A utilização irregular de inteligência artificial (IA) na pré-campanha das eleições municipais começou a ser punida pela Justiça Eleitoral, marcando um precedente inédito no cenário eleitoral brasileiro. Juízes de diversos tribunais regionais eleitorais já aplicaram multas e determinaram a remoção de conteúdos, principalmente relacionados ao uso de deepfakes, tecnologia que manipula imagens e áudios para criar declarações ou situações fictícias.
As decisões judiciais estão alinhadas com a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que estabelece regras para o uso da IA, exigindo que sua utilização seja identificada e proibindo categoricamente o uso de deepfake. Este tema tem sido uma prioridade da gestão da presidente do TSE, Cármen Lúcia, embora persistam divergências sobre como lidar com esses conteúdos.
Em Guarulhos, por exemplo, o prefeito Guti (PSD) foi multado em R$ 5 mil pelo TRE-SP por publicar um vídeo que usava IA. O vídeo mostrava o prefeito em meio a uma multidão gerada artificialmente, acompanhado da declaração “o dia que tiramos o PT do poder”. O caso foi acionado pelo partido opositor, levando o juiz Gilberto Costa a destacar a preocupação pública com o uso da IA, apontando as evidências de manipulação de imagem no vídeo.
Em Pernambuco, a Justiça Eleitoral determinou a remoção de um perfil no Instagram que havia compartilhado um deepfake com uma notícia falsa envolvendo o prefeito de Agrestina, Josué Mendes (PSB), utilizando a imagem alterada do apresentador William Bonner do Jornal Nacional.
Em Costa Rica (MS), o empresário e pré-candidato Waldeli Rosa (MDB) foi multado em R$ 10 mil por um vídeo manipulado do atual prefeito, Cleverson Alves (PP), no qual um áudio foi sobreposto ao vídeo original, comparando a população a cachorros.
A juíza Laísa Marcolini classificou o caso como uma “malversação da tecnologia através de deepfake”, enfatizando o potencial de confusão e erro induzidos pela tecnologia.
Por outro lado, houve casos de interpretação divergente, como o rejeitado pelo juiz Paulo Sorci, que não considerou como deepfake um vídeo envolvendo o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e o personagem Ken do filme “Barbie”.
Elder Maia Goltzman, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, observa que a Justiça Eleitoral está preparada para lidar com desafios da IA, porém ressalta que a tecnologia está sempre um passo à frente, exigindo adaptação constante.
A primeira decisão de repercussão envolvendo IA na campanha ocorreu no Paraná em janeiro, quando a Justiça ordenou que o WhatsApp bloqueasse um áudio falso do pré-candidato Silvio Barros (PP), elogiando seu adversário. O WhatsApp informou à Justiça que não encontrou o conteúdo original, o que complicou os esforços de combate à desinformação via aplicativos de mensagens.
Enquanto isso, o projeto de lei que regulamenta a IA no Brasil enfrenta dificuldades de tramitação no Senado, com a votação adiada sem nova data. O relator, Eduardo Gomes (PL-TO), assegura que o texto não afeta diretamente as eleições, destacando o acompanhamento atento do TSE sobre o tema.