O eleito de Álvaro: como a Secretaria Municipal de Educação virou comitê eleitoral em 2024

A Justiça Eleitoral confirmou ontem (20) a manutenção do ex-prefeito Álvaro Dias como réu no processo que apura o esquema de abuso de poder econômico e político que teria manipulado a eleição municipal de Natal em 2024. O Potengi dá início hoje à série “Senhores de Natal”, elucidando o papel dos principais envolvidos no esquema…

5 3 Avaliações
Article Rating
Subscribe
Notify of
0 Comentários
Anterior
Próximo Mais Votados
Inline Feedbacks
Ver Todos
Ícone de crédito Daniell Rendall. Foto: Verônica Macedo / CMN.

Nas proximidades de uma escola na Zona Oeste de Natal, em meados de setembro de 2024, dois homens aguardavam um dos veículos que foram disponibilizados pela “coordenação” para levá-los aos seus destinos. “Pra onde mesmo que a gente vai?”, pergunta um deles. O outro apenas dá de ombros, também não sabe o ponto final do transporte. Ambos trabalham na escola ali perto, por meio de uma empresa que oferece serviços terceirizados, contratada pela Secretaria Municipal de Educação de Natal (SME).

Por volta das 16h30, os dois chegam ao Versailles Recepções, juntamente a levas de outros terceirizados, cargos comissionados e mesmo concursados da área de educação do município. Naquele momento outros ônibus ligados à Secretaria de Educação, carros oficiais e veículos da Assistência Social já tomavam os estacionamentos das ruas circunvizinhas. De todos os lados surgiam pessoas com uniformes de empresas terceirizadas e de escolas, muitas usando adesivos coloridos daquele que era apresentado como “o candidato da mulher de Álvaro”.

“A gente só sabia que tinha que ir. O transporte era garantido e nos buscava no ponto marcado”, revelaria um desses servidores, posteriormente, em depoimento ao Ministério Público Eleitoral (MPE). O evento em questão era o que o órgão aponta como um ato eleitoral do então candidato Daniel Rendall, que concorria pelo número 10.999 e, até pouco meses antes, era diretor do Departamento de Recursos Humanos da Secretaria de Educação, e também nada menos que “fiscal dos contratos de terceirizados de mão de obra, no âmbito da SME”, como informa a própria Prefeitura de Natal, em suas alegações ao Ministério Público.

“Quem é visto é lembrado”, dizia o material de campanha encaminhado a funcionários da SME pela coordenadora da campanha de Rendall, Marta Duarte. Imagem: MPE.

O caso é descrito em detalhes na denúncia apresentada pelo MPE à Justiça Eleitoral no início do mês, exemplificando o que, segundo o órgão, se tratou do emprego da máquina pública para favorecer a candidatura de Rendall, seja através do uso irregular da frota da Prefeitura, seja através da pressão a servidores comissionados ou terceirizados para participar de eventos de sua campanha política. A chamada Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) tem como alvo, além do próprio Daniel Rendall, o ex-prefeito de Natal, Álvaro Dias (Republicanos), o atual prefeito, Paulinho Freire (União), a vice-prefeita, Joanna Guerra (Republicanos), e o vereador Irapoã Nóbrega (Republicanos).

Convocações

Nos dias que antecederam o evento no Versailles Recepções, mensagens em grupos de WhatsApp de servidores e terceirizados da Prefeitura de Natal circularam com as convocações. “Amanhã tem compromisso importante para todos”, dizia o texto enviado por um coordenador municipal, no dia 16. Os funcionários sabiam o que isso significava: presença obrigatória em um ato de campanha.

Servidores da Secretaria de Educação de Natal fizeram denúncia pública contra o assédio que teria sido promovido pelo então pré-candidato Daniell Rendall. Imagem: MPE.

