Em uma aldeia no Estado de Madhya Pradesh, no centro da Índia, Premila Bhalavi recebe todos os meses uma pequena quantia em dinheiro que, para ela, faz toda a diferença. Não é salário, pois não tem emprego formal, mas uma transferência monetária incondicional do governo. Com 1,5 mil rúpias — cerca de US$ 16, ou R$ 86 — Premila compra medicamentos, verduras e paga a mensalidade escolar do filho. O valor é modesto, mas previsível, oferecendo a sensação de controle sobre a própria vida e um vislumbre de independência.
Essa realidade está se tornando cada vez mais comum na Índia. Hoje, 118 milhões de mulheres adultas em 12 Estados recebem transferências incondicionais. O país se tornou o cenário de um dos maiores e menos estudados experimentos de política social do mundo, ao reconhecer financeiramente o trabalho doméstico e de cuidado não remunerado, historicamente atribuído às mulheres.
A Índia já tem tradição em subsídios de cereais, combustíveis e empregos rurais. No entanto, pagar às mulheres adultas para manterem o funcionamento do lar é uma medida inédita. Segundo Prabha Kotiswaran, professora de direito e justiça social do King’s College de Londres, “as transferências financeiras incondicionais representam uma expansão significativa dos sistemas de bem-estar social em favor das mulheres”.
Os critérios de elegibilidade variam: idade, renda e exclusões para funcionários públicos, contribuintes e proprietários de automóveis ou grandes propriedades rurais. O valor mensal, entre 1 mil e 2,5 mil rúpias (US$ 12 a US$ 30, cerca de R$ 65 a R$ 162), representa de 5% a 12% da renda familiar, mas é garantido regularmente. Com 300 milhões de mulheres com contas bancárias, a distribuição ficou administrativamente viável.
O diferencial da Índia em relação a programas semelhantes no México, Indonésia e Brasil é a ausência de condições. O dinheiro não depende da frequência escolar dos filhos nem do nível de pobreza familiar; chega diretamente à mulher. Goa foi o primeiro Estado a lançar esse tipo de programa em 2013. Em 2020, Assam ampliou a iniciativa para mulheres vulneráveis, consolidando um modelo que também exerce forte impacto político.
Em Tamil Nadu, os pagamentos são chamados de “subvenção de direitos”, enquanto em Bengala Ocidental há reconhecimento implícito do trabalho doméstico. De forma geral, as mulheres usam o dinheiro para atender às necessidades básicas: alimentação, educação, gás de cozinha, gastos médicos, pequenas dívidas e, ocasionalmente, itens pessoais ou pequenos luxos.
A influência política dos programas ficou clara em recentes eleições. Em Bihar, semanas antes do pleito, o governo transferiu 10 mil rúpias (US$ 112, R$ 604) para 7,5 milhões de mulheres. Elas votaram em maior número que os homens, ajudando decisivamente na vitória do Partido Bharatiya Janata. Críticos classificaram a ação como compra de votos, mas o episódio revela o potencial político das transferências.
Apesar dos benefícios, há debates. Doze Estados planejam gastar cerca de US$ 18 bilhões (R$ 97 bilhões) com transferências neste ano fiscal, mesmo enfrentando déficit. No entanto, defensores argumentam que o programa reconhece o valor do trabalho doméstico e de cuidado não remunerado, historicamente invisibilizado. Em 2024, mulheres indianas dedicaram quase cinco horas diárias a essas tarefas, mais de sete vezes o tempo dos homens, explicando em parte a baixa participação feminina no mercado de trabalho.
Estudos apontam que, na maioria dos casos, as mulheres têm controle total sobre os recursos, destinando-os principalmente à alimentação, educação e saúde. Em Maharashtra e Bengala Ocidental, quase todas as beneficiárias administram suas próprias contas e decidem pessoalmente como gastar o dinheiro. Embora não seja transformador, a regularidade das transferências oferece segurança, autonomia e dignidade.
Apesar disso, apenas parte das mulheres associa o programa ao reconhecimento do trabalho não remunerado. A maioria ainda prefere oportunidades de emprego remunerado, indicando que o dinheiro, sozinho, não altera a estrutura patriarcal. Kotiswaran observa que, se combinado com educação financeira e mensagens que valorizem o trabalho doméstico, o recurso pode fortalecer a divisão de gênero e a autonomia feminina.
A revolução silenciosa das transferências incondicionais ainda está em seus primeiros passos, mas demonstra que pequenas quantias regulares, entregues diretamente às mulheres, podem alterar relações de poder de forma sutil, porém significativa. O futuro do programa dependerá de como a Índia escolherá equilibrar empoderamento feminino e política: será um instrumento de autonomia ou uma nova forma de clientelismo?
Com informações da BBC






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