O Rio Grande do Norte registrou 21 feminicídios entre janeiro e novembro de 2025, um aumento de 23% em relação ao ano anterior, quando foram contabilizadas 17 vítimas, segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesed). A delegada Victoria Lisboa, titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher das Zonas Leste, Oeste e Sul (DEAM/ZLOS), observa que o crescimento pode refletir tanto o aumento da violência quanto a maior procura das mulheres por ajuda. “Fazemos uma média de 12 boletins de ocorrência por dia”, disse.
Victoria alerta que não é possível afirmar se o crescimento decorre de mais agressões ou de maior busca por denúncia. O que se percebe, no entanto, é um padrão de violência cada vez mais cruel e premeditado. “O modo como os crimes estão sendo praticados tem um caráter muito pesado”, afirmou, destacando que não há um perfil único de vítima. As agressões atravessam classes sociais e regiões do estado, e a percepção equivocada de que feminicídios ocorrem apenas em contextos específicos impede que muitas mulheres reconheçam sinais de risco.
Mulheres de classes mais altas temem a exposição social ao denunciar, enquanto mulheres de classes baixas duvidam da eficácia do sistema de proteção. Para Victoria Lisboa, a celeridade na execução de medidas protetivas é essencial. “A rapidez faz toda a diferença”, afirmou, reforçando que o descumprimento de ordens judiciais pode resultar em prisão em flagrante e prevenir que a violência evolua para assassinato.
Casos recentes chocaram o país e expõem a vulnerabilidade das mulheres mesmo em ambientes considerados seguros. Em julho de 2025, Juliana Garcia dos Santos, de 35 anos, foi brutalmente espancada pelo ex-namorado em Natal/RN. As câmeras do condomínio registraram 61 socos, sendo fundamentais para a caracterização da tentativa de feminicídio. Em São Paulo, Tainara Souza Santos, de 31 anos, foi atropelada e arrastada pelo ex-companheiro, resultando na amputação das duas pernas. No Distrito Federal, a cabo Maria de Lourdes Freire Matos, de 25 anos, foi assassinada dentro de um quartel do Exército. Outros casos em São Paulo, como o de Daniele Guedes Antunes e Maria Katiane Gomes da Silva, reforçam o padrão de ataques letais pós-termino de relacionamento.
Dados nacionais revelam a gravidade do problema. Em 2025, o Brasil registrou 1.450 feminicídios, além de 2.485 homicídios dolosos e lesões corporais seguidas de morte contra mulheres. O Mapa Nacional da Violência de Gênero aponta que 58% das mulheres que sofreram violência não procuraram delegacias, revelando subnotificação significativa. Entre os agressores, 62% eram maridos ou companheiros, 11% ex-companheiros e 8% namorados. Em 71% das agressões, havia testemunhas, muitas vezes crianças, evidenciando o impacto da violência sobre toda a família.
No Rio Grande do Norte, o avanço dos feminicídios intensificou a atuação da Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa (ProMulher), criada em 2023. O órgão atua na articulação legislativa, implementação de políticas públicas, Salas Lilases, campanhas educativas e parcerias com Justiça, saúde e educação. A interiorização das ações tornou-se prioridade diante do acesso limitado a serviços especializados fora da capital.
A educação é vista como estratégia de prevenção de longo prazo. O projeto Maria da Penha vai às Escolas trabalha letramento de gênero com adolescentes da rede pública. “Quando levamos o debate para dentro das escolas, plantamos sementes de respeito que protegerão as mulheres do amanhã”, afirma a deputada Cristiane Dantas.
O cenário reforça a urgência de ação articulada e imediata para prevenir a violência e proteger as mulheres. Para especialistas, denunciar cedo e buscar apoio pode ser decisivo: o silêncio, muitas vezes, é o fator que permite que a violência evolua para casos letais.






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