A vida e a morte andam de mãos dadas



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Tem um poema meu que diz:
A vida e a morte andam de mãos dadas
E a gente só percebe isso no final da estrada.


Eu entendi que estamos o tempo todo por um triz.
Acordamos pela manhã – e isso eu posso dizer com toda convicção –
acordamos com a única certeza: estamos vivos.
Mas, ao final do dia, não sabemos mais.


Quando, em 2014, eu sobrevivi a um atentado a bala,
no qual levei oito tiros na região do abdômen,
ninguém acreditava que eu sobreviveria.


Naquela noite, tudo parecia normal.
Acordei naquele dia, fiz meu café da manhã como sempre: tapioca, queijo de coalho, um café forte.
Era um dia comum, quente, inclusive. Fez calor.


Fiz tudo o que eu tinha que fazer naquele dia, 18 de fevereiro de 2014.
Fui para a faculdade à noite, terminei de resolver as provas, conversei com o professor, despedi-me dos
amigos, falei com o porteiro.
Fui para a casa dos meus pais, dei um abraço nos dois, conversei, falei de um dente que havia quebrado.
Meu pai ficou preocupado, disse que era um mau presságio.
Depois disso, fiz pipoca. Papai comeu, se despediu de mim.
Logo depois, eu segui.

E, quando olhei de lado, eu estava sendo almejada de forma covarde.
Miraram no meu abdômen. Levei oito tiros.


Mas eu não levei apenas oito tiros.
Sobrevivi a oito tiros no abdômen.
Meu fígado foi atingido, meu corpo aberto, de fora a fora, numa cirurgia de laparotomia.


Além dos oito tiros, levei nas costas o peso da discriminação, do desrespeito, das pessoas desejando a minha
morte por causa da minha escolha afetiva e sexual.
Porque eu deveria ser a culpada.


Além de tudo isso – e não falo mais disso com mágoa –
carreguei a dor de ter que ficar sozinha por muito tempo.
Porque aquele que tentou me matar fugiu, e, para proteger a minha vida, fui forçada a ficar sozinha e em
silêncio, longe da minha família.


A vida mudou completamente.


Do nada, minha vida saiu do compasso.
Do nada, tudo mudou.

Era apenas uma manhã, um dia qualquer, um fevereiro qualquer da minha vida.
Minha vida mudou.

Meus olhos começaram a ver o mundo de outro jeito.
Meus passos começaram a andar no mundo de outro jeito.


A partir daquele silêncio em que fui colocada e forçada a estar,
naquele lugar onde eu não podia ter ninguém para conversar,
eu comecei a conversar comigo mesma.


Ou eu fazia alguma coisa para não enlouquecer – além das dores físicas e de estar ainda em recuperação –
ou eu me perdia.


Eu precisava reconstruir a minha vida.


E, naquele silêncio ao qual fui submetida,
fui entendendo, pouco a pouco, dia após dia,
que precisava reescrever a minha história, reescrever quem sou, quem fui.


Comecei a observar todos os pontos em que precisava de mudança,
porque, às vezes, a gente precisa mudar.

Foi ali que percebi que era rígida demais.
Foi ali que percebi que, muitas vezes, encarava pessoas e brigava brigas que nem eram necessárias,
porque nem toda briga é necessária.


Foi ali que percebi que precisava mudar,

que precisava ser uma filha melhor, mais presente,
uma mãe melhor, mais presente,
que precisava renovar as minhas forças e estar cada vez mais presente em mim mesma,
que precisava cuidar mais de mim, me amar mais, me valorizar mais.


Foi ali, após levar oito tiros e ter que viver reclusa para me proteger,
que aprendi de novo a viver. Me reinventei.


Aqueles que me conhecem, que me veem hoje, sabem que eu costumo dizer: não sou mais a mesma.
Isso não quer dizer que fui o pior ser humano do mundo.
Errei muito, e ainda erro.


Mas foi ali, naquelas marcas de bala, naquele silêncio imposto,
que parei para entender que precisava ser ainda melhor.


E todos os dias, ao acordar, passo um tempo pensando sobre a vida.
Às vezes, preciso de silêncio.
Na verdade, quase sempre preciso de silêncio para entender-me, para saber quem sou e para onde estou indo.

Eu sei que, por mais que eu tenha tido a oportunidade de ter uma vida nova, de recomeçar,
tenho consciência de que essa é uma oportunidade para poucas pessoas no mundo,
porque poucos podem ter a chance que eu tive.


A Deus eu sou grata, aos anjos e aos meus protetores espirituais.

Sei que apenas acordei nesta manhã.
O que vem pela frente, eu desconheço.


E o que eu quero dizer a você, meu caro leitor, minha cara leitora,
é que a vida é isso: é acordar.


E, se você precisa fazer algo melhor, não deixe para amanhã, porque a vida é agora.



