O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública para garantir o mínimo existencial à comunidade cigana do Município de Rafael Fernandes, no Rio Grande do Norte. O grupo vive em situação de extrema pobreza e não é plenamente reconhecido como comunidade tradicional.
A ação, com pedido de urgência, foi proposta na Justiça Federal e requer que seja determinado à União, Governo do Estado e Município que realizem a entrega imediata de cestas básicas à comunidade, além de medidas para garantia de direitos sociais fundamentais. Entre eles, o direito à moradia adequada, à segurança alimentar e nutricional e o direito à saúde. O objetivo final é a implementação de um plano de ação coordenado para o desenvolvimento da comunidade.
De acordo com relatos da liderança comunitária e diligência do MPF no local, a comunidade é formada por cerca de 12 famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social, dependentes de doações de ONGs, mendicância e benefícios assistenciais, como o Bolsa Família. Na chamada “Vila Cigana”, as famílias se dividem em apenas seis casas alugadas, e somente uma conta com água encanada.
O MPF identificou, no entanto, que o Cadastro Único tem o registro de apenas 14 pessoas autodeclaradas ciganas no município, o que indica uma possível desatualização do sistema. A comunidade relatou dificuldade para acesso a serviços públicos de saúde e assistência social, além de sofrerem discriminação em relação a sua cultura pelos demais cidadãos e responsáveis pelo atendimento em órgãos públicos.
Integrantes da comunidade reafirmam a descendência cigana, ligada à cidade de Lastro (PB), pertencentes à etnia Calon. Eles ocupam a vila em Rafael Fernandes (RN) há cerca de 30 anos e mantêm a tradição cigana passada de geração a geração, com expedições a cidades vizinhas (que chegam a durar meses) para obtenção de recursos a serem divididos pela comunidade e também a comemoração anual do Dia do Cigano (24 de maio).
Espera – Após quase dois anos de reuniões e requerimentos a órgãos federais, estaduais e municipais, o MPF concluiu que “os impulsionamentos junto aos órgãos públicos não surtiram efeitos significativos, dado que a maioria das ações discutidas e requisitadas por este órgão ministerial não foram implementadas na prática, persistindo a situação de extrema pobreza e vulnerabilidade social da comunidade cigana do Município de Rafael Fernandes”.
O MPF destaca que “não houve nenhum avanço nas tratativas entre os órgãos federais e estaduais para o fornecimento das cestas básicas ou do atendimento da comunidade cigana do Município de Rafael Fernandes em qualquer outro programa de segurança alimentar ou nutricional dos governos federal, estadual ou municipal, a despeito da persistência da situação de fome dentre os seus membros e do acionamento reiterado dos setores responsáveis”.
Pedidos – A ação civil pública pede que a Justiça determine o fornecimento imediato de 30 cestas básicas, entre os nove núcleos familiares indicados pela liderança cigana, e a inclusão das famílias ciganas no programa Ação de Distribuição de Alimentos (ADA), do Governo Federal. Também é sugerido um prazo de 30 dias para que o Estado do RN elabore diagnóstico situacional e socioterritorial da comunidade.
Além disso, foi solicitado que o Município de Rafael Fernandes seja obrigado a atualizar o Cadastro Único da comunidade, inscrever as famílias no programa Minha Casa Minha Vida e a realizar visita de equipe multidisciplinar de saúde à Vila Cigana. O Município também deverá elaborar, em 90 dias, plano de ação para implementação das diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Povo Cigano/Romani (Portaria MS nº 4.384/18).
Ao final do processo, o MPF pede à Justiça que obrigue a União, o Estado do RN e o Município a elaborarem um “Plano de Ação Coordenado para o Desenvolvimento da Comunidade Cigana do Município de Rafael Fernandes (RN)”, em até 180 dias. O plano deve ser desenvolvido com a participação da comunidade e incluir medidas estruturais de curto, médio e longo prazo. As ações do plano deverão ser mantidas por, pelo menos, cinco anos.
Povos ciganos – A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) defende que povos indígenas e tribais tenham seus direitos humanos garantidos, com foco na consulta, participação e autonomia para definir suas prioridades de desenvolvimento. O Decreto nº 6.040/2007 define Povos e Comunidades Tradicionais como grupos culturalmente diferenciados que dependem de seus territórios e tradições para sua reprodução social e cultural. Os povos ciganos são reconhecidos como comunidades tradicionais, com direito a suas formas próprias de organização, segundo os Decretos nº 8.750/2016 e nº 12.128/2024.
A ação civil pública tramita na 12a Vara da Justiça Federal no RN sob o número 0800551-36.2024.4.05.8404, Inquérito Civil nº 1.28.300.000007/2023-13.