A Polícia Federal encontrou evidências de que os R$ 48,7 milhões pagos pelo Consórcio Nordeste em 2020 para a aquisição de respiradores pulmonares – equipamentos nunca entregues – foram desviados por meio de uma série de transferências bancárias irregulares. Segundo as investigações, parte significativa do dinheiro público foi usada para cobrir despesas pessoais, como a compra de veículos de luxo e o pagamento de dívidas de cartão de crédito.
O caso ganhou novos detalhes em reportagem publicada pelo UOL nesta segunda-feira (28). De acordo com a PF, a empresa Hempcare, contratada para fornecer os equipamentos, esvaziou suas contas em pouco mais de um mês, repassando integralmente os recursos recebidos para terceiros sem qualquer relação com a transação. Entre os beneficiários, um adquiriu três veículos – incluindo um SUV Volkswagen Touareg e um caminhão Mercedes-Benz –, enquanto outro quitou R$ 150 mil em faturas de cartão.
Os indícios apontam ainda que parte dos recursos foi usada para pagar mensalidades escolares de filhos de um dos investigados. “Chama atenção que até mesmo gastos com cartões de crédito, no valor de R$ 149 mil, tenham sido cobertos com dinheiro originalmente destinado à compra de respiradores”, destacou um trecho do processo.
A PF constatou que pelo menos R$ 5 milhões circularam por empresas do setor imobiliário e fundos de investimento, sem jamais chegar a fornecedores legítimos de equipamentos médicos. O Rio Grande do Norte, que repassou R$ 5 milhões do total, foi um dos estados prejudicados.
Contrato polêmico e delação premiada
Em 2020, o Consórcio Nordeste, então presidido por Rui Costa – atual ministro da Casa Civil –, firmou o contrato com a Hempcare, empresa sem experiência na área de ventiladores pulmonares. O pagamento foi realizado de forma antecipada, mas os equipamentos nunca foram entregues.
Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) absolveu Carlos Gabas, ex-secretário-executivo do consórcio, responsável pela autorização do pagamento. A decisão ignorou um parecer técnico que apontava irregularidades na contratação.
Em delação premiada, a empresária Cristiana Prestes, dona da Hempcare, admitiu ter pago R$ 11 milhões em comissões a lobistas que se apresentaram como intermediários do governo. Um deles, Cleber Isaac, teria alegado proximidade com Rui Costa e sua esposa, Aline Peixoto. Cristiana devolveu R$ 10 milhões em seu acordo de colaboração, mas o restante do dinheiro permanece desaparecido.
A PF rastreou parte dos repasses, que foram direcionados a contas de empresas de fachada e investimentos. Em agosto de 2023, uma operação resultou na apreensão de documentos e no bloqueio de bens de envolvidos. O caso, que tramitava na Justiça Federal da Bahia, foi remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) após mudança no entendimento sobre foro privilegiado.
As defesas
Procurado, Rui Costa não se manifestou sobre as novas revelações. Anteriormente, sua assessoria afirmou que o ministro determinou a abertura de investigação na Bahia e que, durante a pandemia, compras com pagamento antecipado eram comuns. “Ele nunca negociou com intermediários e espera que os responsáveis sejam punidos”, disse a nota.
A defesa de Gabas alegou que ele seguiu pareceres jurídicos que validavam a contratação. Já os advogados de Cristiana Prestes e Cleber Isaac não se pronunciaram. Isaac, em depoimento à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte em 2021, negou ter intermediado o negócio, embora admitisse amizade com Rui Costa.
O lobista Fernando Galante, citado nas transferências suspeitas, não foi localizado para comentários. O juiz Fábio Ramiro determinou o bloqueio de bens ligados ao caso, na tentativa de recuperar parte dos recursos desviados. A investigação segue sob análise do ministro Og Fernandes, no STJ.
TCU absolveu Rui Costa em caso
O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu, por maioria, afastar a responsabilidade do ministro da Casa Civil, Rui Costa, sobre a compra dos 300 ventiladores pulmonares durante a pandemia de Covid-19.
O processo no TCU foi arquivado por 5 votos a 2, incluindo o de ministros como Bruno Dantas, Walton Alencar, Benjamin Zymler, Aroldo Cedraz e Antonio Anastasia. Dantas foi o autor do voto que livrou os gestores de sanções, ao considerar o contexto de urgência da pandemia como atenuante para a tomada de decisão.
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