Por Breno Tavares, Gláucio Tavares Costa e José Herval Sampaio Júnior
Os erros das pesquisas eleitorais tiveram bem mais destaque na campanha de 2024 do que nas eleições anteriores, sendo um fato inconteste e de uma notoriedade irrefutável. Os mais diversos apontamentos da preferência do eleitorado obtidos de uma mesma realidade pelos institutos de pesquisa, especialmente às vésperas do dia da votação, revelaram inconsistências metodológicas sobre as consultas populares realizadas, culminando com a corrosão da credibilidade das pesquisas eleitorais, além de acentuar a suspeita de fraudes, de forma a utilizá-las como peças de propaganda eleitoral enganosa, com o intuito de iludir o eleitorado e induzir o voto artificiosamente, caracterizando-se, na essência, como uma “fake news” institucionalizada.
A Justiça Eleitoral não realiza nenhum controle prévio sobre o resultado das pesquisas, nem gerencia ou cuida da sua divulgação. Isto é o que preconiza a Resolução n° 23.600/2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que dispõe sobre pesquisas eleitorais, com redação atualizada pela Resolução n° 23.727 do TSE, de 27/02/2024.
O arcabouço normativo das pesquisas eleitorais articulado na Resolução n° 23.600/2019 do TSE exige que, a partir do dia 1° de janeiro do ano da eleição, as entidades que fazem pesquisas eleitorais registrem os estudos de opinião pública realizados até cinco dias antes da divulgação, previsão que tão somente replica os ditames do art. 33 da Lei n° 9.504/1997:
“Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:
I – quem contratou a pesquisa;
II – valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;
III – metodologia e período de realização da pesquisa;
IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)
V – sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;
VI – questionário completo aplicado ou a ser aplicado;
VII – nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal. (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)
(…)
Abdicando de qualquer controle antecipado, a atual legislação eleitoral dispõe de mecanismo a posteriori para combater eventuais abusos na divulgação de pesquisas eleitorais, e de forma muito tímida, sancionando os responsáveis pela divulgação de pesquisa sem o prévio registro com multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR, além de tipificar como crime a conduta de divulgar pesquisa fraudulenta, sujeita a reprimenda de detenção de seis meses a um ano e multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR, consoante conteúdo dos terceiro e quarto parágrafos do artigo 33 da Lei das Eleições. Contudo, tais consectários estão sendo insuficientes, pois infelizmente estamos vendo uma propagação de pesquisas com caráter de indução de votos como nunca visto, o que tem assustado a sociedade.
Além do mais, a própria legislação supracitada traz no § 7º-B, do art. 2º, um elemento que carece de aperfeiçoamento, posto que carrega em si o condão de colaborar de forma mais efetiva para o adequado controle social dos levantamentos registrados, in verbis:
“Art. 2º …
§ 7º-B. A publicização dos relatórios completos com os resultados de pesquisa a que se refere o parágrafo anterior ocorrerá, salvo determinação contrária da Justiça Eleitoral, depois das eleições. (Incluído pela Resolução nº 23.727/2024)”
Tal dispositivo, se ajustado em sua redação original para possibilitar o acesso público aos resultados já no dia subsequente à divulgada da pesquisa, pode oferecer à sociedade, à justiça, aos partidos e aos candidatos a condição de avaliar e, eventualmente, agir em face daquilo que possa haver de inconsistências não apenas metodológicas, mas também nos resultados auferidos, constantes dos relatórios entregues pelos institutos aos seus contratantes e à justiça eleitoral, mas como estamos falando há algum tempo, tudo ainda de forma muito tímida e sem qualquer eficácia contra os disparates realizados.
Não obstante a existência de tais mecanismos normativos com o desiderato de resguardar o sufrágio popular da influência das pesquisas eleitorais falseadas, é forçoso reconhecer a insuficiência do referido sistema de proteção da lisura das eleições, consoante outrora já havíamos advertido no artigo: “A imperiosa necessidade de revisão normativa das pesquisas eleitorais!” (COSTA e SAMPAIO JR., 2022) (https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-imperiosa-necessidade-de-revisao-normativa-das-pesquisas-eleitorais/1663039602), publicado após a campanha eleitoral de 2022.
Com efeito, o controle posterior das pesquisas eleitorais não tem a força de afastar o emprego fraudulento de supostos estudos de preferência do eleitorado com estratégia de marketing eleitoral e direcionar insidiosamente a escolha de parte dos eleitores em benefício do candidato fraudador.
Não é difícil antever que numa eleição concorrida, dentre perder a eleição ou divulgar uma pesquisa fraudulenta como último recurso para vencer o pleito, escolher-se-á o risco de ganhar iludindo o eleitorado, mesmo que posteriormente dado o candidato seja submetido ao pagamento de multa e a condenação criminal. Essa escolha está sendo feita de forma descarada e sem nenhum pudor!
Diante disso, é necessária uma reflexão sobre o controle prévio de pesquisas eleitorais, de forma a permitir a divulgação somente de pesquisas eleitorais submetidas a um controle de qualidade certificada por instituições científicas independentes, como departamentos estatísticos de universidades públicas ou órgão especializado atrelado à Justiça Eleitoral.
Neste ponto, é oportuno mencionar a advertência da deputada Cristiane Dantas (SDD/RN), feita em sessão da Assembleia Legislativa do RN em 10/10/2024: “É preciso a justiça eleitoral ter um olhar de atenção sobre os institutos fajutos, criados para tentar convencer o eleitor com dados irreais e pesquisas sem critério de confiabilidade”.
