Bolsonaro em espelho de Lula: recurso a cortes internacionais vira arma política e narrativa em meio a derrotas no STF



Ícone de crédito A estratégia de Bolsonaro, agora, parece ser para salvar sua biografia. Foto: Gustavo Moreno/STF




Bolsonaro em espelho de Lula: recurso a cortes internacionais vira arma política e narrativa em meio a derrotas no STF





Ícone de crédito A estratégia de Bolsonaro, agora, parece ser para salvar sua biografia. Foto: Gustavo Moreno/STF


A decisão da defesa de Jair Bolsonaro e de seus aliados condenados por tentativa de golpe de recorrer a cortes internacionais não inaugura nenhuma novidade no cenário político-judicial brasileiro. Antes, repete — quase passo a passo — a estratégia adotada por Luiz Inácio Lula da Silva em 2016, quando o petista buscou organismos internacionais para denunciar supostas violações de direitos em meio às investigações da Operação Lava-Jato. Em ambos os casos, trata-se menos de uma aposta com reais chances de reverter condenações e mais de uma operação política: a construção de uma narrativa de perseguição e injustiça, destinada a ressoar para dentro e para fora do país.

A estratégia, como mostram juristas e especialistas, raramente produz efeito jurídico concreto. No entanto, tem alto valor simbólico e comunicacional — razão pela qual Lula, no passado, e Bolsonaro, agora, convergem no mesmo caminho.

Lula 2016: o modelo que agora se repete

Investigado por corrupção e sob forte desgaste público, Lula contratou o renomado jurista Geoffrey Robertson para apresentar ao Comitê de Direitos Humanos da ONU uma denúncia contra o Judiciário brasileiro. O ex-presidente alegava violações sistemáticas cometidas por Sergio Moro, então juiz da Lava-Jato: vazamento de informações sigilosas, condução coercitiva considerada arbitrária e prisões que, segundo a defesa, tinham como objetivo forçar delações premiadas.

A reclamação foi aceita para análise pelo Tribunal Penal Internacional — mas isso não impediu a sequência dos processos. Em 2017, Lula foi condenado a nove anos de prisão. Em 2018, foi preso. E suas penas acabaram confirmadas por diferentes instâncias da Justiça. Ou seja: o apelo internacional não funcionou como freio jurídico. Funcionou, isso sim, como elemento de narrativa. “A Justiça do Brasil é totalmente parcial”, dizia Robertson à época, ecoando exatamente o que, anos depois, Bolsonaro afirmaria sobre o Supremo Tribunal Federal.

O desfecho político reforça essa leitura. Em 2022, o Comitê da ONU concluiu que a Lava-Jato violara direitos do petista — mas naquele momento Lula já estava solto, elegível e em plena campanha presidencial. O veredicto tardio serviu como peça retórica poderosa para situar a Lava-Jato como uma “conspiração judicial”, reinterpretando o maior escândalo de corrupção da história do país como um processo enviesado. A estratégia, portanto, mostrou sua força narrativa.

Bolsonaro 2025: a mesma lógica, novos protagonistas

Agora são Bolsonaro e seus ex-auxiliares que se encontram na posição de acusados denunciando parcialidade judicial. Condenados a penas que chegam a 27 anos de prisão pelo STF, eles afirmam que houve prisões abusivas, ameaças para induzir delações e condução parcial dos processos. Argumentam, como Lula argumentou, que foram vítimas de “justiça de exceção”.

Paulo Cunha Bueno, advogado de Bolsonaro, afirma que é direito dos condenados buscar o “duplo grau de jurisdição” em sistemas internacionais. Rodrigo Faucz, também citado, lembra que esse debate existe desde o mensalão. Mas ambos reconhecem: é uma estratégia cara, lenta e, na maioria das vezes, estéril.

Os números impressionam. A defesa estima que serão necessários ao menos R$ 5 milhões apenas para custear pareceres ao longo dos próximos cinco anos — período médio para que a Comissão da ONU ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos analisem um caso. Pareceres simples custam cerca de R$ 300 mil; os mais complexos chegam a R$ 2 milhões.

Enquanto levantam recursos e discutem caminhos, os réus veem o cerco apertar. No dia 7, a Primeira Turma do STF negou um dos últimos recursos e manteve a condenação. Um segundo recurso seria possível, mas corre o risco de ser classificado como protelatório. A última esperança antes do cenário internacional é levar o caso ao plenário do Supremo — onde, segundo avaliação das próprias defesas, as chances de reversão são quase nulas.

A coincidência que não é coincidência

Há ainda uma coincidência política reveladora: em 2016, a ida de Lula à ONU foi coordenada por Cristiano Zanin, hoje ministro do STF e integrante do colegiado que condenou Bolsonaro por tentativa de golpe. A circularidade histórica é evidente: a estratégia que Lula inaugurou como acusado ele agora observa aplicada por seu maior rival político — e julgada pelo advogado que o defendeu no passado.

No fim, o objetivo é o mesmo

Em 2016 ou em 2025, com Lula ou com Bolsonaro, a busca por cortes internacionais cumpre a mesma função: não necessariamente reverter condenações, mas disputar a narrativa histórica. Serve para sustentar, no longo prazo, a tese de que ambos foram vítimas de arbitrariedades jurídicas — ainda que o resultado prático, no curto prazo, seja praticamente nulo.

Bolsonaro e seus aliados sabem disso. Por isso repetem a estratégia. E por isso a história, mais uma vez, rima.


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