Agricultores e produtores rurais do município de Serra do Mel, a cerca de 250 km de Natal, moveram uma ação judicial contra a multinacional Voltalia, responsável por 40 empreendimentos eólicos na região. Na denúncia, os trabalhadores acusam a empresa de provocar sérios impactos ambientais, sociais e econômicos após a instalação dos aerogeradores, com prejuízos diretos à produção agrícola, à saúde da população e até à manutenção de direitos fundamentais, como acesso ao crédito rural e à aposentadoria.
A ação foi protocolada no último dia 21 de maio por meio da Frente Parlamentar da Agricultura Familiar do RN (Fetarn), da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RN) e do Serviço de Assistência Rural e Urbano (SAR-RN). Entre os principais pedidos, está a paralisação imediata das obras dos quatro últimos parques eólicos planejados para a região até que seja realizado um Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) — o que, segundo os autores, nunca foi exigido por causa da fragmentação dos empreendimentos, que teriam sido licenciados de forma isolada.
“Reduzindo artificialmente o porte de cada projeto, a Voltalia evitou apresentar um estudo mais robusto de impacto ambiental e social. Isso mascarou os efeitos que a operação conjunta de dezenas de torres teria sobre a vida da comunidade”, afirmou o advogado Felipe Vasconcellos, que representa os produtores na ação coletiva.
Impactos negativos
Um dos pontos centrais da denúncia é a ocorrência da chamada “Síndrome da Turbina Eólica”, que reúne sintomas como transtornos de ansiedade, distúrbios do sono, dores de cabeça constantes e irritabilidade — condições associadas à proximidade das torres eólicas em áreas habitadas. Segundo dados do Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (Sisab), houve um aumento de mais de 14.000% nos casos dessas enfermidades em Serra do Mel desde 2022, ano em que a maioria dos parques entrou em operação.
A ação argumenta que muitas torres foram instaladas a menos de 300 metros das casas de agricultores, quando estudos internacionais recomendam distância mínima de dois quilômetros. “É como dormir ao lado de um motor de 150 metros de altura funcionando sem parar”, disse Vasconcellos.
Diante disso, o processo solicita a realocação dos aerogeradores mais próximos das residências e que os agricultores afetados recebam remuneração equivalente à capacidade de produção dos equipamentos (em kilowatt-hora) durante a transição.
Além das questões de saúde, os produtores relatam danos severos às lavouras de caju, castanha e mel, as principais fontes de renda da região. A poeira constante causada pelas obras prejudica a fotossíntese e a floração das plantas, reduzindo a produtividade. A presença dos aerogeradores também espantou abelhas, essenciais para a polinização do cajueiro, e tornou o uso de maquinário agrícola inviável dentro dos lotes, pela falta de espaço.
“Eles perceberam que a qualidade e a quantidade da produção caíram drasticamente, o que compromete a própria subsistência e renda dessas famílias”, apontou o advogado.
Outro ponto crítico levantado na ação diz respeito aos contratos firmados com a empresa para cessão de uso das terras. Segundo os agricultores, os documentos limitaram o uso das propriedades a ponto de inviabilizar o acesso a benefícios como o Pronaf (crédito rural para agricultura familiar) e a condição de segurado especial da Previdência, essencial para a aposentadoria rural.
Além disso, os contratos impõem cláusulas consideradas abusivas, como uma taxa vitalícia de 7,5% sobre os valores recebidos pelos produtores, destinada a um advogado intermediador — cláusula que prevê, inclusive, a hereditariedade do direito de recebimento dessa comissão. “É um contrato que causa um desequilíbrio extremo em desfavor dos agricultores. Por isso, estamos pedindo a nulidade de pelo menos 50% desses termos”, explicou Vasconcellos.
Dentre os pedidos da ação, destaca-se a solicitação de indenização por dano moral coletivo e ambiental no valor mínimo de R$ 106 milhões, equivalente a 7,5% do lucro operacional da Voltalia em 2024. O montante, segundo a ação, deve reparar os danos à paisagem, à fauna, à saúde pública e à agricultura familiar da região.
O processo também pede a criação de um programa de apoio psicológico e médico para os moradores que vivem próximos às torres e relatam sintomas associados à Síndrome da Turbina Eólica.
O que diz a empresa
Procurada, a Voltalia informou por meio de nota que ainda não foi oficialmente notificada sobre a ação judicial. A empresa declarou que cumpre “rigorosamente a legislação brasileira” e adota “as melhores práticas do setor”, com processos “contratuais coletivos, participativos e transparentes”.
Apesar da declaração, os autores da ação reforçam que o processo só foi movido após tentativas frustradas de diálogo e escuta junto à comunidade. Em 2023, audiências públicas e assembleias foram realizadas para compilar os relatos e consolidar as denúncias em uma ação coletiva.
*Com informações do g1RN
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