A vida e a morte andam de mãos dadas






Tem um poema meu que diz:
A vida e a morte andam de mãos dadas
E a gente só percebe isso no final da estrada.


Eu entendi que estamos o tempo todo por um triz.
Acordamos pela manhã – e isso eu posso dizer com toda convicção –
acordamos com a única certeza: estamos vivos.
Mas, ao final do dia, não sabemos mais.


Quando, em 2014, eu sobrevivi a um atentado a bala,
no qual levei oito tiros na região do abdômen,
ninguém acreditava que eu sobreviveria.


Naquela noite, tudo parecia normal.
Acordei naquele dia, fiz meu café da manhã como sempre: tapioca, queijo de coalho, um café forte.
Era um dia comum, quente, inclusive. Fez calor.


Fiz tudo o que eu tinha que fazer naquele dia, 18 de fevereiro de 2014.
Fui para a faculdade à noite, terminei de resolver as provas, conversei com o professor, despedi-me dos
amigos, falei com o porteiro.
Fui para a casa dos meus pais, dei um abraço nos dois, conversei, falei de um dente que havia quebrado.
Meu pai ficou preocupado, disse que era um mau presságio.
Depois disso, fiz pipoca. Papai comeu, se despediu de mim.
Logo depois, eu segui.

E, quando olhei de lado, eu estava sendo almejada de forma covarde.
Miraram no meu abdômen. Levei oito tiros.


Mas eu não levei apenas oito tiros.
Sobrevivi a oito tiros no abdômen.
Meu fígado foi atingido, meu corpo aberto, de fora a fora, numa cirurgia de laparotomia.


Além dos oito tiros, levei nas costas o peso da discriminação, do desrespeito, das pessoas desejando a minha
morte por causa da minha escolha afetiva e sexual.
Porque eu deveria ser a culpada.


Além de tudo isso – e não falo mais disso com mágoa –
carreguei a dor de ter que ficar sozinha por muito tempo.
Porque aquele que tentou me matar fugiu, e, para proteger a minha vida, fui forçada a ficar sozinha e em
silêncio, longe da minha família.


A vida mudou completamente.


Do nada, minha vida saiu do compasso.
Do nada, tudo mudou.

Era apenas uma manhã, um dia qualquer, um fevereiro qualquer da minha vida.
Minha vida mudou.

Meus olhos começaram a ver o mundo de outro jeito.
Meus passos começaram a andar no mundo de outro jeito.


A partir daquele silêncio em que fui colocada e forçada a estar,
naquele lugar onde eu não podia ter ninguém para conversar,
eu comecei a conversar comigo mesma.


Ou eu fazia alguma coisa para não enlouquecer – além das dores físicas e de estar ainda em recuperação –
ou eu me perdia.


Eu precisava reconstruir a minha vida.


E, naquele silêncio ao qual fui submetida,
fui entendendo, pouco a pouco, dia após dia,
que precisava reescrever a minha história, reescrever quem sou, quem fui.


Comecei a observar todos os pontos em que precisava de mudança,
porque, às vezes, a gente precisa mudar.

Foi ali que percebi que era rígida demais.
Foi ali que percebi que, muitas vezes, encarava pessoas e brigava brigas que nem eram necessárias,
porque nem toda briga é necessária.


Foi ali que percebi que precisava mudar,

que precisava ser uma filha melhor, mais presente,
uma mãe melhor, mais presente,
que precisava renovar as minhas forças e estar cada vez mais presente em mim mesma,
que precisava cuidar mais de mim, me amar mais, me valorizar mais.


Foi ali, após levar oito tiros e ter que viver reclusa para me proteger,
que aprendi de novo a viver. Me reinventei.


Aqueles que me conhecem, que me veem hoje, sabem que eu costumo dizer: não sou mais a mesma.
Isso não quer dizer que fui o pior ser humano do mundo.
Errei muito, e ainda erro.


Mas foi ali, naquelas marcas de bala, naquele silêncio imposto,
que parei para entender que precisava ser ainda melhor.


E todos os dias, ao acordar, passo um tempo pensando sobre a vida.
Às vezes, preciso de silêncio.
Na verdade, quase sempre preciso de silêncio para entender-me, para saber quem sou e para onde estou indo.

Eu sei que, por mais que eu tenha tido a oportunidade de ter uma vida nova, de recomeçar,
tenho consciência de que essa é uma oportunidade para poucas pessoas no mundo,
porque poucos podem ter a chance que eu tive.


A Deus eu sou grata, aos anjos e aos meus protetores espirituais.

Sei que apenas acordei nesta manhã.
O que vem pela frente, eu desconheço.


E o que eu quero dizer a você, meu caro leitor, minha cara leitora,
é que a vida é isso: é acordar.


E, se você precisa fazer algo melhor, não deixe para amanhã, porque a vida é agora.


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