Chris Cornell não foi apenas um cantor ou compositor, foi um alquimista moderno, transformando dor, angústia, amor e esperança em canções que transcendem o tempo e o espaço. Sua obra é um monumento à complexidade da alma humana, um espelho que reflete tanto a escuridão quanto a luz que habita em todos nós. Com uma voz que poderia ser um rugido ensurdecedor ou um sussurro delicado, Cornell conquistou não apenas os ouvidos, mas os corações de milhões.
Desde os tempos do Soundgarden, bandeira do movimento grunge dos anos 90, até sua carreira solo e passagem pelo Audioslave, Chris Cornell demonstrou uma versatilidade rara, que era sua capacidade de transitar entre o rock pesado e baladas introspectivas revelando um artista que não se limitava a gêneros, mas sim à expressão pura de suas emoções. Canções como “Black Hole Sun” e “Like a Stone” são exemplos perfeitos disso: a primeira, uma mistura de surrealismo e melancolia, com arranjos que parecem vir de outro mundo; a segunda, uma jornada introspectiva sobre a mortalidade e a busca por significado.
O que torna a obra de Cornell tão especial é sua autenticidade. Ele nunca teve medo de expor suas vulnerabilidades, de mergulhar nas profundezas de sua própria psique e trazer à tona sentimentos que muitos de nós sequer conseguimos nomear. Suas letras são poesia pura, cheias de imagens vívidas e metáforas que desafiam a interpretação fácil. Em “Fell on Black Days”, ele canta sobre a imprevisibilidade da vida e a sensação de ser engolido por dias sombrios, algo que todos podemos relacionar em algum momento.
Além disso, sua voz é um instrumento à parte. Com um alcance impressionante e uma capacidade única de transmitir emoção, Cornell poderia fazer uma balada soar como um grito de guerra ou uma música pesada soar como uma prece. Sua interpretação de “Nothing Compares 2 U”, originalmente de Prince, é um exemplo disso: ele transforma a canção em algo completamente seu, carregado de uma dor e uma beleza que arrepiam.
No Audioslave, Cornell encontrou uma nova forma de expressão, unindo-se a ex-membros do Rage Against the Machine para criar um som que mesclava o peso do rock com a sensibilidade de suas letras. Canções como “Show Me How to Live” e “Be Yourself” mostram um artista em constante evolução, sempre buscando novos desafios e formas de se conectar com seu público.
Sua carreira solo, por sua vez, revela um lado mais íntimo e introspectivo. Álbuns como “Euphoria Morning” e “Higher Truth” são verdadeiras joias, repletas de canções que falam de amor, perda, redenção e esperança. Em “The Keeper”, ele nos presenteia com uma balada poderosa e emocionante, que parece resumir toda a sua filosofia de vida: a de que, mesmo nas horas mais sombrias, há beleza a ser encontrada.
Chris Cornell nos deixou fisicamente em 2017, mas sua obra permanece viva, pulsante e necessária. Em um mundo cada vez mais superficial, sua música nos lembra da importância de olhar para dentro, de enfrentar nossos demônios e de encontrar beleza mesmo na dor. Ele foi, e sempre será, um dos maiores gênios da música moderna, um artista que soube transformar sua própria humanidade em arte.
Seu legado é um presente para as gerações presentes e futuras, um lembrete de que a música pode ser muito mais que entretenimento: pode ser um refúgio, um abraço, um grito de liberdade. Chris Cornell, genial e eterno, vive em cada nota, cada verso, cada coração que ele tocou. E, enquanto sua música ecoar, ele nunca estará realmente ausente.
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Sugar Baby: Os Perigos da Imersão no Mundo Virtual
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As vezes, esse degustador de filmes e séries assiste algo e passa dias pensando se vale ou não apena escrever sobre e trazer aqui para sua leitura. Isso acontece porque escrevo desenjando que assista o filme e veja se compartilha das mesmas impressões que passo no texto. Mas, no caso desse filme escrevi assim que terminei de assistir, agora apresento a resenha para seu deleite.
