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Pontualmente, às 6 horas da manhã do dia 6 de dezembro de 2024, uma equipe do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) chegou à sede do partido Republicanos, na avenida Floriano Peixoto, Petrópolis, para cumprir mandado de busca e apreensão no escopo da Operação Voto Livre.
Como o ocupante da sede se recusou a conceder acesso ao interior do prédio para a equipe policial, uma Ordem de Arrombamento foi emitida e a força tarefa adentrou o espaço, onde ficaria até as 8h40, colhendo provas para uma investigação em curso na Justiça Eleitoral.
Ao todo, foram colhidas na sede do partido do então prefeito Álvaro Dias 388 páginas de provas que viriam a embasar o processo judicial que corre na Justiça Eleitoral e pede a cassação do mandato do prefeito Paulinho Freire (UB), de dois vereadores e a inelegibilidade do ex-prefeito da capital, Álvaro Dias.
O que dizem as provas colhidas na sede do Republicanos
Dentre as 388 páginas de provas documentais que o GAECO apreendeu na sede do partido Republicanos, constam documentos já de 2019 – poucos meses após Álvaro Dias assumir a Prefeitura de Natal em decorrência da renúncia de Carlos Eduardo, que concorreria ao Governo do Estado em 2018.
Todos os indícios apontam para que o esquema denunciado nas eleições de 2024 tenha sido implantado na administração municipal imediatamente após Álvaro assumir o comando do Palácio Felipe Camarão, sede da municipalidade.
Embora não fosse um dos objetivos da operação judicial, os documentos apreendidos revelam que era no partido de Álvaro que se realizavam os “negócios” da Prefeitura. Ali, lideranças comunitárias eram recebidas e tinham seus “pedidos” anotados e encaminhados para figuras-chave da administração a fim de serem “encaminhados”.
Na sede do partido, se decidiam a liberação de recursos públicos para eventos que beneficiariam lideranças ligadas a Álvaro Dias. Havia ali, também, um ativo balcão de negociação de empregos na Prefeitura, como atestam as dezenas de currículos e relatórios encontrados pelo GAECO.
Havia também listas com cargos comissionados e empregos em empresas terceirizadas que estavam disponíveis para uso político. Ao lado de vários dos nomes presentes nas relações, encontra-se anotações do tipo “Pref/Adjuto”, indicando na cota de quem o favorecido estaria. Diversos vereadores e lideranças comunitárias também têm os seus “indicados”.
O Plano 2021-2024 de Álvaro Dias
No mesmo dia, o GAECO ainda realizou uma operação de busca e apreensão na sede da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos de Natal (SEMSUR), onde foram apreendidas mais 180 páginas de documentos que provam o esquema denunciado pelo Ministério Público.
Um dos documentos arrolados como prova na denúncia contra Álvaro Dias, Paulinho Freire e outros se intitula Análise 2021-2024 – período que compreende o segundo mandato de Álvaro como prefeito de Natal. No meio deste mandato, o ex-prefeito elegeria seu filho, Adjuto Dias, deputado estadual.
O documento em questão, nas palavras do MPE, trata-se de um “levantamento do quantitativo dos empregados terceirizados alocados na SME, SMS, SEMSUR, SEMTAS e URBANA, e dos cargos comissionados da atual gestão”. São 4.350 empregos distribuídos nos cinco órgãos citados. Há ainda o registro de uma orientação que diz que, no segundo mandato de Álvaro, “será formado um governo com a maior parte dos terceirizados”. Mas qual seria a finalidade deste projeto de priorizar a contratação de terceirizados? O próprio Ministério Público responde:
“Assim, o documento apreendido na SEMSUR evidencia uma estratégia de governo direcionada à articulação política, consistente na possibilidade de demissão do elo mais vulnerável da relação jurídica: o empregado terceirizado. Tal medida visava torná-los suscetíveis a manipulações para assegurar apoio político.
“Desse modo, o que se perpassou nas eleições de 2024 fora exatamente a descrição posta no documento sobredito, através da vinculação de terceirizados nas diversas secretarias municipais, onde os superiores exerciam sobre estes uma verdadeira coação sobre o apoio político, cuja inobservância trazia a ameaça de demissão do emprego que garantia sua respectiva subsistência.”
Um guia para a imoralidade
O documento apreendido na SEMSUR traz ainda algumas instruções claras de como os cargos devem ser divididos entre os aliados do prefeito. O presidente da Câmara de Vereadores, por exemplo, tem direito à indicação de 20 empregados a mais que seus colegas de parlamento; o líder do prefeito, 10. Vereador em seu terceiro mandato faz jus a “50 cargos”; estreantes, 30.
E ao fim, um registro um tanto ameaçador: “Estratégia: Demissão 100%“.
Os detalhes da forma como o esquema de Álvaro Dias operava não param por aí.

Também a sede da Secretaria Municipal do Trabalho e Assistência Social de Natal (SEMTAS) foi alvo da operação daquele 6 de dezembro. Nas 172 páginas de provas apreendidas pelo GAECO, consta uma listagem de cargos da Secretaria com os nomes de seus ocupantes e de seus respectivos “padrinhos” – aqueles a quem eles “devem o emprego”. Mas é uma seção ao final do documento, intitulada OBSERVAÇÕES IMPORTANTES. Eis o seu conteúdo:
1 – Sei que esse pessoal todo que Genildo atende são pessoas que em sua maioria estão rondando o gabinete do Prefeito.
2 – Evitar + de 01 para lideranças. Trabalhar essas lideranças para compartilhar, para as ações do Secretário, assim farão jus a um plus.
3 – Entrevistar para saber se já existem familiares já empregados, evitando que uma mesma casa tenham 2, 3 pessoas.
4 – Tomar cuidado com certas situações, pois existem os “bestinhas” que pedem para fulano e sicrano entregarem ao prefeito o currículo. Ubaldo faz isso sempre!!!
5 – Tentar com essas lideranças um diálogo de compromisso, pois muitos vão querer dizer que o compromisso é só com Álvaro, como eu mesmo já testemunhei.
Diante dos fatos revelados pelas investigações da Justiça Eleitoral, ganham relevância as questões levantadas pelo Ministério Público Eleitoral em sua denúncia:
“Diante do robusto conjunto probatório aqui apresentado, cabe a seguinte indagação: foram justas as eleições municipais de 2024 em Natal? É possível afirmar que o resultado do pleito reflete a vontade livre e soberana do eleitor natalense, quando milhares de servidores públicos e terceirizados foram coagidos, direta ou indiretamente, a apoiarem determinados candidatos sob pena de perderem seus empregos?”