O erro na escolha
dos ministros do Supremo



por Daniel Costa

Com a aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso, abre-se mais uma vaga para o STF. Na Praça dos Três Poderes a escolha do seu sucessor é assunto que já toma conta das rodas de conversa. Até agora, os nomes mais cotados para substituí-lo são os de Jorge Messias, advogado-geral da União; Bruno Dantas, Ministro do Tribunal de Contas da União; e Rodrigo Pacheco, senador pelo PSD-MG.

O presidente Lula já andou dizendo por aí que não vai indicar um amigo, e que quer sugerir alguém com a “função específica de cumprir a Constituição brasileira”. Soa bem, mas a história recente recomenda cautela. Na prática, as exigências constitucionais do notório saber jurídico e da reputação ilibada têm sido frequentemente colocadas no bolso mais fundo do paletó.

Em quadras anteriores, Bolsonaro, Dilma Roussef e Lula cometeram o mesmo desatino agindo com idêntico desapego a alguns dos ditames da Carta Maior. André Mendonça foi escolhido por ser “terrivelmente evangélico”; Dias Toffoli por sua ligação com o PT; e Rosa Weber, pela amizade com Dilma.

Surge então a pergunta essencial: por que continuar aceitando esse estado de coisas? Não existiria outro critério minimamente eficiente para a nomeação de ministros do STF?
Antes de tudo, deve-se entender que essa possibilidade de escolha, desatrelada dos requisitos constitucionais para investidura, ocorre porque o modelo brasileiro permite que isso aconteça. O artigo 101 da CF prevê que o selecionado deverá ter mais de trinta e cinco anos de idade e menos de sessenta e cinco, com notável saber jurídico e reputação ilibada. Ele será nomeado pelo presidente da República, depois de aprovada a sua escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Essa sistemática, que em tese poderia funcionar bem, já que abarca o controle entre os poderes, nos moldes da clássica teoria da separação de Montesquieu, na prática se mostra um navio furado simplesmente porque não existe fiscalização recíproca. O que vigora é o velho jogo do toma lá, dá cá. No final das contas, tem-se uma sabatina de fachada, com o nome já definido nos bastidores, sem que exista uma séria discussão pública a respeito das credenciais dos juristas que disputam a vaga.
Para contornar esse imbróglio, algumas pessoas entendem que a saída seria por meio da realização da eleição do magistrado. A população escolheria o ministro do STF através do voto, como acontece no caso do presidente da República e dos senadores, estabelecidas condições mínimas para o exercício da função. Simples assim.
Já outra turma, acha que a nomeação pelo presidente deveria se dar a partir de uma lista tríplice, em que o ministro seria escolhido por uma comissão formada por sete instituições, dentre as quais se encontrariam a OAB, o MP e o próprio Supremo.

Mas a verdade sem roupa é que tanto o sistema da eleição, quanto o modelo da lista tríplice, não parecem ser o melhor caminho. No primeiro caso, o critério do saber jurídico seria completamente fulminado. Existiriam passeatas e debates em horário eleitoral. Ao final, ocuparia o cargo o jurista mais sagaz (sabe-se lá com o apoio de quantos políticos e empresários). Já o critério da lista tríplice, também não resolveria o nó górdio. A escolha do nome do ministro se daria na base do lobby, que encontraria fértil terreno entre os representantes das tais sete instituições.
Dentre tantas outras propostas, a melhor saída parece estar naquela que acrescentaria mais dois requisitos aos já previstos na Constituição. Isto é, além dos critérios da idade, do notório saber, da reputação ilibada, de ser brasileiro nato e de estar no gozo dos direitos políticos, seriam adicionados os requisitos do exercício do cargo por tempo determinado e a exigência de que o escolhido seja proveniente da magistratura. Nesse segundo ponto, ficariam as vagas restritas aos juízes de carreira. Com isso, o lobby seria fragilizado, o nível jurídico e a independência estariam minimamente preservados, haveria o prestígio do know how de quem passou a vida julgando processos, e as más escolhas não permaneceriam desfiando desserviços ao país, por tempo indeterminado.
Talvez essa seja a estrada menos pedregosa, aquela que teria poupado o país de escolhas equivocadas e preservado o prestígio da Suprema Corte. Mais do que discutir nomes, portanto, é hora de repensar o sistema. O Supremo não precisa de ministros leais a presidentes, mas de juízes leais à Constituição.

