por Girotto, Taís Ramos e Rosinaldo Lobo
Às 5h14, vindo de Ponta Negra, o sol começa a despontar sobre os condomínios do bairro mais charmoso da cidade. É por esta hora que Carlos Augusto, 52 anos, também se levanta, despertado pela claridade que o alcança da janela de seu apartamento na avenida Campos Sales, sempre com as cortinas entreabertas.
A quatro quadras dali, um outro homem – aparentemente bem mais velho – começa a se agitar em seu sono. Meia hora atrás, quando completei a primeira volta da caminhada pela praça Cívica, em Petrópolis, ele não roncava nem se remexia.
Cinco voltas a passos preguiçosos depois, DS, 42 anos, já juntava as sacolas de plástico para desocupar seu leito no coreto da praça. Eram quase 6h, e Carlos Augusto acabava de chegar para sua caminhada matinal neste espaço público recentemente revitalizado, que por passar a noite toda bem iluminado se tornou um lugar seguro e agradável.
Petrópolis: IDH 0.948
DS. Cumprimento DS com um aceno discreto e ele se aproxima. Quer um cigarro. Em pouco tempo passo a conhecer parte de sua história.
DS morava numa casa de dois quartos no morro de Mãe Luíza, a menos de dois quilômetros dali. Uma sobrinha sua, com seus dois filhos, acabara de se divorciar e passava a morar com ele, junto à sua mãe, a irmã, o cunhado e o bebê do casal.
Havia poucos meses que DS perdera um auxílio que recebia do governo, de cujo nome já não recorda. Também não lembra por que não conseguiu renová-lo. Foi quando começou a pedir dinheiro num semáforo da avenida onde nosso outro personagem, Carlos Augusto, mora.
A primeira vez que dormiu na rua foi por puro cansaço. Ele havia tomado a sopa que distribuem na avenida Prudente de Morais, e um companheiro de ceia trazia uma lata de Pitu. “Só achei muito frio”, comenta.
Ao longo de uns poucos meses, as pernoites sob as marquises foram se tornando mai rotineiras e ele explica que – ao retornar para casa – sentia que na sala de sua casa, onde costumava dormir, ele já não cabia, entre o colchão da sobrinha e os brinquedos das crianças. com o tempo, foi ficando pela rua mesmo. Mas isso já faz cerca de uma década.
Ele não sabe se irá votar nesta eleição. “Faz tempo que fui na última vez”, conta. Os documentos ainda estão na casa da irmã, e DS leva consigo a cópia de uma carteira de identidade de 2009.
Questionado sobre o que espera de um futuro prefeito, ele é sucinto: “O maior problema? Acho que é comer. Tem os dias que a pessoa não dá nada. E muitos acham que estamos nessa vida porque somos vagabundos”.
Segundo dados de 2023, da Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas-RN), no RN são confirmadas 2.199 pessoas em situação de rua; 1.491 destas em Natal.
DS diz contar mais com o “pessoal da sopa” que com os agentes públicos. E de abrigos públicos não quer nem ouvir falar. Quanto às perspectivas para o futuro, espera apenas não ser expulso do palco do anfiteatro da praça, onde dorme atualmente. “Eles chegam e falam em trabalho, é. Mas o que que vou fazer? Me diz aí.”
Quanto aos seis candidatos à prefeitura que lhe foram apresentados, DS diz não conhecer nenhum. “Sei do Lula e do Bolsonaro. E dessa governadora aí, a Vilma.”
Carlos Augusto. Ao ser abordado, Carlos Augusto recuou. “Eu tava distraído, entende. E sempre fico preocupado em usar o celular porque tem muito roubo por aqui”, explica. Embora o bairro de Petrópolis conte com um dos mais efetivos patrulhamentos policiais da cidade e ostente baixos índices de crimes violentos, a preocupação de Carlos com a insegurança é generalizada por ali. “Segurança, né. E o custo de vida. Pagamos muito imposto e não temos nenhum retorno disso”, ele responde ao ser perguntado sobre o principal problema que gostaria de ver enfrentado pela próxima administração municipal em Natal.