E o evento de 17 de setembro de 2024 foi um sucesso. “Mais de 2 mil corações pulsando por uma Natal mais justa e próspera”, foi como Rendall descreveu o ato em seu Instagram. Mas não foi fácil lograr essa vitória. Uma gigantesca máquina teve de ser posta em movimento, e isso chamou a atenção das autoridades, que um ano antes já haviam recebido denúncia de servidores sobre o uso da SME para impulsionar a candidatura a vereador de um assessor de Álvaro Dias.

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), produzida pelo Ministério Público, mostra que, para garantir o sucesso do comício de 17 de setembro, houve a  liberação de carros oficiais de forma coordenada – o que também ocorreu em outros momentos da campanha, sempre em datas e horários de eventos eleitorais de aliados do prefeito.

Mensagens de WhatsApp, relatadas na denúncia, reforçam a existência de uma rede de servidores e contratados responsáveis pela logística de transporte para os eventos de Rendall.

Também diversos depoimentos colhidos durante a investigação confirmam que servidores e colaboradores terceirizados foram pressionados a participar dos eventos, sob ameaça de retaliação ou demissão, conforme consta no documento do MPE. O esquema criava um clima de intimidação, no qual funcionários da Prefeitura temiam perder o emprego caso não participassem ativamente da campanha.

Coação e assédio 

Testemunhas relataram ao Ministério Público que os funcionários não tinham escolha. “Nosso nome estava em uma lista. Sabiam quem iria e quem não iria”, afirmou um servidor da Prefeitura que, por medo de represálias, preferiu não se identificar.

O destino dos veículos variava, mas os eventos sempre seguiam um padrão: discursos exaltando os feitos da gestão municipal, promessas de continuidade e um forte apelo à fidelidade política. Os servidores eram instruídos a registrar sua presença em fotos e vídeos para alimentar as redes sociais dos candidatos. “Se não aparecêssemos nos registros, poderiam dizer depois que não estávamos comprometidos”, contou outro funcionário, que igualmente optou pelo sigilo da fonte.

Ainda durante a campanha eleitoral, funcionários da Secretaria Municipal de Educação de Natal tornaram públicas denúncias sobre “HUMILHAÇÕES E ABUSOS a que estamos sendo submetidos […] PRESSÃO PSICOLÓGICA e ASSÉDIO MORAL por parte do Sr. DANIEL RENDAL”.

Na “Denúncia Pública”, os trabalhadores ainda afirmam que “sua equipe de coordenadores diz que ele tem as costas largas e protegidas, pois é o candidato da primeira dama de Natal, que ela é uma juíza e que nada o atingirá”.

Na carta que publicaram, esses servidores reafirmaram a existência de “lista de presença obrigatória” para os funcionários da Secretaria em eventos da campanha de Rendall.

Daniell Rendall

Daniell Rendall foi eleito vereador já em sua primeira experiência nas urnas, tendo sido o quinto mais votado da capital em 2024, obtendo 7.417 votos. Isso depois de uma campanha na qual declarou gastar menos de 95 mil dos 130 mil reais arrecadados (teria sobrado dinheiro). 

Embora Rendall tenha informado à Justiça Eleitoral que “Não há bens a declarar”, ele possuía um capital difícil de avaliar: o poder sobre o sustento de mais de 2.500 famílias – uma estimativa aproximada do número de empregados terceirizados da SME, feita a partir dos relatórios do MPE. Tamanha influência decorria do fato de ter sido diretor do Departamento de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Educação, além de, como já dito, fiscal dos contratos de terceirizados de mão de obra na secretaria. 

Um áudio que consta das investigações do Ministério Público revela com detalhes esclarecedores como as ações para favorecer Rendall eram realizadas. Nele, uma diretora se dirige aos funcionários de uma escola do município. Vejam a transcrição da mensagem:

“Pessoal, eu recebi uma ligação da Secretaria e ela trabalha com o Daniell [Daniell Rendall]. E o Daniell vai ser candidato a vereador, né? Então, ela ligou para saber se pode contar com o nosso apoio. E aí eu disse a ela que sim.

