por Renato Batista
Desde 2014, o futebol do Rio Grande do Norte registrou cinco casos de racismo, segundo o Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Desses, em apenas um o agressor foi punido pela Justiça Desportiva. Os números são do Relatório Anual da Discriminação no Futebol.
Todos as ocorrências registradas pela Organização, que busca monitorar e divulgar os casos de racismo no futebol nacional, foram praticados durante o Campeonato Potiguar. Dois ocorreram na cidade de Mossoró, e um em Natal, São Gonçalo do Amarante e Ceará-Mirim.
O único punido no RN foi o time do Alecrim, em 2014, após o goleiro Dida, do América-RN, ter sido alvo de ofensas racistas no Estádio Ninho do Periquito. Durante a partida pela sexta rodada do primeiro turno do Campeonato Potiguar, o goleiro alvirubro, chamou o árbitro Suelson Diógenes de França Medeiros e relatou que havia sido chamado de “macaco” por um torcedor do Alecrim, que estaria por trás do gol no qual o jogador defendia. Na súmula da partida, o árbitro relatou que acionou o policiamento para identificação do autor, mas que não obteve êxito.

O Tribunal de Justiça Desportiva do RN puniu o clube com perdas de dois mandos de campo e multa de R$ 20 mil. Contudo as punições para atos racistas cessaram.
O fundador e diretor executivo do Observatório, Marcelo Carvalho, concedeu entrevista exclusiva a O Potengi, e afirmou que há pouca diversidade nos tribunais desportivos em todo o País.
“Eu não conheço o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, mas ele não deve fugir muito da característica dos tribunais de justiça pelo Brasil, que na sua maioria são compostos por pessoas, por homens brancos. Alguns tribunais hoje têm mulheres, mas pouquíssimos tribunais têm pessoas negras, e muitas vezes isso leva a interpretação errada sobre a gravidade dos casos de racismo. A gente já viu casos julgados no STJD, por exemplo, que envolvem casos nacionais, que não teve punição, porque quem estava julgando disse que não foi um caso grave de racismo porque não teve o uso da palavra macaco, algo extremamente errado, porque se nós estamos falando de discriminação racial é preciso entender que nem sempre ela vai acontecer no xingamento de macaco. Existem outras formas de ofender pessoas negras que estão ligadas à cor da pele, aos traços. Da boca, nariz, olhos, cabelo, que são tão graves quanto. Então, eu acredito que a grande dificuldade em punir os caras se dá também por essa interpretação errada de quem está julgando e, na maioria das vezes, ser somente pessoas brancas”, analisou Marcelo Carvalho.

O último anuário lançado é relativo ao ano de 2023. A previsão é de que o mais novo relatório seja divulgado no segundo semestre deste ano. Segundo o documento mais recente, o último caso ocorrido no RN foi em 2022. Apesar disso, o diretor do Observatório alerta para possíveis subnotificações e também para o fato de que mesmo com cinco incidentes em uma década, o dado não é considerado baixo.
“Eu acredito que esse número já coloca o Rio Grande do Norte em atenção. É preciso também entender que muitas vezes os casos que ganham repercussão infelizmente estão em grandes torneios, como o Brasileirão, algo que eu acho extremamente triste, os casos que mais vão ter repercussão, eles vão envolver jogadores grandes”, afirma Marcelo Carvalho
Que cobra ações firmes dos órgãos locais “Eu entendo que ter esses cinco casos já é algo para se pensar e construir uma campanha de conscientização, de educação e de combate ao racismo”, afirma.
Em nota, a Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol (FNF) afirmou que trabalha para erradicar a discrminação no futebol potiguar e que os árbitros do RN estão preparados para interromper o jogo em caso de discriminação, seguindo protocolo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
“A Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol (FNF) tem permanentemente colaborado com autoridades de segurança e acompanhado com rigor em todos os assuntos que envolvem o futebol potiguar, trabalhando para erradicar todas as formas de violência, e não se esquivando de se manifestar em casos de racismo e repudiando todas as formas de discriminação. A FNF apoia campanhas sobre o assunto, como na final do Campeonato Potiguar Sub-15 em 2023, em que a entidade se manifestou contra os episódios de racismo no futebol, e aderiu à campanha da Confederação Brasileira de Futebol “Com racismo não tem jogo “.

