O debate promovido ontem pelo grupo Dial, que reúne a 98 FM e a Jovem Pan, apostou em novo formato e acertou. Com mais tempo e liberdade para os candidatos se expressarem e exporem seus pontos de vista e contradições, enfim pudemos ver os postulantes ao Palácio Felipe Camarão revelar o que pensam e planejam para o futuro de nossa cidade.
Embora as “propostas” tenham sido requentadas e banais, a abordagem feita pelos candidatos e os meios pelos quais pretendem implementar suas ações permitiram ao eleitor compreender os diferentes projetos políticos que disputam seu voto.
A noite foi protagonizada por Paulinho Freire (União) e Natália Bonavides (PT). E – como veremos agora – tivemos o confronto de duas visões distintas da sociedade e da gestão pública: à direita, o liberalismo social de Paulinho; à esquerda, a social-democracia identitária de Natália.
Paulinho problematizou mais e elevou o nível do debate
Dos três contendores da noite de ontem, Paulinho Freire foi o de melhor desempenho por ter conseguido conduzir discussões relevantes, a exemplo do que fez em suas intervenções sobre infraestrutura, transporte, saúde e educação.
Paulinho não apelou para o discurso fácil de prometer melhorias sem considerar a realidade financeira do Município e os limites da gestão pública. Foi o caso dos temas que giraram em torno da necessidade de ampliação dos serviços públicos municipais.
Enquanto Natália e Rafael optaram pelas respostas de sempre – mais concursos e melhores salários -, Paulinho ousou tratar o problema com seriedade. Primeiro, reconheceu que a defasagem no quadro técnico das prefeituras (todas, não apenas a de Natal) é gigante. Diante desse quadro pouco promissor, ele falou com clareza de dois obstáculos no caminho de qualquer tentativa de resolução: a falta de capacidade do Município em assumir novas despesas e a lentidão nos processos de contratação e treinamento de profissionais via concursos públicos.
E foi neste ponto que Paulinho marcou sua principal diferença em relação aos demais candidatos. Propôs em diversas ocasiões a construção de parcerias com a iniciativa privada para ampliar a capacidade de atendimento à população da cidade. Voucher para creches, convênios com clínicas privadas, contratação de empresas para destravar processos de licenciamentos. Com estas propostas, Paulinho marcou posição em defesa de um novo modelo de gestão, priorizando os resultados dos serviços públicos e contornando as limitações impostas pelo orçamento estrangulado e pela burocracia engessante que marcam o Estado brasileiro.
Já Natália e Rafael, nesse quesito, se prenderam às soluções milagrosas. Natália falou em concursos e valorização salarial, sem explicar como isso seria possível (ou por que não é possível, por exemplo, nos governos Federal e Estadual que estão sob o comando do PT). Rafael sacou da cartola a panaceia da tecnologia, com direita a inteligência artificial e tudo – mais pareceu, neste caso, candidato à Secretaria de Inovação que prometeu criar.
Outro ponto forte de Paulinho no debate de ontem foi Fátima Bezerra. O deputado federal soube explorar com competência as contradições da gestão estadual, expondo o choque entre realidade e “narrativas”, como disse o candidato.
Paulinho também obteve pontos ao contrapor suas ações e emendas em prol da capital às políticas do Governo do Estado e do próprio mandato de Natália, que relegaram a cidade ao segundo plano em suas prioridades.
Embora tenha longa carreira política no parlamento, esta é a primeira incursão de Paulinho em disputas majoritárias. Ontem, o candidato do União Brasil ainda mostrou um tanto do nervosismo que exibiu no primeiro debate desta eleição, mas foi beneficiado pelo formato do debate que lhe deu mais tempo para executar suas estratégia de aprofundar as discussões e trazer dados para embasar suas respostas.
No primeiro debate, Paulinho foi o mais prejudicado pelo formato adotado. Com réplicas e tréplicas de 30 segundos, o debate anterior pareceu mais uma gincana de influenciadores do Instagram se revezando em intervenções curtas e lacradoras. Com mais tempo para expôr seu preparo e a quantidade de dados que pesquisou para embasar suas propostas, Paulinho ganhou confiança e cresceu a cada bloco.
