A síndrome do vira-lata e a importância de escrever na língua nativa

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Ótima resenha. “Você não disse que re contra…” rsss

Essa resenha é fruto de uma conversa que tive outro dia, na mesa de um bar bastante conhecido da nossa cidade, e que me levou a perceber, de certa forma, o quanto podemos nos decepcionar com as pessoas.

Em uma mesa próxima à minha, rolava um papo sobre descolonização. A conversa surgiu devido à indignação de uma moça que se chateou porque outra pessoa, presente no local, mencionou o Auto de Natal e, naquele momento, cantou uma música religiosa católica. Isso levou a moça a declarar que detestava pessoas colonizadas.

Eu, muito metido, disse:
— Também detesto!

Então, começamos a conversar. Mas, no decorrer do diálogo, para minha surpresa, do nada, a pessoa afirmou que, para sermos respeitados, precisamos falar e escrever em inglês. Não resisti e perguntei:
— Você acabou de dizer que é contra a colonização e, ao mesmo tempo, aceita que sua própria língua seja menosprezada em relação a outras?

Ela não gostou da pergunta e usou o nome de vários teóricos para se justificar, mencionando suas teorias. Respondi que fiquei decepcionado e não aceitava essa ideia de autoridade sem debate. Mas ela seguiu com seu discurso e, para minha surpresa, a pessoa que estava com ela — que, inclusive, faz parte do circuito cultural aqui do estado — disse que ela estava certa, pois a cultura europeia e a americana são o centro.

Bem, escrevo aqui meu desabafo e espero a opinião de vocês.


A Síndrome do Vira-Lata é um conceito que reflete a autoimagem negativa que muitos indivíduos ou povos têm de si mesmos, especialmente em contextos pós-coloniais. O termo, cunhado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, remete à ideia de que pessoas ou nações historicamente subjugadas tendem a se enxergar como inferiores — como “vira-latas” — em comparação com culturas dominantes, especialmente as europeias ou norte-americanas.

Essa síndrome manifesta-se na desvalorização da própria cultura, língua e tradições, em favor de uma suposta superioridade estrangeira. No Brasil, por exemplo, isso se reflete na preferência por produtos, ideias e até mesmo pela língua inglesa, vista como símbolo de status e modernidade, em detrimento do português e das expressões culturais locais.

Escrever na língua nativa é um ato de resistência e autoafirmação. A língua é um dos pilares fundamentais da identidade cultural, carregando consigo histórias, valores e visões de mundo únicas. Ao rejeitar a imposição de uma língua estrangeira como norma de excelência, reafirmamos nossa autonomia e valorizamos nossas raízes.

O português, no caso do Brasil, é um patrimônio que reflete a diversidade e a riqueza de nossa formação cultural, mesclando influências indígenas, africanas e europeias. Negar essa herança em favor de uma língua estrangeira é, de certa forma, perpetuar o colonialismo cultural que nos foi imposto.

A descolonização passa, necessariamente, pela revalorização da língua materna. Autores como Ngũgĩ wa Thiong’o, escritor queniano, defendem que a língua é um instrumento tanto de dominação quanto de libertação. Ao escrever em sua língua nativa, o autor resgata a voz de seu povo e desafia as estruturas de poder que privilegiam as línguas dos colonizadores.

No contexto brasileiro, isso significa reconhecer o português não como uma herança colonial opressora, mas como uma ferramenta de expressão e resistência, adaptada e transformada por nós ao longo dos séculos. Rejeitar a supremacia de uma língua estrangeira não significa negar a importância do diálogo com outras culturas, mas sim afirmar que nossa voz tem valor próprio.

A globalização e o domínio do inglês como língua franca muitas vezes reforçam a Síndrome do Vira-Lata, fazendo com que subestimemos nossa capacidade de produzir conhecimento e arte em nossa língua. No entanto, é justamente na diversidade linguística e cultural que reside a riqueza da humanidade.

Portanto, escrever na língua nativa é um ato político e identitário. É uma forma de combater a internalização da inferioridade e de reafirmar nossa dignidade cultural. A Síndrome do Vira-Lata só será superada quando aprendermos a nos enxergar com orgulho, valorizando nossa história, nossa língua e nossa capacidade de criar e transformar.

A descolonização começa na língua, pois é nela que reside a alma de um povo.



