A escalada de tensões envolvendo a Venezuela e o governo dos Estados Unidos recoloca a América Latina diante de um dilema recorrente: aceitar a naturalização da ingerência externa ou reafirmar, de forma coletiva, o compromisso com a soberania e a paz regional. Para o Brasil, país diretamente afetado por instabilidades geopolíticas no continente, a omissão diante do que ocorre na Venezuela não é neutra — é uma escolha com consequências.
Ao longo das últimas décadas, a Venezuela construiu sua trajetória política por meio de sucessivos processos eleitorais, nos quais a população reiterou projetos de governo distintos, porém legitimados pelas urnas. Independentemente de concordâncias ideológicas, trata-se de um dado objetivo: o país manteve mecanismos formais de consulta popular. Ainda assim, os resultados dessas escolhas têm sido sistematicamente questionados por atores internos e externos que se recusam a reconhecê-los como válidos, apostando na desestabilização como método político.
Essa estratégia não se limita ao discurso. Inclui sanções econômicas severas, bloqueios financeiros, campanhas internacionais de deslegitimação institucional e ações diretas contra setores estratégicos da economia venezuelana, especialmente o energético. O impacto dessas medidas é conhecido: queda de receitas públicas, dificuldades no abastecimento e deterioração das condições de vida da população civil. Trata-se de uma forma de coerção que atinge, sobretudo, os mais vulneráveis.
Do ponto de vista jurídico, preocupa a ampliação arbitrária de categorias utilizadas para justificar intervenções. A rotulagem de autoridades estrangeiras como “narcoterroristas”, sem respaldo em tratados internacionais ou decisões multilaterais, abre precedentes perigosos. Ao diluir fronteiras entre conceitos jurídicos distintos, cria-se um ambiente propício à flexibilização do uso da força e à relativização do princípio da não intervenção, consagrado no Direito Internacional.
O cenário se agrava quando ações militares e apreensões de embarcações ocorrem sem autorização de organismos internacionais competentes. Bloqueios de fato e operações letais em águas internacionais não afetam apenas o país diretamente atingido: colocam em risco a segurança regional e aumentam a probabilidade de conflitos de maior escala. Para a América do Sul, historicamente comprometida com a resolução pacífica de controvérsias, esse tipo de precedente é alarmante.
Há ainda uma dimensão geopolítica mais ampla. A pressão sobre a Venezuela insere-se em um contexto de disputa por influência econômica e estratégica na região, especialmente diante da ampliação das relações comerciais do país com parceiros fora do eixo tradicional norte-americano. A diversificação dessas parcerias, longe de ser um ato hostil, reflete transformações estruturais no comércio internacional e na ordem multipolar emergente.
Por fim, existe uma dimensão ética e política que não pode ser ignorada. O Brasil conhece, por experiência própria, os efeitos da instrumentalização externa de crises internas. Defender a soberania venezuelana não significa endossar governos ou modelos específicos, mas reafirmar princípios que protegem todos os países da região.
Diante desse quadro, o silêncio não é prudência. É abdicação. Para os brasileiros que valorizam a paz, a autodeterminação dos povos e a estabilidade regional, posicionar-se contra ações unilaterais e coercitivas é não apenas legítimo, mas necessário. Em tempos de encruzilhada histórica, a neutralidade costuma favorecer sempre o lado mais forte.






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