Paulinho venceu o debate porque fugiu das narrativas vazias, respeitou a inteligência do eleitor e trouxe propostas para as quais tinham em mente os caminhos para executá-las.
Natália madura e focada no eleitor de esquerda
A mais jovem dentre os seis candidatos à Prefeitura de Natal em 2024, Natália foi – em ambos os debates – a que mostrou mais segurança e melhor desempenho diante das câmeras. A deputada mostra que tem capacidade de liderar a renovação da esquerda potiguar e dá sinais de que fará isso com qualidade, provavelmente maior que esta que temos hoje.
Contudo, com um debate que estimulou o aprofundamento das discussões, o projeto de Natália acabou mostrando suas fragilidades. Exemplo disso foram as evasivas que marcaram algumas de suas respostas.
Por pelo menos duas ocasiões, Natália não abordou o ponto central dos questionamentos. Quando perguntada acerca de seus planos para explorar os potenciais e desafios do novo Plano Diretor da capital, Natália usou seus dois minutos quase inteiros para falar aos servidores técnicos da Prefeitura sobre temas de interesse da categoria: concursos e reajuste salarial. Foi um momento revelador do ponto mais fraco da atuação da deputada no debate ontem, sua ainda excessiva concentração nas pautas da esquerda identitária.
No debate sobre o sistema de transportes públicos, o programa de Natália propõe uma ampliação da gestão do poder público sobre os serviços. Falou sobre ampliação do número de linhas de ônibus, mas esqueceu de avaliar o impacto disso na tarifa.
Quando confrontada por Paulinho Freire acerca das condições das estradas estaduais que atravessam Natal, Natália praticamente não respondeu, preferindo uma retórica otimista voltada para militância de esquerda.
Em outras ocasiões, deu-se momentos parecidos. Quando do debate sobre as políticas para o desenvolvimento e o turismo, Natália não entrou diretamente nas questões levantadas: papel do Plano Diretor, da engorda de Ponta Negra e da revitalização da orla.
Natália teve um momento que merece ser enaltecido, quando trouxe para a discussão o trabalho de cuidado não remunerado, que recai sobretudo nos ombros das mulheres. Trata-se de um tema ainda muito distante da realidade social brasileira, mas cabe o registro de que é louvável que a deputada o tenha introduzido na agenda pública natalense. (Sobre o tema, deixamos a recomendação de leitura da filósofa Nancy Fraser.)
Se não repetiu seu desempenho no primeiro debate, foi porque Natália – ao ter que se aprofundar nos temas – revelou aquele que deverá ser o principal desafio de sua promissora carreira política, o medo de se distanciar do discurso da esquerda identitária que marca sua trajetória parlamentar.
Rafael na busca de um caminho em meio à polarização
Rafael Motta (Avante), embora jovem, já é experimentado em debates eleitorais e tem uma respeitável trajetória no legislativo. Nos parece que a única justificativa para o nervosismo que demonstrou nos dois primeiros debates desta eleição se dá pela dificuldade que tem enfrentado em renovar sua identidade política.
Um marketing inábil tem mantido Rafael com um pé na esquerda (que já o abandonou) e um dedão do pé na direita (que não sente firmeza em suas posições). Desta forma, Rafael busca a imagem de renovação e alternativa à polarização, mas falha na construção dessa identidade.
“Existem doenças que podem ser diagnosticadas através de videochamadas. Isso facilita e deixa com que as pessoas deixem de lotar algumas UPA’s e UBS’s”, disse no debate. Claro que não vamos implicar com falhas naturais das frases que têm que ser improvisadas ao vivo. Mas a frase exemplifica bem o que pretendemos argumentar: Rafael tenta forjar um caminho político que nem ele sabe qual será. E nesse caminho apela à magia da tecnologia e aos encantos da juventude.
Rafael tem tudo para ser protagonista na tardia e necessária renovação da elite política potiguar. Mas para isso precisará superar a crise de identidade e ter a coragem de tomar posições claras, que digam a seus muitos eleitores o que ele pensa e pretende.
Mas ele mandou bem na referência ao jogo do tigrinho no final do debate.