O filme “Sugar Baby” (2021), dirigido por Mélissa Larivière, é uma reflexão perturbadora e atual sobre os perigos de viver imerso no mundo virtual. A trama acompanha a jovem Emma, interpretada por Noémie O’Farrell, que, em busca de validação e conexão, mergulha em um relacionamento virtual com um homem mais velho, explorando as dinâmicas de poder e as ilusões criadas pelas redes sociais e plataformas digitais. O filme não apenas retrata a busca por afeto em um ambiente digital, mas também expõe as armadilhas psicológicas e emocionais que surgem quando a vida real é substituída por uma realidade virtual.
Um dos pontos fortes do filme é a maneira como ele aborda a solidão contemporânea. Emma, uma jovem introvertida e insegura, encontra no mundo virtual um refúgio onde pode reinventar-se e sentir-se desejada. No entanto, essa fuga rapidamente se transforma em uma prisão, onde as fronteiras entre o real e o virtual se confundem.
A direção de Larivière é eficaz ao usar planos fechados e cores frias para transmitir o isolamento da protagonista, enquanto as cenas nas redes sociais são saturadas e brilhantes, simbolizando a falsa promessa de felicidade que o mundo digital oferece.
A crítica ao consumismo e à objetificação do corpo feminino também é central na narrativa. Emma, ao se envolver em um relacionamento de “sugar baby”, acaba sendo reduzida a um produto, negociando sua imagem e afeto em troca de atenção e presentes. O filme questiona até que ponto as plataformas digitais, ao incentivarem a exibição constante da vida privada, contribuem para essa mercantilização das relações humanas. A personagem de Emma torna-se um símbolo da geração que cresceu sob a influência das redes sociais, onde a autoestima é frequentemente medida por likes e seguidores.
No entanto, o filme peca em alguns momentos por sua abordagem superficial de temas complexos. A relação entre Emma e seu “sugar daddy” poderia ter sido explorada com maior profundidade, especialmente no que diz respeito às motivações psicológicas de ambos. Além disso, o final, embora impactante, parece apressado e deixa questões importantes sem resposta, como o impacto a longo prazo dessa experiência na vida da protagonista.
Apesar dessas falhas, “Sugar Baby” é um alerta necessário sobre os perigos de viver imerso no mundo virtual. O filme nos lembra que, embora a internet possa oferecer conexões instantâneas e uma sensação de pertencimento, ela também pode ser um espaço de alienação e exploração. Em uma era em que a vida online muitas vezes substitui a vida real, “Sugar Baby” serve como um espelho perturbador de nossas próprias vulnerabilidades e da facilidade com que podemos nos perder na ilusão do mundo digital.
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Ponte para Terabítia e a Importância de Sonhar
Esse degustador de filmes e séries traz para você mais uma resenha da hora! Desta vez, quero escrever sobre um filme que já assisti inúmeras vezes e sempre fico emocionado com a mensagens que ele transmite. Me pego pensando sobre como tantas crianças e jovens, nativos das redes sócias, jamais viveram aventuras experimentadas pelas crianças do filme.
Ponte para Terabítia, (2007), dirigido por Gábor Csupó é baseado no livro homônimo de Katherine Paterson, é um filme que transcende a simples classificação de “história infantil”. Ele aborda temas profundos como amizade, perda, superação e, principalmente, a importância de sonhar. A narrativa acompanha Jess Aarons (Josh Hutcherson), um garoto solitário e criativo que vive em um ambiente familiar difícil, e Leslie Burke (AnnaSophia Robb), sua nova vizinha e colega de escola, que traz consigo uma imaginação vibrante e uma perspectiva de vida transformadora.
