Dádiva e calcanhar de Aquiles de Carlos, Zona Norte será o palco daquela que pode ser a última grande batalha eleitoral dele que foi quatro vezes prefeito da capital
Os números da pesquisa O Potengi/Ranking divulgados nesta edição nos contam que o futuro do ex-prefeito Carlos Eduardo (PSD) será decidido pelos cerca de 190 mil eleitores da Zona Norte de Natal.
Líder em todas as sondagens até agora, Carlos confirmou sua posição ao obter 35,2% das intenções de voto na primeira rodada da série de pesquisas para Natal que o jornal O Potengi realiza em parceria com o instituto Ranking, do Mato Grosso do Sul.
Zona Norte será decisiva
Clama por atenção, nesta pesquisa, o expressivo contingente das intenções de voto declaradas a Carlos quem vem da Na Zona Norte de Natal, onde 48,9% dos entrevistados declararam ter a intenção de votar em Carlos Eduardo para prefeito no próximo dia 6 de outubro.
Há nisso um importante paralelo com 2022, quando Carlos Eduardo enfrentou Rogério Marinho na disputa pelo Senado. Na ocasião, Carlos contava obter uma larga vantagem sobre Rogério na capital para sair vitorioso. Contudo, teve apenas 3.203 votos a mais que o oponente. Ou 0,82%.
O percentual alcançado por Carlos em Natal, em 2022, foi de 37,19% (apenas dois pontos percentuais acima de seu atual patamar verificado na pesquisa para a prefeitura de Natal, que é de 35,2%). E as consistências entre a situação de Carlos em ambos os pleitos não acabam aí.
Em 2022, os bairros das 1ª e 69ª zonas eleitorais (que abarcam toda a Zona Norte e os bairros das Rocas, de Santos Reis, da Ribeira, de Petrópolis, da Praia do Meio, de Areia Preta e de Mãe Luiza) responderam por 41,36% dos seus votos. Em 2024, sozinhos, os bairros da Zona Norte respondem por 50,57% das intenções de voto em Carlos!
Se prova que a Zona Norte de Natal é o bastião do carlismo potiguar, essa concentração verificada pela pesquisa também evidencia que – em contrapartida – a base eleitoral de Carlos encolheu mais de 18% nas outras três zonas da cidade, enquanto se manteve no mesmo patamar se consideradas as quatro regiões.
Isso é o que dizem os números, mas há ainda outros fatos relevantes que merecem atenção especial ao se tentar analisar a viabilidade eleitoral de Carlos Eduardo nesta eleição municipal.
A ilusão das pesquisas
Entre agosto e setembro de 2022, dez das onze pesquisas para o Senado divulgadas no RN davam a vitória para Carlos Eduardo. Nas duas últimas, a vantagem ficou em 8% e 6%, respectivamente.
O que teria acontecido no mundo invisível da realidade que as pesquisas não captaram? Sem entrar no mérito das limitações que as configurações geográfica e demográfica do RN impõem a pesquisas em nível estadual, arrisco apontar dois fatores que determinaram a derrota de Carlos em 2022 e podem selar seu destino em 2024.
A força dos prefeitos…
Muito se falou no impacto corrosivo da declaração do então pré-candidato ao Senado Carlos Eduardo quando disse que os prefeitos do RN estavam com os cofres cheios (e estava errado?). Mas me parece que o fator mais nocivo para Carlos a decorrer da inábil declaração foi um dano colateral.
Quando se está flertando, o objeto do desejo goza de elogios irrestritos e mimos incontáveis. Mas, uma vez conquistado, muitas vezes sua realidade muda. Fátima operou um cortejo suntuoso para atrair Carlos Eduardo para sua chapa, desarticulando definitivamente a oposição, que esperou demais por Ezequiel Ferreira e Álvaro Dias.
Uma vez tendo debaixo das asas a liderança que por pouco não a derrota em 2018, Fátima pôde triunfar em sua estratégia brilhante de vencer uma eleição sem disputa. O preço foi o sacrifício da vaga no Senado. E é aí que entra o dano colateral da declaração de Carlos sobre os prefeitos: para levar a cabo o acordo tácito que redundaria na chapa Farinho (Fátima + Marinho) era preciso uma justificativa que permitisse à governadora excluir Carlos dos palanques municipais, nos quais Rogério habilmente se enraizara.
Carlos partiu para o campo sangrento da luta por votos sem generais nem coronéis; eles estavam todos com Fátima, mas também com Rogério.
E Carlos parece seguir a mesma trilha em 2024.