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O erro na escolha
dos ministros do Supremo

por Daniel Costa

Com a aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso, abre-se mais uma vaga para o STF. Na Praça dos Três Poderes a escolha do seu sucessor é assunto que já toma conta das rodas de conversa. Até agora, os nomes mais cotados para substituí-lo são os de Jorge Messias, advogado-geral da União; Bruno Dantas, Ministro do Tribunal de Contas da União; e Rodrigo Pacheco, senador pelo PSD-MG.

O presidente Lula já andou dizendo por aí que não vai indicar um amigo, e que quer sugerir alguém com a “função específica de cumprir a Constituição brasileira”. Soa bem, mas a história recente recomenda cautela. Na prática, as exigências constitucionais do notório saber jurídico e da reputação ilibada têm sido frequentemente colocadas no bolso mais fundo do paletó.

Em quadras anteriores, Bolsonaro, Dilma Roussef e Lula cometeram o mesmo desatino agindo com idêntico desapego a alguns dos ditames da Carta Maior. André Mendonça foi escolhido por ser “terrivelmente evangélico”; Dias Toffoli por sua ligação com o PT; e Rosa Weber, pela amizade com Dilma.

Surge então a pergunta essencial: por que continuar aceitando esse estado de coisas? Não existiria outro critério minimamente eficiente para a nomeação de ministros do STF?
Antes de tudo, deve-se entender que essa possibilidade de escolha, desatrelada dos requisitos constitucionais para investidura, ocorre porque o modelo brasileiro permite que isso aconteça. O artigo 101 da CF prevê que o selecionado deverá ter mais de trinta e cinco anos de idade e menos de sessenta e cinco, com notável saber jurídico e reputação ilibada. Ele será nomeado pelo presidente da República, depois de aprovada a sua escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Essa sistemática, que em tese poderia funcionar bem, já que abarca o controle entre os poderes, nos moldes da clássica teoria da separação de Montesquieu, na prática se mostra um navio furado simplesmente porque não existe fiscalização recíproca. O que vigora é o velho jogo do toma lá, dá cá. No final das contas, tem-se uma sabatina de fachada, com o nome já definido nos bastidores, sem que exista uma séria discussão pública a respeito das credenciais dos juristas que disputam a vaga.
Para contornar esse imbróglio, algumas pessoas entendem que a saída seria por meio da realização da eleição do magistrado. A população escolheria o ministro do STF através do voto, como acontece no caso do presidente da República e dos senadores, estabelecidas condições mínimas para o exercício da função. Simples assim.
Já outra turma, acha que a nomeação pelo presidente deveria se dar a partir de uma lista tríplice, em que o ministro seria escolhido por uma comissão formada por sete instituições, dentre as quais se encontrariam a OAB, o MP e o próprio Supremo.

Mas a verdade sem roupa é que tanto o sistema da eleição, quanto o modelo da lista tríplice, não parecem ser o melhor caminho. No primeiro caso, o critério do saber jurídico seria completamente fulminado. Existiriam passeatas e debates em horário eleitoral. Ao final, ocuparia o cargo o jurista mais sagaz (sabe-se lá com o apoio de quantos políticos e empresários). Já o critério da lista tríplice, também não resolveria o nó górdio. A escolha do nome do ministro se daria na base do lobby, que encontraria fértil terreno entre os representantes das tais sete instituições.
Dentre tantas outras propostas, a melhor saída parece estar naquela que acrescentaria mais dois requisitos aos já previstos na Constituição. Isto é, além dos critérios da idade, do notório saber, da reputação ilibada, de ser brasileiro nato e de estar no gozo dos direitos políticos, seriam adicionados os requisitos do exercício do cargo por tempo determinado e a exigência de que o escolhido seja proveniente da magistratura. Nesse segundo ponto, ficariam as vagas restritas aos juízes de carreira. Com isso, o lobby seria fragilizado, o nível jurídico e a independência estariam minimamente preservados, haveria o prestígio do know how de quem passou a vida julgando processos, e as más escolhas não permaneceriam desfiando desserviços ao país, por tempo indeterminado.
Talvez essa seja a estrada menos pedregosa, aquela que teria poupado o país de escolhas equivocadas e preservado o prestígio da Suprema Corte. Mais do que discutir nomes, portanto, é hora de repensar o sistema. O Supremo não precisa de ministros leais a presidentes, mas de juízes leais à Constituição.



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