Então, ela citou os nomes das pessoas que o Daniell indicou na lista para ajudar, apoiar. E ela foi citando e eu fui confirmando. E se você está recebendo essa mensagem é porque o seu nome está na lista, tá bom? Então, assim, a gente precisa dar esse apoio porque a gente sabe como as coisas funcionam, né? Então, eles vão entrar em contato.

Coisas que vocês já sabem, que já acontecem desde a outra época, né? Então, por favor, se entrarem em contato vocês já sabem, tá bom?

A diretora parece estar com medo de retaliações, caso seus funcionários “indicados por Daniell” não saibam o que devem fazer quando o pessoal da SME entrar em contato com eles para tratar do apoio à candidatura de Rendall.

Em outro áudio, do mesmo dia 23 de fevereiro de 2024, a diretora parece tentar, sem muito sucesso, ser menos direta na mensagem que quer passar. A seguir, trechos dessa mensagem, que tem 3 minutos e 53 segundos (grifos da reportagem):

00:19
“A semana retrasada eu estive lá na Secretaria da Educação pra uma reunião com o Daniell [Rendall], certo? Pra tratar algumas demandas aí da escola. E como vocês sabem, a gente está num ano extremamente político. Muitas pessoas na Secretaria da Educação atrás de emprego, muitas pessoas sendo demitidas, enfim. Muita gente entrando, muita gente saindo, então a gente está num ano que a gente precisa ser visto, né, e aí ele tem lá o nome de vocês e de quem tá ligado algum vereador.

01:13
Então, ele tá agregando o nome de vocês à candidatura dele, certo? Diz que são pessoas que não se mexe, né, pessoas que estão com ele, que aqui no patrocínio ele conta com vocês.

01:31
“[…] eu ouvi diretamente dele […] O voto é de vocês, as escolhas são de vocês, mas dou a vocês uma dica que eu dei a um dos colegas de trabalho de vocês alguns dias atrás e que quase era demitido, né. Que eu disse a ele: apoie o candidato que lhe mantém aqui no emprego, principalmente nesse ano de política, porque as demissões estão aí, né, chegando.

02:16
Então, obviamente, faz quem quer, nada é obrigatório, mas acho importante, às vezes, a gente mostrar que tá ali apoiando, que tá pra ser visto, né? […] Ele vai mandar um ônibus pra pegar, esse ônibus sai daqui da Zona Norte às três horas, né, às quinze horas, e leva lá pro Versailles. […] eu acho que cada um, seu voto é opcional, mas diante das possibilidades, também, como ele mesmo me deu o nome de vocês que estão aqui, como pessoas que ele confia, pessoas que ele conta aqui no patrocínio, então, eu só tô repassando o recado pra vocês, tá bom? Um abraço em todos.

Stand-up de Rendall

Outra das estratégias utilizadas para mobilizar o apoio dos empregados da Secretaria de Educação foi a realização de eventos sob a justificativa de capacitação profissional. Ocorre que, na prática, as “formações” eram apenas eventos de campanha eleitoral.

Um dos exemplos mais emblemáticos desse expediente “criativo” foi o chamado Stand-Up Formativo, protagonizado por ele mesmo, Daniell Rendall.

Segundo as investigações do Ministério Público, o evento, inicialmente apresentado como uma palestra de formação para servidores terceirizados da SME, era, na verdade, um encontro político travestido de capacitação. Durante essas reuniões, a candidatura de Daniell Rendall era promovida abertamente, e os participantes eram incentivados a demonstrar apoio ao candidato.  

Novas mensagens de WhatsApp obtidas pelo MPE mostram que gestores da Secretaria convocaram terceirizados para participarem do evento, salientando que a presença era importante para a continuidade de seus contratos de trabalho.

Em depoimentos colhidos pelos investigadores, funcionários relataram que se sentiram pressionados a comparecer, temendo represálias ou a perda de seus empregos caso não demonstrassem engajamento com a candidatura apoiada pela administração municipal.

O MPE aponta que esse tipo de evento fez parte de uma estratégia coordenada de abuso de poder político, na qual “recursos públicos, infraestrutura governamental e cargos comissionados foram utilizados como moeda de troca eleitoral”.