O filme começa apresentando Jess como um menino introspectivo, que encontra refúgio em seus desenhos e na corrida, sua única forma de se destacar. No entanto, é a chegada de Leslie que abre as portas para um mundo de possibilidades. Juntos, eles criam Terabítia, um reino imaginário onde são rei e rainha, livres das limitações do mundo real. Esse espaço mágico simboliza o poder dos sonhos e da imaginação como ferramentas para enfrentar a realidade, muitas vezes dura e desencorajadora.
A relação entre Jess e Leslie é o coração do filme. Leslie ensina Jess a sonhar mais alto, a ver beleza onde antes só havia monotonia, e a enfrentar seus medos. Ela representa a força transformadora da amizade e da criatividade, mostrando como os sonhos podem nos libertar das amarras da vida cotidiana. No entanto, o filme também não tem medo de abordar a dor e a perda, elementos que fazem parte da jornada de crescimento de Jess. A tragédia que ocorre no enredo serve como um lembrete de que, mesmo diante da dor, os sonhos e as memórias podem nos sustentar.
A mensagem central de “Ponte para Terabítia” é clara: sonhar não é um escape da realidade, mas uma forma de enriquecê-la. Através da imaginação, Jess e Leslie encontram coragem para enfrentar desafios, sejam eles bullying na escola ou conflitos familiares. O filme nos convida a refletir sobre como os sonhos podem nos ajudar a construir pontes entre o que somos e o que desejamos ser, mesmo quando o caminho parece impossível.
A direção de Csupó equilibra com sensibilidade o realismo e o fantástico, enquanto a trilha sonora e a fotografia reforçam a atmosfera mágica e emocional da história. As atuações de Hutcherson e Robb são cativantes, transmitindo a inocência e a profundidade de seus personagens.
Em suma, “Ponte para Terabítia” é uma obra que celebra a importância de sonhar, não como uma fuga, mas como uma ferramenta de transformação pessoal. Nos lembra que, mesmo nos momentos mais sombrios, a imaginação pode ser uma luz guia, ajudando-nos a encontrar significado e esperança.
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O Rei do Povo: Uma crônica atemporal sobre o fanatismo religioso
Religiões são utilizadas por espertalhões ao longo dos séculos como forma de manipular as massas, é algo que podemos constatar historicamente sem muito esforço, basta olhar pastores que de uma hora para outra ficam ricos manipulando a fé genuína de seus rebanhos, para pedir quantias volumosas de dinheiro que deveria ser para Deus, mas o que se vê é só a fortuna do líder aumentar, sem que esse trabalhe para isso. Mas, essa situação não acontece só com pastores, mas, também, padres e outros líderes religiosos. Não estou afirmando que todos são assim, porém existe um número significativo desses líderes espertalhões.
Essa resenha é sobre um filme baseado em fatos reais que demonstra bem como é feita esse tipo de manipulação para distorcer a fé.
A obra cinematográfica”O Rei do Povo” nos transporta para a Índia pré-independência, mergulhando-nos em um drama histórico que ecoa com inquietante atualidade. O filme, baseado em fatos reais, narra a corajosa luta de um jornalista, Karsandas Mulji, contra um poderoso líder religioso acusado de abuso de poder e conduta imoral.
A trama se desenrola como um thriller psicológico, onde a fé é manipulada como arma e a verdade se torna uma vítima. Mulji, interpretado de forma brilhante, desafia o status quo e expõe as falhas de um sistema que idolatra cegamente uma figura religiosa, transformando-o em um “rei do povo”. A jornada do jornalista é marcada por obstáculos, ameaças e a resistência de uma comunidade enraizada em dogmas.
A direção habilidosa e a fotografia rica em detalhes contribuem para criar uma atmosfera opressiva e tensa. A trilha sonora, por sua vez, intensifica as emoções, acentuando os momentos de confronto e suspense. O filme não poupa críticas ao fanatismo religioso, expondo os perigos da devoção cega e a fragilidade da fé quando manipulada por interesses obscuros.