Com apenas um vereador em sua base, e postulando um quinto mandato como prefeito de Natal, ele está praticamente só.
Apostar na espontaneidade do voto é subestimar fatalmente a importância das redes humanas que formam a decisão final do eleitor.
A falta de comando e de cavalaria levou à desidratação da campanha de Carlos em 2022. Nada indica que o problema tenha sido superado.
… e também a dos vereadores
Não temo afirmar que esta será a eleição mais acirrada da história da Câmara de Vereadores de Natal nesta Nova República.
As novas regras eleitorais tendem à concentração dos votos em um número menor de candidatos.
O atual modelo de financiamento das campanhas, baseado em fundos partidário e eleitoral turbinados, reforça o papel dos partidos e, consequentemente, de seus dirigentes.
É no mínimo temeroso considerar viável entrar em campo sem ter o time completo. Carlos errou ao subestimar a força dos prefeitos. E erra novamente ao repetir o julgamento em relação aos vereadores.
São os postulantes à vereança aqueles que mais têm a perder nesta eleição. E mais que qualquer outro ator do jogo eleitoral das cidades, são eles que também detêm vínculos mais amplos e mais sólidos com as bases eleitorais. Dos mais de 300 prováveis candidatos a uma cadeira na Câmara de Natal, Carlos não contará com os 40 de praxe. E dentre os já poucos, raros são os que possuem liderança efetiva. A chapa do PSD deverá apenas uma vaga.
Se Carlos tem uma pedra no meio do seu caminho, é esta. A carência de bases políticas e de apoio de lideranças importantes é o ponto mais frágil de seu projeto – mais até que a escassez de recursos que já se faz sentir.
Coerência para quê?
No mundo da política profissional, não devia haver quem realmente leve a sério as objeções a mudanças de posição política. Como disse certa feita o ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti, “quem tem ideia fixa é doido”. Mas para os eleitores leigos, a parada é outra.
Carlos desfruta de uma reputação pública de bom gestor, em grande parte construída pela comparação entre suas administrações e os quatro anos da gestão de Micarla de Sousa, que foi sua vice e depois o sucedeu na prefeitura e depois foi por ele sucedida. Os quatro anos do interregno de Micarla, para a sorte de Carlos, situaram-se exatamente no meio do período de 14 anos nos quais ele governou a cidade.
Contudo, em 2022 ocorreu que ele disputava uma eleição parlamentar, na qual as habilidades de gerenciamento do cotidiano costumam ter menor relevância (reparem sobre isso no exato oposto de Carlos, Natália Bonavides, uma parlamentar com sólidas bases eleitorais que contudo patina ao tentar cativar o eleitor para concorrer a um posto no executivo).
E ocorreu ainda que 2022 reafirmou a polarização ideológica que marca a política brasileira contemporânea.
Se de um lado da disputa Rogério Marinho possuía clara identificação com o eleitorado bolsonarista, do outro Carlos foi visto com desconfiança – ou no mínimo aceito com pouco entusiasmo – pelos lulistas. Faltou-lhe emoção em 2022. E de onde virá a mudança em prol de Carlos nesta eleição?
É fato que Carlos tem se renovado nesta pré-campanha. Saiu da zona de conforto do PDT, onde reinava, e buscou guarida junto a Zenaide Maia e Jaime Calado, no PSD. Partiu para o ataque contra “os planos hegemonistas do PT”, de olho em estancar a sangria dos votos de direita que migram para Paulinho Freire.
É fato também que a imagem de gestor eficiente das tarefas do município ainda é o maior patrimônio eleitoral de Carlos, é ela quem o sustenta à frente das pesquisas.
Contudo, entre a falta de uma base de apoio político efetiva e o vazio discursivo, bastara a Carlos Eduardo se apegar à imagem de bom síndico? Torcerá pra que a campanha demore a ganhar as ruas e que os grandes temas da política nacional lhe passem ao largo?
Não resistindo ao cacoete do presidente Lula, também ele com desaprovação em alta pela terra de Câmara Cascudo, apelemos a uma analogia futebolística: seguirá Carlos Eduardo o exemplo do Botafogo de 2023 ou conseguirá, no sacrifício, manter seu atual desempenho até o fim do campeonato, mesmo com elenco desfalcado e o moral da torcida em baixa? Questões que seguirão abertas ao menos até o fim de agosto.
Mas, analisando os números frios e as letras quentes, uma coisa é certa: se perder a Zona Norte, Carlos Eduardo perde a eleição.