A escalada de pressões políticas, econômicas e militares dos Estados Unidos contra a Venezuela, intensificada durante o novo mandato de Donald Trump, chegou ao ápice com o ataque anunciado pelos americanos nesta segunda-feira (29), e extrapola em muito o debate sobre o regime político venezuelano. O ensaio de um bloqueio naval no Caribe, a presença de navios de guerra e submarinos próximos à costa do país e a retórica de “combate ao narcotráfico” colocam no horizonte uma desestabilização que afeta diretamente toda a América do Sul — e o Brasil, em particular. Para Pedro Marin, da Revista Opera, há elementos suficientes para crermos que o ataque à Venezuela configura, também, um ataque ao Brasil.
Embora apresentada como uma ação dirigida exclusivamente contra Caracas, a ofensiva norte-americana produz efeitos regionais claros. A justificativa central repousa em dois argumentos recorrentes: a caracterização da Venezuela como “narcoestado” e como “ditadura”. Há forte contestação, no entanto, demonstrada por relatórios de organismos internacionais, inclusive da ONU, União Europeia e do próprio Departamento de Estado dos EUA, que apontam que as principais rotas do narcotráfico para o mercado norte-americano passam pelo Pacífico, e não pelo Caribe. Ainda assim, o uso da “guerra às drogas” como pretexto para ações militares unilaterais estabelece um precedente perigoso.
E o Brasil? Bem, esse precedente nos atinge de forma direta. Diferentemente da Venezuela, o território brasileiro é uma das principais rotas do narcotráfico internacional, com organizações criminosas de grande porte e conexões globais. Cresce, nos Estados Unidos, a pressão para que o Brasil classifique essas organizações como terroristas, enquanto no Congresso Nacional tramita um projeto de lei que amplia o conceito de terrorismo. A lógica é simples e alarmante: se um país de relevância marginal no narcotráfico pode ser alvo de sanções e ameaças militares, por que o Brasil estaria imune?
Há também uma dimensão política interna que aproxima os dois países. Nos últimos anos, com setores do bolsonarismo atuando abertamente no exterior em defesa de sanções e tarifas contra o próprio Brasil, há um espelhamento de estratégia semelhante adotada pela oposição venezuelana a partir de 2016. A história recente, porém, demonstra que sanções não atingem apenas governos, mas produzem efeitos devastadores sobre a população. Estudos publicados pela revista científica The Lancet estimam dezenas de milhões de mortes associadas a regimes de sanções nas últimas décadas, incluindo milhares na própria Venezuela.
Além disso, um eventual conflito armado teria consequências imediatas sobre a extensa fronteira de 2,2 mil quilômetros entre Brasil e Venezuela, que atravessa os estados de Roraima e Amazonas. Qualquer ação militar implicaria aumento do fluxo migratório, tensões de segurança e a necessidade de reforço da presença das Forças Armadas brasileiras na região. Esse cenário poderia fortalecer novamente a tutela militar sobre a política nacional, comprometendo o esforço recente de recomposição do controle civil e reduzindo a margem de manobra do governo brasileiro.
Do ponto de vista estratégico, a Venezuela não é um alvo simples. A existência da Milícia Nacional Bolivariana, composta por centenas de milhares de civis e reservistas preparados para a guerra irregular, torna extremamente custosa qualquer ocupação terrestre. Uma agressão tende a produzir não uma vitória rápida, mas um cenário prolongado de instabilidade ou guerra civil, com impactos diretos sobre países vizinhos e sobre a segurança regional.
Nesse contexto, ganha força a hipótese de um bloqueio marítimo como alternativa à invasão direta, restringindo exportações de petróleo e pressionando o governo venezuelano a fazer concessões. Ainda assim, trata-se de uma estratégia que reorganiza o equilíbrio geopolítico no Caribe e afeta interesses brasileiros, seja pelo impacto econômico regional, seja pelo precedente político que estabelece.
Historicamente, o Brasil buscou exercer um papel de mediador entre Washington e Caracas, especialmente nos anos 2000. Hoje, porém, esse espaço é mais estreito. As posições recentes do governo brasileiro em relação à Venezuela, somadas às pressões externas, reduzem a confiança necessária para uma mediação eficaz. Chega, na verdade, a ser estranho o silêncio brasileiro. O Marin não levanta diretamente a tese, mas sugere a coincidência do silêncio brasileiro ante tais atos justo no período posterior à aproximação de Lula com Trump. Terá entrado Maduro como moeda de troca para redução do tarifaço ou relaxamento da Lei Magnitsky?
Para uma possibilidade ou para outra, um ponto é certo: a neutralidade passiva não é uma opção isenta de custos.
O ataque à Venezuela é também um ataque ao Brasil porque sinaliza até onde o intervencionismo pode ir, porque cria precedentes jurídicos e políticos que podem ser aplicados contra nós e porque produz efeitos concretos sobre nossa segurança, nossa economia e nossa política interna. Ignorar essa conexão é aceitar, calados, que o mesmo método possa ser usado contra o Brasil quando interessar aos Estados Unidos. Mas o silêncio por conveniência de curto prazo parece ter se tornado habitante comum de nossas terras.






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