
por
Professor e psicanalista, doutor em Ciências Sociais.
Examina a política internacional e suas implicações
para a economia, a cultura e as relações de poder.
Todo lugar tem certas crendices que são compartilhadas por toda a sociedade, como uma marca antropológica a acompanhar aquele povo. No Brasil, a ilusão de uma certa segurança e estabilidade parece acompanhar o país, desde a gestão econômica feita pelo governo até o consentimento propiciado pelo brasileiro mais remoto, que muitas vezes entende essa gestão (ainda que acompanhada de arrochos e cortes) como necessária.
A política de juros no país, expressa na Taxa Selic, que deve ser reajustada novamente na próxima quarta (7), é um dos marcos dessa ilusão de estabilidade — e termina por ser o principal instrumento que retira do Brasil as condições para manter sua economia aquecida e competitiva, características fundamentais da economia globalizada que nós insistimos em manter amarradas.
Qual é a ilusão? Ora, em uma sociedade capitalista, o capital tem um ciclo vital, que envolve circulação, envolve transformação e envolve, especialmente, riscos e oscilações. Em nosso país, contudo, a insistência em manter a Taxa Selic alta nos situa frequentemente no topo do ranking global de juros mais altos do mundo. Qual o efeito disso? Ora, ela mantém o capital sempre em posição defensiva, travado, preso no circuito financeiro, rendendo juros, porém sem produzir um pé de feijão. Em vez de os investidores aplicarem seu capital em estradas, aeroportos, construção de hospitais, fomento de novas tecnologias e de políticas de bem-estar, eles simplesmente aplicam em títulos e deixam o dinheiro rendendo.
Esse é o estado da economia brasileira, com metade do orçamento preso a gastos com a dívida pública enquanto a taxa de investimento do país mal ultrapassa os 15%, ficando abaixo da média em qualquer critério que você escolher: seja economia global, seja a economia global mesmo tirando a China do ranking, seja só América Latina, etc. Ora, se a economia não cresce, a dívida nunca diminui. É matemática básica. Só que, para crescer, é preciso que o capital circule, ou seja, os juros não podem ser elevados demais.
Na prática, o que fazemos, ao manter a Taxa Selic em níveis tão altos, é transferir renda do povo para setores rentistas (justamente aqueles que não produzem nada ou produzem muito pouco, mas seguem enriquecendo), enquanto fechamos as portas para quem quer investir, gerar empregos, expandir a oferta de produtos. Em resumo, é como se estrangulássemos o próprio funcionamento do capitalismo no país. Isso explica a baixa competitividade brasileira na economia global: Essa economia é dinâmica, arrojada, veloz, aberta ao risco — tudo que o Brasil evita ser. O resultado é uma economia que, na prática, não cresce (pois o crescimento da inflação neutraliza o crescimento econômico) e fica sempre tentando consertar as contas com cada vez menos receita, ano após ano. É a estratégia perfeita para o desastre: o endividamento das famílias brasileiras talvez seja a principal manifestação disso.
No fundo, é como se fôssemos um país pré-capitalista, fugindo do risco e buscando uma segurança ao tentar fugir desse confronto com os tubarões do mercado global… só que essa segurança é inexistente. E o pior: em tempos de tarifaço de Trump, mais do que nunca, um país que quiser garantir bem-estar à sua população precisará se abrir ao risco. Não se conquista isso de outra forma.
Deixe um comentário