Chegamos ao Restaurante Popular da avenida Rio Branco, centro de Natal, pouco antes do meio-dia. Luana tinha acabado de almoçar. Visivelmente abaixo do peso, ela relata que não tem se alimentado regularmente há dias, mas comemora: “Hoje consegui dinheiro para o almoço.” O dinheiro ao qual Luana se refere é R$ 1,00, valor do almoço no Restaurante Popular.
Aos incrédulos de que alguém não possa dispor de R$ 1,00, saibam que não é todos os dias que Luana consegue almoçar. “Agora minha luta é pela janta.” A janta em questão é servida no mesmo local, antes das 17 horas.
Acompanhado de Luana, estava Gustavo, que lamentava pelo final de semana, quando o Restaurante é fechado. “Amanhã e domingo é os pior dia, a gente não come nada.”
No bairro Petrópolis, a redação encontra diversas pessoas na praça Pedro Velho, chamada por todos de Praça Cívica. Entre elas estava Keliomar, que vive nas ruas de Natal há 14 anos. Ele também faz suas refeições no Restaurante Popular e conta que nos finais de semana e feriados, a solução é pedir comida de casa em casa ou dinheiro no sinal.
“A gente vai ali no Nordestão mesmo, consegue o dinheiro no sinal ou pede a alguém que tá entrando lá. ‘E aí, irmão, tem como conseguir um macarrão pra nós, uma salsicha pra gente fazer ali?’ Tem aqueles irmãos que já conhecem a gente aqui das áreas e compram. A gente vai ali pra pracinha, arruma uma panela, uma lata, faz um fogo, compra um refrigerante se puder e faz, senão tem que ficar esperando entregarem sopa de noite”, comenta.
Apesar de haver informações constando que os restaurantes fecham às 13 horas, a venda de refeições encerra bem antes deste horário.
Os números da vergonha
O Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE publicou dados alarmantes sobre a fome no país, com recortes específicos para os estados. Aqui no RN, Luana, Gustavo, Keliomar e outros 482 mil potiguares dividem uma triste realidade: a fome. Esta fome, tem ganhado nomenclaturas e subtipos eruditos, como insegurança alimentar grave e moderada.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad mostram a fome de quase meio milhão de pessoas no estado do Rio Grande do Norte no último semestre de 2023. A Pesquisa aponta que 261 mil pessoas no estado sofrem de insegurança alimentar moderada, ou seja, quando é necessário diminuir a qualidade e a quantidade da alimentação e pular refeições devido à falta de alimentos, ou seja, passam fome.
Já outros 167 mil potiguares de todas as idades, estão em insegurança alimentar grave, ou seja, passam um dia ou mais sem nenhuma comida, ou seja, passam fome.
Como o questionário é aplicado em domicílios, são famílias inteiras passando fome de maneira sistêmica. O questionário também aponta que o RN é o estado com a melhor taxa de segurança alimentar, 66,6%, não dando a nenhum cidadão ou governo motivo de comemoração.
O Potengi já publicou o assombro diante da comemoração do governo do estado pela divulgação dos números, mas acredita que é necessário divulgar melhor esta conta.
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Nota zero em matemática
As redes sociais do governo estadual citam o Restaurante Popular como parte dos programas de combate à fome e sim, tornar a alimentação possível por um valor acessível é um grande feito. No entanto, O Potengi insiste: é necessário compreender melhor esta matemática.
Se 428 mil potiguares passam fome ou, como preferem divulgar, têm situação de insegurança alimentar, as 42 mil refeições diárias vendidas a preços populares são obscenamente insuficientes. Outros 386 mil seguem passando fome e não “só” de segunda a sexta-feira, mas de domingo a domingo. Ou será que os norteriograndenses que almoçam nos Restaurantes Populares não fazem parte dos 428 que passam fome? Fica a dúvida.
Outra medida de combate à fome citada é o Programa do Leite, que beneficia 76 mil famílias. A conta segue não fechando e famílias inteiras seguem passando fome.
Enquanto medidas eficientes e humanamente dignas não são implementadas, Luana, Gustavo e Keliomar mostram como a vulnerabilidade alimentar ainda é um dos desafios mais urgentes e gritantes no RN.
Seus relatos são um escracho: por trás da paisagem cotidiana das cidades, existe uma teia invisível de dificuldades que muitos enfrentam para garantir algo tão fundamental quanto uma refeição.
Uma das frases que Keliomar disse à redação do Potengi encerra esta matéria.
“O sistema pode melhorar e muito, o governo tem muito dinheiro no bolso, dinheiro nosso, mas não enxerga isso que nós passa. Não vamos ser hipócritas, a gente tem assistência, mas uma pequena assistência de tudo que ele poderia fazer por nós.”