Um guia para ler gastando pouco: conheça os caminhos do livro barato e do estímulo à leitura em nosso país







Um guia para ler gastando pouco: conheça os caminhos do livro barato e do estímulo à leitura em nosso país







Há um país dentro do país — o país dos leitores pobres. Nele, os livros são tesouros, os sebos são templos e a busca por leitura é uma travessia feita com engenho e teimosia. O “manual prático para o livro barato” não é apenas um roteiro de economia, mas uma cartografia do desejo de ler, mesmo quando o preço médio de um livro novo — R$ 56,77 — for um luxo difícil de alcançar.

A jornada começa onde as histórias sempre se guardaram: nas bibliotecas. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, cerca de 34 milhões de brasileiros ainda frequentam esses espaços, mas 46% afirmam que não há bibliotecas públicas em seu bairro. O país perdeu 1.418 delas na última década (tínhamos mais de 6 mil, hoje temos 4.639). Mesmo assim, persistem como oásis silenciosos, lugares de leitura e encontro, onde é possível ter acesso gratuito a acervos e, em alguns casos, participar de eventos e debates.

Para quem quer ter o livro nas mãos — e poder riscar, sublinhar, reler — há os bazares beneficentes, brechós e bancas. Nessas prateleiras acidentais, clássicos e raridades se misturam a manuais esquecidos. De Admirável Mundo Novo por R$ 2 a coleções sobre Luís Carlos Prestes por menos de vinte, o achado depende de insistência e sorte.

Os sebos seguem como os santuários centrais dessa cultura paralela. São os sebistas que mantêm viva a diversidade bibliográfica do mundo. Nos seus corredores empoeirados, circulam livros há muito fora de catálogo, como Rosário de Capiá (1946), de Nhô Bento, ou tratados improváveis como La estrategia del comunismo hoy (1983). É também onde a troca de livros cria uma economia circular: o leitor pode vender, trocar ou ganhar crédito por títulos que já leu.

Em bairros sem livrarias, as gelotecas cumprem o papel de bibliotecas espontâneas. Em São Paulo, o projeto GelotecaSP espalhou mais de 450 geladeiras cheias de livros — estimando 100 mil exemplares em circulação mensal. Nascido de um sarau de quebrada, o projeto virou rede nacional. Em outras regiões, como aqui em Natal, as gelotecas são muito restritas; a que se situa no Centro de Convivência da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) segue muito pouco servida. Precisamos ampliá-las.

Mas há também livros que chegam pelo correio institucional do Estado. A Livraria do Senado e a Edições Câmara vendem clássicos e ensaios a preços simbólicos: O Príncipe por R$ 8, Da República por R$ 7, Interpretação da Realidade Brasileira por R$ 19. Um gesto de política pública que democratiza o acesso, ainda que restrito a um público informado sobre sua existência.

Não se pode esquecer os clubes de leitura como fontes de estímulo, tanto na internet como em espaços físicos diversos, como cafés e bibliotecas. Alguns são temáticos, como o Leia Mulheres, que se destacou muito em seu princípio, há dez anos, expandindo-se por todo o país. Outros são mais diversificados. Hoje, na UFRN há vários clubes em fase de crescimento. No interior, um que se destaca é o Clube de Leitura da EMCM (Escola Multicampi de Ciências Médicas). Em Natal, o Clube de Leitura Dom Quixote, organizado pela Biblioteca Setorial Moacyr de Góes, promove encontros semanais, com leituras de contos e romances.

Por fim, há o mundo digital — onde o leitor pobre encontra terreno ambíguo. Não é preciso ter um leitor digital como o Kindle; no próprio celular, há aplicativos que facilitam a leitura de livros em formatos como ePub, permitindo fazer do próprio smartphone uma pequena biblioteca. Plataformas como Domínio Público e Biblioteca Brasiliana oferecem livros gratuitos; outras, como o Library Genesis, Le Livros e Anna’s Archive, flertam com a ilegalidade. Para quem recorre à pirataria, o texto é indulgente: “Absolva-se da culpa, mas não da responsabilidade” — compre quando puder, pois por trás de cada livro há uma cadeia de trabalho invisível.

Entre bibliotecas que fecham e geladeiras que se abrem, o livro barato é também uma forma de resistência cultural. Brecht já dizia: “Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma”. No Brasil de hoje, essa arma ainda está à venda — em segunda mão, trocada, emprestada, esquecida, mas viva nas mãos de quem lê.


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