“O Rei do Povo” vai além de uma simples denúncia, é um convite à reflexão sobre a natureza do poder, a importância da liberdade de expressão e o papel dos indivíduos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A história de Mulji nos inspira a questionar os dogmas, a buscar a verdade e a defender nossos valores, mesmo diante da adversidade.
Um dos pontos altos do filme é a construção dos personagens. Além de Mulji, outros personagens secundários são ricamente desenvolvidos, como os seguidores cegos do líder religioso, os familiares de Mulji e os demais envolvidos no processo judicial. As atuações são convincentes, transmitindo a complexidade de cada indivíduo e as nuances de suas motivações.
A relevância de “O Rei do Povo” transcende as fronteiras da Índia. O tema do fanatismo religioso é universal e atemporal, ecoando em diversas sociedades ao redor do mundo. O filme nos mostra como a manipulação da fé pode ser utilizada para controlar massas, sufocar o debate e perpetuar a injustiça.
Em suma, “O Rei do Povo” é um filme essencial para aqueles que buscam uma reflexão profunda sobre os perigos do fanatismo religioso e a importância da luta pela verdade. É uma obra que nos convida a questionar nossas crenças, a valorizar a liberdade de expressão e a construir um mundo mais justo e tolerante.
“O Rei do Povo” é um filme que merece ser visto e discutido. É uma obra que nos provoca, nos emociona e nos inspira a sermos cidadãos mais conscientes e engajados. Recomendo fortemente este filme para todos aqueles que se interessam por história, drama e questões sociais. É um filme que nos faz pensar e questionar, e que certamente deixará uma marca em quem o assistir.
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Baleia: uma imersão na solidão e a busca pelo amor
Sou um degustador de filmes, séries e tudo mais que o audiovisual produz, e tenho um grande prazer de, mais uma vez, em poucas linhas, te levar a conhecer meu ponto de vista sobre um longa metragem que vi essa semana. O filme se chama “The Whale” (A Baleia). Para apresentar essa obra, escolhi os caminhos do amor e da solidão como elementos principais na compreensão do roteiro do filme, nesse caso, do mapa que nos levará às profundezas desses sentimentos.
“A Baleia” é um drama psicológico americano, com roteiro escrito por Samuel D. Hunter, baseado em sua peça de mesmo nome. Foi dirigida por Darren Aronofsky e estrelado por Brendan Fraser, Sadie Sink, Hong Chau, Samantha Morton e Ty Simpkins. Seu lançamento aconteceu em 2022 no Festival Internacional de Cinema de Veneza e, três meses depois, foi lançado nos Estados Unidos.
A narrativa se desenrola em um apartamento claustrofóbico, onde Charlie, interpretado de forma magistral por Brendan Fraser, encontra refúgio em uma existência solitária e autodestrutiva. A obesidade, nesse contexto, não é apenas uma condição física, mas uma metáfora para o isolamento e a dor emocional que o personagem carrega.
A solidão de Charlie é palpável em cada cena. Seus dias se resumem a aulas online, fast food e a esperança de um contato humano genuíno. A relação com sua filha adolescente, Ellie, é marcada por ressentimentos e mágoas não resolvidas, pelo fato dele ter deixado ela e sua mãe para viver um relacionamento homoafetivo. Tudo se intensificou quando seu companheiro se suicidou, deixando o sentimento de vazio o consumir. A busca por conexão se torna a força motriz da história. Através de encontros com personagens que orbitam seu mundo, como a enfermeira Liz e o jovem missionário Thomas, Charlie busca resgatar a humanidade perdida e encontrar um propósito para sua vida.
É nesse contexto que a importância de viver o amor se revela, pois o amor não se limita à paixão romântica, mas se estende à amizade, à compaixão e ao perdão. A relação de Charlie com Liz, marcada pela gentileza e pelo cuidado, demonstra que o amor pode florescer nos lugares mais inesperados.