O eleito de Álvaro: como a Secretaria Municipal de Educação virou comitê eleitoral em 2024

A Justiça Eleitoral confirmou ontem (20) a manutenção do ex-prefeito Álvaro Dias como réu no processo que apura o esquema de abuso de poder econômico e político que teria manipulado a eleição municipal de Natal em 2024. O Potengi dá início hoje à série “Senhores de Natal”, elucidando o papel dos principais envolvidos no esquema…

Ícone de crédito Daniell Rendall. Foto: Verônica Macedo / CMN.

Nas proximidades de uma escola na Zona Oeste de Natal, em meados de setembro de 2024, dois homens aguardavam um dos veículos que foram disponibilizados pela “coordenação” para levá-los aos seus destinos. “Pra onde mesmo que a gente vai?”, pergunta um deles. O outro apenas dá de ombros, também não sabe o ponto final do transporte. Ambos trabalham na escola ali perto, por meio de uma empresa que oferece serviços terceirizados, contratada pela Secretaria Municipal de Educação de Natal (SME).

Por volta das 16h30, os dois chegam ao Versailles Recepções, juntamente a levas de outros terceirizados, cargos comissionados e mesmo concursados da área de educação do município. Naquele momento outros ônibus ligados à Secretaria de Educação, carros oficiais e veículos da Assistência Social já tomavam os estacionamentos das ruas circunvizinhas. De todos os lados surgiam pessoas com uniformes de empresas terceirizadas e de escolas, muitas usando adesivos coloridos daquele que era apresentado como “o candidato da mulher de Álvaro”.

“A gente só sabia que tinha que ir. O transporte era garantido e nos buscava no ponto marcado”, revelaria um desses servidores, posteriormente, em depoimento ao Ministério Público Eleitoral (MPE). O evento em questão era o que o órgão aponta como um ato eleitoral do então candidato Daniel Rendall, que concorria pelo número 10.999 e, até pouco meses antes, era diretor do Departamento de Recursos Humanos da Secretaria de Educação, e também nada menos que “fiscal dos contratos de terceirizados de mão de obra, no âmbito da SME”, como informa a própria Prefeitura de Natal, em suas alegações ao Ministério Público.

“Quem é visto é lembrado”, dizia o material de campanha encaminhado a funcionários da SME pela coordenadora da campanha de Rendall, Marta Duarte. Imagem: MPE.

O caso é descrito em detalhes na denúncia apresentada pelo MPE à Justiça Eleitoral no início do mês, exemplificando o que, segundo o órgão, se tratou do emprego da máquina pública para favorecer a candidatura de Rendall, seja através do uso irregular da frota da Prefeitura, seja através da pressão a servidores comissionados ou terceirizados para participar de eventos de sua campanha política. A chamada Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) tem como alvo, além do próprio Daniel Rendall, o ex-prefeito de Natal, Álvaro Dias (Republicanos), o atual prefeito, Paulinho Freire (União), a vice-prefeita, Joanna Guerra (Republicanos), e o vereador Irapoã Nóbrega (Republicanos).

Convocações

Nos dias que antecederam o evento no Versailles Recepções, mensagens em grupos de WhatsApp de servidores e terceirizados da Prefeitura de Natal circularam com as convocações. “Amanhã tem compromisso importante para todos”, dizia o texto enviado por um coordenador municipal, no dia 16. Os funcionários sabiam o que isso significava: presença obrigatória em um ato de campanha.

Servidores da Secretaria de Educação de Natal fizeram denúncia pública contra o assédio que teria sido promovido pelo então pré-candidato Daniell Rendall. Imagem: MPE.

E o evento de 17 de setembro de 2024 foi um sucesso. “Mais de 2 mil corações pulsando por uma Natal mais justa e próspera”, foi como Rendall descreveu o ato em seu Instagram. Mas não foi fácil lograr essa vitória. Uma gigantesca máquina teve de ser posta em movimento, e isso chamou a atenção das autoridades, que um ano antes já haviam recebido denúncia de servidores sobre o uso da SME para impulsionar a candidatura a vereador de um assessor de Álvaro Dias.

