A cada eleição que passa, mais os candidatos se dedicam às suas redes sociais, em busca de conquistar um público ao qual costumamos atribuir o voto de opinião, espécime resistente, muitas vezes sobrevivendo aos riscos de extinção.
Na verdade, a impressão que se tem é que – aparte o terrorismo midiático dos que propalam a crise da democracia, ameaçada por inimigos de todos os lados – o voto de opinião nunca esteve tão em voga.
Ocorre que também nunca antes na história deste país se teve tanta opinião sobre tanta coisa. Temos batido, em nossos editoriais, na tecla dos danos que a polarização lulo-bolsonarista causa ao país. Mas há no cenário político contemporâneo ao menos uma novidade que me parece saudável: há mais pessoas debatendo política, ainda que estejam em processo de civilização.
Deve ser melhor que se debata mal em vez de que se cale. Mas as vozes ecoadas dos sentimentos populares incomodam àqueles que creem que a opinião é privilégio dos iluminados. E curiosamente, os mais elitistas dentre os elitistas vêm da esquerda.
Mas, entrando enfim no tópico da guerrilha digital, podemos reparar que Natal será um grande laboratório de estudo para quem se interessar pelo tema. O caso recente da Revolta da Engorda, com a ocupação do terreno do Idema por centenas de pessoas, deu uma pista do que está por vir.
No jogo pela atenção fugaz do eleitor e pela manipulação de suas emoções vale tudo. E restam poucos ingênuos em campo.
Vejamos o discurso da deputada federal Natália Bonavides, na sequência da ocupação do Idema. “Oi, pessoal. Hoje aconteceram cenas terríveis…” Terríveis, diz ela, quase marejada de tanto horror. Para uma militante da esquerda identitária, acostuma à ocupação de prédios públicos, trancamentos de vias e queima de pneus – sem falar em eventuais confrontos diretos com a polícia – não cai bem, né? Oras, cai sim.
O discurso consternado de petistas, até o momento, venceu a queda de braço na opinião público sobre a quem deve caber o papel de mocinho no roteiro. E ganha aquele de fixar primeiro a pecha de vilão no concorrente.
A guerra das milícias digitais veio pra ficar. E acho anacrônico acusá-la de antidemocrática, pois ela é hoje o meio pelo qual se exerce o que quer que a democracia seja.
Mais adiante, em seu vídeo no Instagram, Natália confessa seus temores “a gente não quer que aconteça aqui em Natal o que aconteceu, por exemplo, em balneário de Camboriú, que apareceu tubarão por causa da obra da engorda, pelo amor de Deus”.
Se nos parece tolo, é porque tolos somos nós. O medo é um dos sentimentos mais fortes que conhecemos, e na hora do engajamento político ele é um estimulante natural.
Lula venceu em 2022 com o discurso de “a esperança vai vencer o medo”. Mas logo aprendeu que o medo é mais forte que qualquer esperança e também é mais duradouro.
A campanha de 2022 foi a campanha do medo. Medo do comunismo de esquerda, do fascismo de direita, do genocídio etc e tal.
Natália sabe que suas hostes estão sempre carentes de motivação. E ela fornece a motivação que lhe exigem. Se nesta semana o estímulo vem do medo, na próxima poderá vir da coragem. Vejam o perfil da deputada em seu site oficial. Lá ela se orgulha de ter participado da Revolta do Busão e da “a histórica ocupação da Câmara Municipal do Natal realizada em 2011” no Fora Micarla.
Perto das ações da Revolta do Busão – da qual participei e não me arrependo – e da ocupação da Câmara de Natal – da qual não participei, mas Natália sim – o sacolejo de portão que vimos na Revolta da Engorda foi o equivalente a um chá de revelação de sexo, em matéria de emoção.
Você pode se perguntar como os apoiadores de Natália não percebem tais contradições, assim tão óbvias. “Cenas horríveis…” eles ouvem. Eles já têm seu lado. Tudo de que necessitam é de um motivo para entoar o hino do time. E isso sequer é privilégio da esquerda.
No vídeo, Natália cita com respeito o “companheiro Mineiro”, o mesmo deu uma voadora no blogueiro que o incomodava. Isso enquanto lamentava as “cenas horríveis” dos sacolejadores de portão.
“Desde de 2012, quando Paulinho Freire era o vice de Micarla”, ela cita de passagem. Ou capricha nas orações subordinadas: “essa elite política, que tem sempre ideias tão parecidas, e que está há vários anos à frente da prefeitura de Natal”. Até a redução da jornada de trabalho (bandeira da CUT) ela critica.
Acontece que Natália entende a linguagem digital. Ela sabe que precisa tocar uma bela canção, e toca.