“A Baleia” é um filme que nos confronta com nossas próprias fragilidades e nos convida a refletir sobre a importância dos relacionamentos humanos. A obra, embora dura e realista, nos oferece uma mensagem de esperança, mostrando que mesmo em meio à dor e ao sofrimento, é possível encontrar a redenção e o amor.
A atuação de Brendan Fraser é simplesmente sensacional, o que lhe rendeu o Oscar de melhor ator. Sua interpretação visceral e emocionante nos leva a uma jornada emocional profunda, fazendo com que nos conectemos com a dor e a esperança de Charlie.
Apesar do filme se chamar “A Baleia”, não se trata de um título gordofóbico, esse nome está relacionado a uma redação feita por Ellie, filha de Charlie, sobre a obra Moby Dick, de Herman Melville, quando ela tinha oito anos, a qual ele guardava e sempre lia. A leitura dessa redação gerou uma cena forte e emocionante no final do filme.
Em suma, esta obra é essencial para aqueles que buscam uma reflexão profunda sobre a condição humana e nos convida a valorizar os relacionamentos e a busca pelo amor em todas as suas formas.
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A Elizabeth de Butterfly
A felicidade e a tragédia podem se instalar em nossas vidas do nada, por um acaso. Alguns chamam de destino, outros vão dizer que se instalaram porque assim eles planejaram. Bem, pode não ser assim, mas gosto de acreditar que é.
Um dia perguntei a uma amiga por que seu nome era Beth de Butterfly? Ainda lembro dela abrindo seu sorriso iluminado e respondendo que era porque Borboletas voam e são multicoloridas. Juro que não entendi a resposta, porém se faz sentido para ela, é o que vale.
Enquanto escrevo, parece que estou vendo sua pele branca, de menina de classe média alta, muito bem criada, sem uma única marquinha em toda ela, parecendo um pêssego recém colhido. Filha única, de uma casual de juízes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, tratada a pão de ló, sem jamais, durante a infância ou juventude, ter passado por qualquer dificuldade. Quando penso em definir a personalidade de Butterfly, a primeira coisa que me vem à cabeça é que ela é uma típica representante do modelo que a sociedade judaica-cristã-javélica-pós-exílio-na-Babilônia apregoa, pois vive nos padrões, presa, sabe-se lá por quê, para quê.
Butterfly graduou-se em Direito e passou logo de cara na prova da OAB, porém nunca exerceu a profissão, gerando desgosto aos seus pais. Hoje, aos 28 anos, vive de restaurar obras sacras. Os únicos excessos que sei que comete, ou já comenteu são: às sextas-feiras, juntamente com as amigas Natasha e Sara, tomarem três cervejas no Beco da Lama e chegarem em casa depois das 22 horas.
No entrevero das coisas confusas minha amiga, peço-lhe perdão por revelar aqui algo tão íntimo e tão seu, um segredo confiado a mim, portanto deveria ser só nosso, mas agora tornarei público.
Eu que conheço a verdade, porque já li João Andrade, Adélia Prado, Adélia Costo, conheço na profundidade os escritos e manuscritos de Ozany Gomes, e com esses autores descobri a liberdade, sei que não existe pecado abaixo da linha do equador.
E sobre sonho bom e realidade, vou introduzir outro personagem nessa trama, o Demunnus.
Demunnus, em seus 19 anos de vida, habitante do mundo equidistante do do de Elizabeth de Butterfly. O moço, um pescador de profissão, cresceu no berço das necessidades básicas. Sem pai, mãe e sobrenome, faz parte da tripulação do Sodoma I, barco pesqueiro que a cada 15 dias parte da Tavares de Lira, rumo as proximidades do Atol das Rocas, onde realiza a capitura de alguns peixes, que são comercializados em nossa cidade. Segundo Elizabeth, ele tem a cor da noite, é possuidor de um sorriso capaz de iluminar uma cidade de 751 mil habitantes e o corpo tem uma beleza física impossível de descrever.
