Quase duas décadas após a criação da Lei Maria da Penha, o Rio Grande do Norte figura entre os 13 estados que não cumprem o prazo legal de 48 horas para analisar pedidos de medidas protetivas. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), obtidos pelo jornal Folha de São Paulo, revelam que mulheres potiguares enfrentam demoras significativas para obter proteção contra agressores, mesmo em situações de risco iminente.
A legislação, criada para coibir a violência contra a mulher, estabelece que pedidos de proteção devem ser analisados em até dois dias quando há risco à integridade física, psicológica, sexual ou patrimonial. No entanto, a realidade no Rio Grande do Norte mostra um cenário diferente.
Por aqui há alta demora na proteção. Segundo o juiz Fábio Ataíde, que atua no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, as medidas protetivas nos cinco juizados especializados do tribunal são geralmente analisadas dentro do prazo legal.

O prazo se estende, porém, quando o juiz determina diligências antes de decidir sobre o pedido. Em outros casos, a concessão ocorre dentro do prazo legal, mas os dados apontam atrasos porque o sistema registra a análise apenas após o auto de prisão do acusado.
“As medidas não são concedidas automaticamente. Cada pedido é analisado individualmente, com base nas circunstâncias do caso. Não há um tipo específico de medida que seja rejeitado de forma sistemática, mas, na maioria dos indeferimentos, a causa está na ausência de elementos suficientes que indiquem risco atual à vítima”, disse o Tribunal de Justiça do estado à Folha de São Paulo.
Especialistas atribuem o problema a uma combinação de fatores estruturais. A escassez de varas especializadas em violência doméstica obriga juízes de outras áreas a acumularem processos, criando um gargalo no sistema. Além disso, a exigência de provas documentais em casos de violência psicológica e patrimonial – contrariando jurisprudências que consideram o relato da vítima como suficiente – acaba por retardar ainda mais as decisões judiciais.
O problema se agrava quando se analisa a efetividade das medidas concedidas. Muitas mulheres relatam que, mesmo após obterem a proteção judicial, enfrentam dificuldades para fazer valer seus direitos, seja pela falta de fiscalização ou pela demora na prisão de agressores que descumprem as ordens judiciais.

Enquanto isso, o Conselho Nacional de Justiça tenta modernizar o sistema com a implantação de uma plataforma digital que permitirá o pedido de medidas protetivas pela internet. A iniciativa, prevista para entrar em operação ainda este semestre, pode representar um avanço, mas especialistas alertam que a solução definitiva passa por investimentos em estrutura física e capacitação de profissionais.
Para as mulheres potiguares em situação de risco, no entanto, as promessas de melhoria chegam tarde. Enquanto o poder público não priorizar a efetiva aplicação da Lei Maria da Penha, elas continuarão esperando por uma proteção que, por lei, deveria ser imediata. Cada dia de atraso na análise de seus pedidos representa não apenas um descumprimento legal, mas uma vida em perigo.
Apesar dos avanços, especialistas apontam que ainda há resistência por parte do Judiciário para conceder medidas protetivas nos casos de violência psicológica e patrimonial. Além disso, muitos juízes exigem provas e impõem prazos curtos de vigência da proteção, o que pode comprometer sua efetividade, segundo especialistas.
A Lei Maria da Penha prevê diferentes medidas protetivas, que podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, conforme a gravidade do caso. Com a sanção do chamado Pacote Antifeminicídio, em 2024, a penalidade para o descumprimento da lei foi ampliada. Antes, a pena era de 3 meses a 2 anos de detenção; agora, passou a ser de 2 a 5 anos de reclusão.
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