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), produzida pelo Ministério Público, mostra que, para garantir o sucesso do comício de 17 de setembro, houve a  liberação de carros oficiais de forma coordenada – o que também ocorreu em outros momentos da campanha, sempre em datas e horários de eventos eleitorais de aliados do prefeito.

Mensagens de WhatsApp, relatadas na denúncia, reforçam a existência de uma rede de servidores e contratados responsáveis pela logística de transporte para os eventos de Rendall.

Também diversos depoimentos colhidos durante a investigação confirmam que servidores e colaboradores terceirizados foram pressionados a participar dos eventos, sob ameaça de retaliação ou demissão, conforme consta no documento do MPE. O esquema criava um clima de intimidação, no qual funcionários da Prefeitura temiam perder o emprego caso não participassem ativamente da campanha.

Coação e assédio 

Testemunhas relataram ao Ministério Público que os funcionários não tinham escolha. “Nosso nome estava em uma lista. Sabiam quem iria e quem não iria”, afirmou um servidor da Prefeitura que, por medo de represálias, preferiu não se identificar.

O destino dos veículos variava, mas os eventos sempre seguiam um padrão: discursos exaltando os feitos da gestão municipal, promessas de continuidade e um forte apelo à fidelidade política. Os servidores eram instruídos a registrar sua presença em fotos e vídeos para alimentar as redes sociais dos candidatos. “Se não aparecêssemos nos registros, poderiam dizer depois que não estávamos comprometidos”, contou outro funcionário, que igualmente optou pelo sigilo da fonte.

Ainda durante a campanha eleitoral, funcionários da Secretaria Municipal de Educação de Natal tornaram públicas denúncias sobre “HUMILHAÇÕES E ABUSOS a que estamos sendo submetidos […] PRESSÃO PSICOLÓGICA e ASSÉDIO MORAL por parte do Sr. DANIEL RENDAL”.

Na “Denúncia Pública”, os trabalhadores ainda afirmam que “sua equipe de coordenadores diz que ele tem as costas largas e protegidas, pois é o candidato da primeira dama de Natal, que ela é uma juíza e que nada o atingirá”.

Na carta que publicaram, esses servidores reafirmaram a existência de “lista de presença obrigatória” para os funcionários da Secretaria em eventos da campanha de Rendall.

Daniell Rendall

Daniell Rendall foi eleito vereador já em sua primeira experiência nas urnas, tendo sido o quinto mais votado da capital em 2024, obtendo 7.417 votos. Isso depois de uma campanha na qual declarou gastar menos de 95 mil dos 130 mil reais arrecadados (teria sobrado dinheiro). 

Embora Rendall tenha informado à Justiça Eleitoral que “Não há bens a declarar”, ele possuía um capital difícil de avaliar: o poder sobre o sustento de mais de 2.500 famílias – uma estimativa aproximada do número de empregados terceirizados da SME, feita a partir dos relatórios do MPE. Tamanha influência decorria do fato de ter sido diretor do Departamento de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Educação, além de, como já dito, fiscal dos contratos de terceirizados de mão de obra na secretaria. 

Um áudio que consta das investigações do Ministério Público revela com detalhes esclarecedores como as ações para favorecer Rendall eram realizadas. Nele, uma diretora se dirige aos funcionários de uma escola do município. Vejam a transcrição da mensagem:

“Pessoal, eu recebi uma ligação da Secretaria e ela trabalha com o Daniell [Daniell Rendall]. E o Daniell vai ser candidato a vereador, né? Então, ela ligou para saber se pode contar com o nosso apoio. E aí eu disse a ela que sim.

Então, ela citou os nomes das pessoas que o Daniell indicou na lista para ajudar, apoiar. E ela foi citando e eu fui confirmando. E se você está recebendo essa mensagem é porque o seu nome está na lista, tá bom? Então, assim, a gente precisa dar esse apoio porque a gente sabe como as coisas funcionam, né? Então, eles vão entrar em contato.