Tudo se encaminhava para mais uma sexta-feira comum na cidade do Natal, mas comum é muitas vezes questão de ponto de vista, nesta noite iria ocorrer no Beco da Lama, um mega show com as apresentações de Carlos Zens e Pedinho Mendes, transformando mais uma sexta em algo surreal. Mal o dia nasceu no horizonte da cidade, Natasha e Sara já se telefonavam para combinar o encontro, pois não poderiam perder essas apresentações por nada. Acertaram que dessa vez iriam ficar mais tempo para curtir o que o Beco tem para oferecer.
Lá do Olimpo, a Deusa Verdand aprontava para que a sexta ganhace um siginificado mágico para todo o sempre, pois o destino colocava em movimento um plano para um amor nascer.
Em outra parte da cidade, Demunnus também se preparava para ir ao Beco da Lama, porque um cliente seu, o Pedro Abche, que sempre lhe comprava peixes, tinha lhe falado sobre o show, e ele gostou da ideia, já que na madrugada da sexta para o sábado iria partir no Sodoma I, na Tavares de Lira, e passar 15 dias no mar.
O dia passou rápido, sem muitas intenções, como uma piscadela de olhos já era noite e o Beco da Lama estava com tanta gente que nem formiga cabia mais. As amigas estavam lá com suas cervejas e vestidos de contos de fadas. Demmus já estava lá também, vestindo um jens surrado, tênis maneiro e carreando na cintura o seu brinquedo de furar moletom. O moço só andava maquinado, devido alguns inimigos que fez ao londo da curta vida.
Carlos Zens cantava “A Flor Xanana”, quando o esbarrão entre Butterfly e Demunnus aconteceu, foi um choque que mudou a percepção da realida de Butterfly, levando-a para outro universo, muito mais lúdico e delicado, onde outra flor, que não é a Xanana, seria deflorada com vigor e carinho. Seus corpos se comunicaram, não houve palavra alguma, mas o desejo de ser um para o outro surgiu. Demunnus tomou a iniciativa e a levou para outro lugar e Butterfly só foi, sem nem pensar se deveria ir ou não. Depois, em um lugar escuro e longe da multidão, mãos bobas passeavam pelos corpos nada bobos. Beijos fizeram seu batom sumir. Tudo durou o tempo que teve que durar. Logo em seguida o rapaz falou que tinha que ir, pois estava na hora do barco zarpar do cais, mas voltaria em 15 dias e queria reencontrá-la. Despediram-se e ela voltou correndo para as amigas, lembrando da loucura de ter ficado com aquele cara que carregava uma arma na cintura, mas que seus olhos haviam aberto todos os portão da sua alma. Pedro Mendes cantou Linda Baby, e o show e os sonhos terminam.
A partir dali, acompanho o drama da minha amiga Elizabeth de Butterfly nos últimos sete meses. A cada 15 dias, ela vai ao Beco da Lama, agora sem suas amigas, apenas comigo, seu amigo confidente.
Infelizmente, o reencontro jamais aconteceu, pois alguns dias depois daquela sexta-feira mágica, li no jornal “O Potengi” que o barco Sodoma I sumiu, sem deixar pistas, em algum lugar entre Natal e o Atol das Rocas. Nem barco, nem tripulação foram encontrados.
Em meio aquela situação, sugeri que a menina que crescia no ventre da minha amiga receba o nome de Lilith de Butterfly. Por quê? Porque tudo que é belo e livre, voa, como o amor.
Sei que não fui justo com minha amiga ao escrever todas essas coisas, tornando sua história pública, só necessitei falar de beleza e de tragédia. Espero que um dia me perdoe.
Enquanto escrevo, não sai da minha cabeça Fafá de Belém cantando: “Foi assim, Como um resto de sol no mar, Como a brisa da preamar, Nós chegamos ao fim…”
Crônicas