Há uma certeza de nossa parte: o sistema de controle das pesquisas eleitorais vigente não tem desempenhado a contento a sua importante missão de afastar das campanhas eleitorais a desconfiança de que os estudos de intenções de voto estão sendo utilizados para manipular os eleitores e violar a higidez das campanhas eleitorais, verificando-se, na prática, o uso do instituto como uma “fake news” devidamente institucionalizada e com potencial eleitoreiro esmagador da própria democracia.
Resultados nas urnas colocam pesquisas em xeque
Encerrado o 1º turno das eleições, a comparação inevitável entre os resultados erigidos das urnas com as pesquisas publicadas em blogs, sites, rádios e tvs no Rio Grande do Norte revelou um panorama de acentuado desencontro dos números, sobretudo no recorte temporal da semana que antecedeu ao pleito, entre 03/09 a 05/10, não se podendo aceitar tantos descalabros calados e sem propor algo para mudança desse quadro.
Tomando como referentes algumas cidades da região metropolitana, em que os registros de pesquisas foram mais acentuados (165 dos 723), como Natal, Parnamirim, São Gonçalo, São José de Mipibu, o comparativo é alarmante: nenhum instituto sério se aproximou nem mesmo dentro das margens de erro dos resultados, nos 9 levantamentos divulgados na capital às vésperas da votação, e apenas 1 (AtlasIntel) acertou os 2 candidatos que irão ao 2º turno; em Parnamirim, nenhuma das 3 pesquisas conseguiram tangenciar os números saídos das urnas; em São Gonçalo os 6 levantamentos publicizados também não lograram êxito, e ainda houve pesquisas com intenções de voto diametralmente opostas entre os 2 candidatos principais; em São José de Mipibu, por seu turno, apenas 1 (Consult) dos 3 levantamentos se aproximou do resultado, mas como ocorrido em São Gonçalo, também foram apontados cenários opostos de intenção de votos dos principais oponentes. Será que podemos aceitar tantos erros calados, como se tudo tivesse dentro da propalada margem de erro? Será que os institutos simplesmente não conseguiram captar a vontade dos eleitores que mudou da “água pro vinho” como se diz sem que ninguém pudesse aferir?
O padrão dos números verificados nessas cidades é simbólico e sintomático do que parece ser a utilização das pesquisas eleitorais como peça de marketing, ao invés de elemento estratégico de direcionamento das ações de campanha, por parte dos candidatos, como originalmente fora o objetivo.
Nesta perspectiva, impõe-se a necessidade dos atores sociais envolvido no processo eleitoral, sobretudo a própria justiça especializada, de enfrentar esse fenômeno e oferecer alternativas concretas capazes de mitigar os efeitos que hoje corroem a credibilidade das pesquisas, deturpando a expressão fidedigna da opinião pública e, por consequência, fragilizar a nossa democracia.
Em razão dessa indiscutível realidade, vamos propor e lutar para mudar esse quadro corrosivo de nossa democracia, para tanto entendemos que as Universidades do Rio Grande do Norte, UERN, UFRN E UFERSA podem formar um pool, mediado, a partir de uma parceria com a Justiça Eleitoral, implementando uma espécie de ‘laboratório’ e modelo a ser seguido por todo o Brasil, retirando o caráter mercantilista que infelizmente se propagou nos últimos anos, e os institutos sérios somente serão contratados para divulgação de pesquisas internas ou parcerias com a própria Justiça Eleitoral, mediante credenciamento com as Universidades que estarão a frente desse processo, afastando qualquer tipo de interesse além do que deve ter uma pesquisa, informar a população a atual situação de dado momento e dentro dos padrões técnicos e rígidos que envolvem a ciência da Estatística.
Referências:
1. Brasil. Tribunal Superior Eleitoral – TSE (2024). Resolução TSE n° 23.600/2019. Recuperado de https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2019/resolucao-no-23-600-de-12-de-dezembro-de-2019#art12
2. Brasil. Tribunal Superior Eleitoral – TSE (2024). Resolução TSE n° 23.727/2024. Recuperado de https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2024/resolucao-no-23-727-de-27-de-fevereiro-de-2024
3. Costa, Gláucio Tavares e Sampaio Júnior, José Herval (2022). A imperiosa necessidade de revisão normativa das pesquisas eleitorais! Jusbrasil. Recuperado de https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-imperiosa-necessidade-de-revisao-normativa-das-pesquisas-eleitorais/1663039602
4. Costa, Kátia (2024). Cristiane Dantas alerta sobre falta de credibilidade de institutos de pesquisa. Blog do Pássaro. Recuperado de https://blogdopassaro.com.br/cristiane-dantas-alerta-sobre-falta-de-credibilidade-de-institutos-de-pesquisa/
5. Tribunal Superior Eleitoral – TSE (2024). TSE define regras para as pesquisas eleitorais nas Eleições 2024. Recuperado de https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Marco/tse-define-regras-para-as-pesquisas-eleitorais-nas-eleicoes-2024
*Autores:
Breno Tavares Nunes é consultor em gestão pública, mestre em Gestão de Processos Institucionais pela UFRN e doutorando em Jornalismo pela UFSC.
Gláucio Tavares Costa é analista judiciário do TJRN, mestrando em Direito pela Universidad Europea del Atlántico e graduado em Farmácia pela UFRN.
José Herval Sampaio Júnior é Juiz de Direito TJRN, Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFPR e Professor da UERN.