Na última terça-feira (11), o Ministério do Esporte André Fufuca pediu à Casa Civil o corte de recursos federais a clubes e entidades omissas no combate ao racismo. A solicitação surgiu após o episódio de discriminação sofrido pelo atacante Luighi, do Palmeiras, em duelo contra o Cerro Porteño, válido pela Libertadores Sub-20.
“Temos visto o aumento de casos de racismo em eventos esportivos, principalmente nos estádios de futebol. Todas as vezes que um caso acontece repudiamos com veemência, exigindo a apuração dos fatos e punição rigorosa para os racistas. Mas é preciso fazer mais. Por isso, estamos sugerindo ao presidente Lula uma mudança na Lei Geral do Esporte, que obrigue os clubes, federações e confederações a adotarem medidas práticas contra o racismo. Desta forma, quem não cumprir este novo requisito não poderá receber recursos públicos federais”, disse o ministro André Fufuca em pronunciamento nas suas redes sociais.
Para O Potengi, o presidente da FNF, José Vanildo, disse que “O racismo deve ser banido de todos os estádios, bem como da nossa sociedade. Apoiamos todas as ações dispostas a erradicar esse tipo de violência”.
Nordeste detém 16% dos casos
Sul e Sudeste lideram os dados de racismo no futebol brasileiro, desde que o anuário foi lançado em 2014. Juntas as duas regiões tiveram 68% dos incidentes. O Nordeste é a terceira região com mais casos. Foram 56 em 10 anos.
O estado nordestino com mais registros é a Paraíba, com nove. Seguida de Pernambuco, Ceará e Bahia, com oito cada, e Piauí, com sete casos identificados.
Alagoas tem o mesmo número do RN, com cinco incidentes. Maranhão e Sergipe têm três.

Casos de racismo no futebol brasileiro aumentaram quase 40%
No último anuário em 2023, foram detectados 136 atos racistas no futebol nacional, 39% a mais que os 98 registrados em 2022, segundo o relatório anual do Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Esse foi o maior número desde que a organização começou a fazer a contagem, em 2014, ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo de futebol.

Desde 2016, os casos vêm aumentando todos os anos. Comparando o último anuário ao de 2014, primeiro ano do monitoramento, os incidentes aumentaram em 444% (de 25 para 136). Contudo, o documento afirma que maior conscientização está deixando mais atenta a sociedade brasileira, que agora denuncia mais.
De todos as ocorrências, 74% aconteceram nos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Goiás e Santa Catarina. Sendo o Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, os únicos estados em que foram registrados incidentes desde o início do monitoramento e que alternam entre si a liderança de casos anuais: RS em sete anos; SP em dois anos e MG em um ano.

Ocorrências de racismo no futebol potiguar
2014
Local: Estádio Ninho do Periquito (São Gonçalo do Amarante)
Partida: Alecrim x América-RN
Competição: Campeonato Potiguar
O goleiro Dida, do América-RN, relatou ao árbitro ter ouvido ofensas racistas vindas da torcida do Alecrim.
Como terminou: TJD-RN puniu o Alecrim com perda de dois mandos de campo e multa de R$ 20 mil.
2019
Local: Estádio Nogueirão (Mossoró)
Partida: Potiguar de Mossoró x América-RN
Competição: Campeonato Potiguar
Diego, do América-RN, foi chamado de “macaco” por um torcedor que estava no estádio, na decisão da Copa Rio Grande do Norte. O lateral relatou ao repórter Orlando Neto o que aconteceu em Mossoró. O fato não contou em súmula.
Como terminou: Não foram encontradas informações de desdobramentos do caso, de acordo com o Observatório.
2020
Local: Estádio Frasqueirão (Natal)
Partida: ABC x Força e Luz
Competição: Campeonato Potiguar
Através das redes sociais do fotógrafo Luciano Marcos, o atacante Wallyson, do ABC, acusou o goleiro Ferreira, do Força e Luz, de tê-lo chamado de macaco durante a partida.
Como terminou: Não foram encontradas informações se houve investigação sobre o caso. Não constam informações no site do TJD-RN, de acordo com o Observatório.
2021
Local: Estádio Nogueirão (Mossoró)
Partida: Potiguar de Mossoró x ABC
Competição: Campeonato Potiguar
Após o jogo, membros da comissão técnica do ABC discutiram com dirigentes do Potiguar. Um dos membros da comissão do ABC, Francisco de Assis (Pombo), foi acusado de ofensas racistas contra Sandro Moreira, supervisor de futebol do Potiguar. De acordo com a denúncia, Pombo se dirigiu a Sandro usando as palavras “macaco” e “negro de bosta”. Sandro procurou a Polícia Militar do estádio, que o conduziu à delegacia, onde um boletim de ocorrência foi aberto.
Como terminou: A Polícia Civil decidiu não punir o preparador de goleiros do ABC, Francisco de Assis (Pombo), por ofensas racistas. Não foram encontradas informações de julgamento por parte do TJD-RN, de acordo com o Observatório.
2022
Local: Estádio Barretão (Ceará-Mirim)
Partida: Globo x Potiguar de Mossoró
Competição: Campeonato Potiguar
Nilson Corrêa, técnico do Potiguar de Mossoró, foi chamado de “macaco” por um torcedor do Globo que estava na arquibancada. Em nota, o Potiguar informou que integrantes da diretoria que estavam no local acionaram a Polícia Militar para denunciar o torcedor. O fato não consta na súmula da partida.
Como terminou: Não foram encontradas mais informações sobre o caso, tão pouco se o treinador registrou Boletim de Ocorrência (BO), de acordo com o Observatório.