É raro que Nova York, que dita tendências e movimentos culturais para o mundo, veja suas eleições locais ganharem projeção global. Desta vez, porém, o pleito que escolherá o novo prefeito, na próxima terça-feira (4), está no centro das atenções internacionais. O motivo tem nome e rosto: Zohran Mamdani, 34 anos, deputado estadual, muçulmano, socialista e fenômeno das redes sociais.
Com seu carisma e domínio das linguagens digitais, Mamdani desbancou o veterano Andrew Cuomo nas primárias do Partido Democrata e se tornou o favorito para comandar a metrópole que nunca dorme. Sua ascensão meteórica começou de forma inusitada — durante uma maratona, anunciou sua candidatura pelo TikTok, rede onde acumula 1,6 milhão de seguidores e mais de 23 milhões de curtidas. Em poucos meses, tornou-se a nova face de um Partido Democrata em busca de renovação.
Mais sobre Mamdani
Nascido em Kampala, capital de Uganda, filho da cineasta indiana Mira Nair e de um acadêmico ugandês, Mamdani cresceu em Nova York, onde aprendeu a falar a língua — e as dores — dos nova-iorquinos. Fluente em seis idiomas, ele canalizou sua campanha em torno da crise que mais afeta a classe trabalhadora local: a moradia.
Em uma cidade onde o aluguel médio ultrapassou US$ 4 mil em 2025, suas propostas — como o congelamento dos aluguéis para dois milhões de inquilinos e a construção massiva de moradias populares — ecoaram fortemente entre os eleitores. A promessa de “um teto acessível para todos” tornou-se o símbolo de uma campanha que une pautas sociais, críticas ao poder econômico e um discurso inclusivo que valoriza imigrantes, muçulmanos, negros e a comunidade LGBTQIA+.
Mamdani também defende transporte público gratuito, creches subsidiadas e tributação progressiva sobre grandes fortunas. Em um de seus vídeos mais comentados, afirmou: “Francamente, não acho que deveríamos ter milionários”. A frase sintetiza o contraste entre ele e boa parte do establishment político de Nova York — e atraiu o apoio de jovens, trabalhadores e imigrantes, que veem nele uma alternativa ao pragmatismo tecnocrático dos governos recentes.
A disputa
Mas o caminho até a prefeitura não é livre de obstáculos. Derrotado nas primárias, Andrew Cuomo — ex-governador e figura histórica do Partido Democrata — lançou candidatura independente, com o apoio do atual prefeito Eric Adams, que desistiu da reeleição. Adams tem atacado Mamdani duramente, acusando-o de “não respeitar a polícia” e “não tratar a segurança como prioridade”.
O tom da disputa subiu. Nas últimas semanas, Cuomo e seus aliados vêm retratando Mamdani como “extremista islâmico”. O próprio Donald Trump o chamou de “lunático comunista” e prometeu “não permitir” que ele governe Nova York. Em resposta, Mamdani denunciou o uso da islamofobia como arma política. “Ainda existem certas formas de ódio que continuam sendo aceitáveis nesta cidade”, disse em discurso no Centro Islâmico do Bronx, após ataques públicos de seus adversários.
Apesar da ofensiva, as pesquisas indicam que Mamdani mantém liderança confortável, seguido de Cuomo e do republicano Curtis Sliwa, que resiste a pressões para desistir da disputa. O apoio de bilionários ao ex-governador e o discurso “lei e ordem” da oposição contrastam com a linguagem digital, direta e emocional do socialista ugandense, que costuma se dirigir aos eleitores como “irmãos e irmãs de Nova York”.
A estratégia lembra, em certo sentido, a de Donald Trump — o uso massivo das redes sociais para driblar a mídia tradicional e criar uma conexão direta com o público. A diferença é o conteúdo: enquanto Trump ergueu sua base com medo e exclusão, Mamdani aposta na solidariedade e na redistribuição.
Um novo tipo de político
Com sua mistura de fé muçulmana, ativismo social e senso estético de influenciador digital, Zohran Mamdani representa um novo tipo de político: globalizado, antissistêmico e hábil na disputa simbólica das telas. Sua vitória — ou derrota — terá implicações que ultrapassam Nova York, ecoando como um teste sobre os limites e o futuro da esquerda nos Estados Unidos.
Se eleito, o jovem socialista africano se tornará o primeiro muçulmano e o primeiro imigrante a governar Nova York. Um feito que, de certo modo, confirma o espírito de uma cidade que sempre foi laboratório das mudanças culturais, sociais e políticas do mundo contemporâneo.






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