Coisas que vocês já sabem, que já acontecem desde a outra época, né? Então, por favor, se entrarem em contato vocês já sabem, tá bom?

A diretora parece estar com medo de retaliações, caso seus funcionários “indicados por Daniell” não saibam o que devem fazer quando o pessoal da SME entrar em contato com eles para tratar do apoio à candidatura de Rendall.

Em outro áudio, do mesmo dia 23 de fevereiro de 2024, a diretora parece tentar, sem muito sucesso, ser menos direta na mensagem que quer passar. A seguir, trechos dessa mensagem, que tem 3 minutos e 53 segundos (grifos da reportagem):

00:19
“A semana retrasada eu estive lá na Secretaria da Educação pra uma reunião com o Daniell [Rendall], certo? Pra tratar algumas demandas aí da escola. E como vocês sabem, a gente está num ano extremamente político. Muitas pessoas na Secretaria da Educação atrás de emprego, muitas pessoas sendo demitidas, enfim. Muita gente entrando, muita gente saindo, então a gente está num ano que a gente precisa ser visto, né, e aí ele tem lá o nome de vocês e de quem tá ligado algum vereador.

01:13
Então, ele tá agregando o nome de vocês à candidatura dele, certo? Diz que são pessoas que não se mexe, né, pessoas que estão com ele, que aqui no patrocínio ele conta com vocês.

01:31
“[…] eu ouvi diretamente dele […] O voto é de vocês, as escolhas são de vocês, mas dou a vocês uma dica que eu dei a um dos colegas de trabalho de vocês alguns dias atrás e que quase era demitido, né. Que eu disse a ele: apoie o candidato que lhe mantém aqui no emprego, principalmente nesse ano de política, porque as demissões estão aí, né, chegando.

02:16
Então, obviamente, faz quem quer, nada é obrigatório, mas acho importante, às vezes, a gente mostrar que tá ali apoiando, que tá pra ser visto, né? […] Ele vai mandar um ônibus pra pegar, esse ônibus sai daqui da Zona Norte às três horas, né, às quinze horas, e leva lá pro Versailles. […] eu acho que cada um, seu voto é opcional, mas diante das possibilidades, também, como ele mesmo me deu o nome de vocês que estão aqui, como pessoas que ele confia, pessoas que ele conta aqui no patrocínio, então, eu só tô repassando o recado pra vocês, tá bom? Um abraço em todos.

Stand-up de Rendall

Outra das estratégias utilizadas para mobilizar o apoio dos empregados da Secretaria de Educação foi a realização de eventos sob a justificativa de capacitação profissional. Ocorre que, na prática, as “formações” eram apenas eventos de campanha eleitoral.

Um dos exemplos mais emblemáticos desse expediente “criativo” foi o chamado Stand-Up Formativo, protagonizado por ele mesmo, Daniell Rendall.

Segundo as investigações do Ministério Público, o evento, inicialmente apresentado como uma palestra de formação para servidores terceirizados da SME, era, na verdade, um encontro político travestido de capacitação. Durante essas reuniões, a candidatura de Daniell Rendall era promovida abertamente, e os participantes eram incentivados a demonstrar apoio ao candidato.  

Novas mensagens de WhatsApp obtidas pelo MPE mostram que gestores da Secretaria convocaram terceirizados para participarem do evento, salientando que a presença era importante para a continuidade de seus contratos de trabalho.

Em depoimentos colhidos pelos investigadores, funcionários relataram que se sentiram pressionados a comparecer, temendo represálias ou a perda de seus empregos caso não demonstrassem engajamento com a candidatura apoiada pela administração municipal.

O MPE aponta que esse tipo de evento fez parte de uma estratégia coordenada de abuso de poder político, na qual “recursos públicos, infraestrutura governamental e cargos comissionados foram utilizados como moeda de troca eleitoral”.


5 3 Avaliações
Article Rating
Subscribe
Notify of
0 Comentários
Anterior
Próximo Mais Votados
Inline Feedbacks
Ver Todos