A síndrome do vira-lata e a importância de escrever na língua nativa

Essa resenha é fruto de uma conversa que tive outro dia, na mesa de um bar bastante conhecido da nossa cidade, e que me levou a perceber, de certa forma, o quanto podemos nos decepcionar com as pessoas.

Em uma mesa próxima à minha, rolava um papo sobre descolonização. A conversa surgiu devido à indignação de uma moça que se chateou porque outra pessoa, presente no local, mencionou o Auto de Natal e, naquele momento, cantou uma música religiosa católica. Isso levou a moça a declarar que detestava pessoas colonizadas.

Eu, muito metido, disse:
— Também detesto!

Então, começamos a conversar. Mas, no decorrer do diálogo, para minha surpresa, do nada, a pessoa afirmou que, para sermos respeitados, precisamos falar e escrever em inglês. Não resisti e perguntei:
— Você acabou de dizer que é contra a colonização e, ao mesmo tempo, aceita que sua própria língua seja menosprezada em relação a outras?

Ela não gostou da pergunta e usou o nome de vários teóricos para se justificar, mencionando suas teorias. Respondi que fiquei decepcionado e não aceitava essa ideia de autoridade sem debate. Mas ela seguiu com seu discurso e, para minha surpresa, a pessoa que estava com ela — que, inclusive, faz parte do circuito cultural aqui do estado — disse que ela estava certa, pois a cultura europeia e a americana são o centro.

Bem, escrevo aqui meu desabafo e espero a opinião de vocês.


A Síndrome do Vira-Lata é um conceito que reflete a autoimagem negativa que muitos indivíduos ou povos têm de si mesmos, especialmente em contextos pós-coloniais. O termo, cunhado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, remete à ideia de que pessoas ou nações historicamente subjugadas tendem a se enxergar como inferiores — como “vira-latas” — em comparação com culturas dominantes, especialmente as europeias ou norte-americanas.

Essa síndrome manifesta-se na desvalorização da própria cultura, língua e tradições, em favor de uma suposta superioridade estrangeira. No Brasil, por exemplo, isso se reflete na preferência por produtos, ideias e até mesmo pela língua inglesa, vista como símbolo de status e modernidade, em detrimento do português e das expressões culturais locais.

Escrever na língua nativa é um ato de resistência e autoafirmação. A língua é um dos pilares fundamentais da identidade cultural, carregando consigo histórias, valores e visões de mundo únicas. Ao rejeitar a imposição de uma língua estrangeira como norma de excelência, reafirmamos nossa autonomia e valorizamos nossas raízes.

O português, no caso do Brasil, é um patrimônio que reflete a diversidade e a riqueza de nossa formação cultural, mesclando influências indígenas, africanas e europeias. Negar essa herança em favor de uma língua estrangeira é, de certa forma, perpetuar o colonialismo cultural que nos foi imposto.

A descolonização passa, necessariamente, pela revalorização da língua materna. Autores como Ngũgĩ wa Thiong’o, escritor queniano, defendem que a língua é um instrumento tanto de dominação quanto de libertação. Ao escrever em sua língua nativa, o autor resgata a voz de seu povo e desafia as estruturas de poder que privilegiam as línguas dos colonizadores.

No contexto brasileiro, isso significa reconhecer o português não como uma herança colonial opressora, mas como uma ferramenta de expressão e resistência, adaptada e transformada por nós ao longo dos séculos. Rejeitar a supremacia de uma língua estrangeira não significa negar a importância do diálogo com outras culturas, mas sim afirmar que nossa voz tem valor próprio.

A globalização e o domínio do inglês como língua franca muitas vezes reforçam a Síndrome do Vira-Lata, fazendo com que subestimemos nossa capacidade de produzir conhecimento e arte em nossa língua. No entanto, é justamente na diversidade linguística e cultural que reside a riqueza da humanidade.

Portanto, escrever na língua nativa é um ato político e identitário. É uma forma de combater a internalização da inferioridade e de reafirmar nossa dignidade cultural. A Síndrome do Vira-Lata só será superada quando aprendermos a nos enxergar com orgulho, valorizando nossa história, nossa língua e nossa capacidade de criar e transformar.

A descolonização começa na língua, pois é nela que reside a alma de um povo.


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