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O Segredo de Brokeback Mountain (2005), dirigido por Ang Lee, não é apenas um romance trágico. É um espelho implacável da hipocrisia social diante da natureza do amor. O filme retrata a intensa e proibida relação entre Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal), dois cowboys que se apaixonam nas montanhas de Wyoming, na década de 1960. O que poderia ser uma celebração do amor em sua forma mais pura e avassaladora acaba sendo sufocado por uma teia de normas rígidas, preconceito e medo, revelando a profunda desconexão entre o discurso social sobre o amor e a realidade de sua aceitação.
Desde o primeiro olhar trocado em Brokeback Mountain, o amor entre Ennis e Jack é visceral, incontestável. Mas, desde o início, é obrigado a existir na clandestinidade, não por vergonha do sentimento em si, mas pelo terror das possíveis represálias sociais. A sociedade de meados do século XX – e, em muitos aspectos, ainda a de hoje — prega um amor idealizado, romântico, heteronormativo e rigidamente confinado a estruturas tradicionais. Celebra-se o amor em músicas, filmes e literatura, desde que ele se encaixe nas caixas previamente estabelecidas. Qualquer desvio desse modelo é rotulado como “anormal”, “pecaminoso” ou “perverso”, tornando-se alvo de estigmatização, violência e ostracismo.
A hipocrisia social se materializa na forma como Ennis e Jack são forçados a viver vidas duplas. Ennis, sobretudo, é paralisado por um medo visceral de ser descoberto, medo alimentado desde a infância por histórias de brutalidade contra pessoas que ousaram viver seu amor fora das normas. Na tentativa de se adequar, ele casa-se com Alma (Michelle Williams) e constrói uma família, vivendo uma existência marcada pela repressão, pelo silêncio e pela infelicidade latente. Sua rigidez emocional e sua incapacidade de abraçar plenamente o amor por Jack são retratos dolorosos da opressão imposta pelas expectativas sociais. Uma sociedade que, paradoxalmente, enaltece a família e o amor, mas falha miseravelmente em criar espaço para que o amor, em todas as suas formas, floresça sem medo.
Jack, por outro lado, é mais ousado em sua busca por felicidade. Sonha com uma vida onde ele e Ennis possam viver juntos, livres da vigilância social. Mas seu desejo esbarra constantemente nas barreiras erguidas pelo medo, pela intolerância e pelos traumas de Ennis. A tragédia do filme se instala exatamente aí: na impossibilidade de concretizar um amor que, para Jack, é tão essencial quanto o próprio ar. A sociedade, enquanto exalta o “amor verdadeiro”, condena implacavelmente aquele que não cabe em suas definições estreitas, roubando das pessoas sua plenitude afetiva, emocional e existencial.
As famílias que ambos constroem, embora aparentemente convencionais, são sustentadas sobre o frágil alicerce da dissimulação. Alma, ao perceber a verdade sobre Ennis e Jack, carrega em silêncio o peso da dor e da traição, mostrando como a opressão de uns reverbera no sofrimento de outros. As mentiras e os segredos corroem os relacionamentos, gerando frustração, ressentimento e solidão. A mesma sociedade que exige conformidade é aquela que, cruelmente, condena seus membros à incompletude e ao sofrimento, tudo em nome de uma moralidade hipócrita e muitas vezes infundada.
O destino de Jack, sugerido como fruto da violência homofóbica, é o ápice dessa hipocrisia social. A sociedade que condena o amor entre dois homens é a mesma que, através do ódio e da ignorância, produz sua destruição. O Segredo de Brokeback Mountain escancara uma verdade dolorosa: o amor, em sua essência mais pura e desprovida de preconceitos, frequentemente se mostra muito mais evoluído que a sociedade que o abriga. O filme é, ao mesmo tempo, um grito sufocado contra a tirania da conformidade, um lamento pelos amores que nunca puderam ser plenamente vividos, e uma denúncia poderosa da hipocrisia social que prega o amor, mas teme sua real e diversa natureza.
É, sobretudo, uma obra atemporal que nos lembra que a liberdade de amar é a mais fundamental de todas as liberdades e que sua negação é uma tragédia de proporções humanas e históricas.
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