O neurocientista Sidarta Ribeiro abriu sua fala no Flipipa (Festival Literário da Praia de Pipa), no Rio Grande do Norte, com um alerta que soou mais como diagnóstico do tempo presente do que previsão: “A gente está vivendo um momento de ficção científica. E não é metáfora.” Com voz pausada e pensamento afiado, ele entrelaçou ciência, espiritualidade e política para descrever um planeta febril, uma humanidade à beira do colapso e, ainda assim, capaz de regeneração.
Em um auditório lotado, Sidarta, que é professor titular e um dos fundadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, abordou temas como a guerra em Gaza, a ascensão da extrema-direita, o patriarcado e a crise ambiental, conectando todos a um mesmo sintoma: a doença de um sistema que perdeu o senso de limite. “O discurso do crescimento sem fim é o discurso do câncer”, afirmou, ao criticar a lógica econômica que considera insustentável. Citando a filósofa bell hooks, denunciou o “patriarcado supremacista branco capitalista predatório”, que, segundo ele, “destrói povos, florestas e sonhos”.
Mas o tom não é apenas de denúncia — é também de urgência e possibilidade. “A pandemia mostrou que o sistema pode parar. E precisa parar para ser consertado”, disse, lembrando que o problema da humanidade é ético, não técnico. Para ele, o que falta é gestão coletiva e vontade política de mudar o curso. Essa transformação, acredita, começa pela consciência e pela escola, “a instituição mais estratégica da humanidade”.
Sidarta também chamou atenção para o impacto das telas na vida psíquica. “Nos últimos 15 anos, as telas estão sonhando por nós. Se cada cinco minutos livres a gente olha para o celular, quando é que a nossa máquina de sonhar sonha?”, questionou. Para o pesquisador, a perda da capacidade de sonhar está ligada à perda de empatia e à erosão da coesão social.
Entre as pautas progressistas, ele destacou o avanço do debate sobre a maconha. “A cannabis é um remédio milenar. A criminalização foi racista e sempre teve cor. Agora, a luta das mães de crianças com epilepsia mudou tudo”, lembrou. Defendeu que a planta seja incorporada ao SUS e às práticas de fitoterapia, como reparação social.
Ao encerrar, Sidarta voltou ao fio condutor de sua fala: o tempo. “A gente tem urgência. O ano que vem temos encontro marcado com o fascismo. E precisamos vencer — mas vencer para mudar o país.” O público respondeu com longos aplausos, enquanto o neurocientista, sereno, insistia em seu convite radical: “Parar o sistema”.






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