O pequeno empresário atua no ramo da alimentação e também se queixa das dificuldades para manter seu negócio. “A fiscalização chega do nada e manda retirar as mesas da calçada. Mas ali a gente precisa de espaço pro pessoal que trabalha perto e precisa almoçar.”
“Olha, quer saber de algo importante? Deviam terminar essas obras que começam. Atrapalha o trânsito. E estão jogando o dinheiro dos nossos impostos fora. Não tem nada mais importante pra fazer?”, diz.
Quanto à presença de moradores de rua no bairro, ele também se mostra preocupado. “Acho que tem crescido sim. Eles chegam todos os dias. E isso traz muita violência, roubos, sujeira. A prefeitura devia levar eles pra um lugar mais adequado.” Para Carlos, além da pobreza há outro fator que leva ao aumento do contingente de pessoas nas ruas. “Tem gente que não quer mais trabalhar. Pro empresário, já é difícil contratar com carteira assinada. Aí alguns, não todos, claro, preferem viver de benefícios do governo que trabalhar por salário mínimo”, argumenta.
Ele disse conhecer quatro dos candidatos à prefeitura de Natal – os mais bem posicionados nas pesquisas. “Não tenho grande amor por nenhum, na verdade. Esse que tá aí só faz abrir buraco e os outros nunca fizeram nada. E a esquerda, nem pensar.”
Mãe Luiza: IDH 0,651
Eduardo de Oliveira tem 46 anos e mora no bairro de Mãe Luiza. Por sua ocupação como agente de portaria em um condomínio residencial em Petrópolis, ele vive diariamente as duas realidades opostas de nossa capital. Mãe Luiza está numa zona de amostragem que apresenta os menores níveis de qualidade de vida no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).Os três principais componentes do IDH – que varia de 0 a 1 – são a expectativa de vida ao nascer, a escolaridade e o poder de compra. Petrópolis pertence a uma faixa geográfica que possui índice médio equivalente ao de países desenvolvidos; com IDH de 0.948 é o bairro mais bem posicionado da capital. Já Mãe Luiza, numa região com IDH de 0,651, ocupa a lanterna no quesito.
Para Eduardo, a cidade “precisa ter mais transparência dos seus gestores. E que apresentem soluções, que não fique só no debate como sempre vemos nos períodos de campanha, precisamos de representantes que venham pras ruas sentir o que o povo sente”. E ele concorda com nossos outros personagens sobre o problema central de nosso cotidiano urbano: “Segurança Pública, eis uma questão muito complicada. Precisa com urgência uma reavaliação e mudança de leis mais severas. Hoje vemos inversões de valores. Precisa olhar tanto pela segurança pública, que hoje está um caos, como a educação e a saúde”.
Cláudia Letícia, aos 20 anos, é mãe de uma garota de 2 anos. Ela também mora em Mãe Luiza e exerce sua principal atividade no bairro de Petrópolis. Concluinte do ensino médio na Escola Estadual Profº Anísio Teixeira, Cláudia concorda que a insegurança é hoje o principal problema da cidade, mas faz uma observação que é comprovada pelas estatísticas. “Aqui embaixo [Petrópolis], a gente não enfrenta tanta violência quanto tem lá em cima [em Mãe Luiza]. Se preciso voltar pra casa mais tarde, minha mãe desce e sobe comigo”, diz.
A família de Cláudia tem como principal fonte de renda o programa federal Bolsa Família. O valor que a mãe da estudante recebe é quase todo gasto com a alimentação da família. “Às vezes faço faxinas, aqui e no bairro também. Queria trabalho numa loja aqui perto, ou nesses apartamentos. Sou boa com crianças. Mas meu currículo não é muito bom”, diz Cláudia.
Perguntada sobre o que espera dos candidatos e da próxima gestão, não se interessou muito pelo tema. “Eles toda vez chegam e falam que vão fazer tudo. Mas depois a gente não ouve mais falar. Pra mim, tinha que mudar alguma coisa.” O quê? “Não sei. Tirar tudo isso aí. Algo novo.”