Tudo que é maravilhoso e ruim nasce em setembro. Esse mês, que me viu chegar ao mundo, tornou-se também uma espécie de espelho da minha própria vida: um tempo de começos e encerramentos, de alegrias e dores, de plenitude e de ausência. Nasci a conversar com a morte e, desde então, essa presença silenciosa caminha comigo. Cada aniversário me lembra, de modo discreto e firme, que logo passarei mais tempo não sendo do que sendo; mais tempo ausente do que presente. Mas essa constatação não é um convite ao desespero. É, antes, um chamado à consciência de que a vida é breve e, por isso, valiosa. Pensar no fim não me paralisa: fortalece em mim a urgência de viver.
Ao longo da caminhada até aqui, vivi coisas boas e coisas não tão boas. O balanço da vida não é feito apenas de vitórias ou derrotas, mas da mistura de ambas. Fiz amigos e amigas, conheci uma ou duas pessoas que marcaram profundamente minha história, sorri com intensidade, chorei com amargura, senti alegria, medo, frio, calor. Experimentei momentos de plenitude e também períodos de vazio, quando fiquei ressecado pelas dores da vida, sem nada — exatamente nada — sentir. Mas, mesmo nesses intervalos de anestesia, a vida estava lá, latejando, esperando o próximo passo, o próximo suspiro.
Fiz poesia, escrevi prosas, tive um livro, plantei um filho no mundo e publiquei uma árvore. Essas ações não são apenas símbolos de realização pessoal, mas de um compromisso silencioso com a existência. Conheci ódio, amor, raiva, decepção; perdi muito mais do que ganhei, e cada perda deixou uma marca que me ensinou algo. Fiquei em coma, capotei com um ônibus, sofri com sonambulismo, fiz um rap, aprendi e penso que ensinei algo. Cada experiência, boa ou ruim, moldou a pessoa que sou hoje. Ao olhar para trás, vejo que mesmo o que pareceu destrutivo guardava lições sobre o valor de estar vivo.
Falta-me, ao certo, inimigos, mas devo tê-los; pelo menos espero que sim. Essa frase, meio irônica, reflete uma vida mais voltada ao encontro do que ao confronto. Atravessei a nado do cais da Tavares de Lira para a Redinha, pulei da Ponte Velha de Igapó, andei de bicicleta até desmaiar. São lembranças de desafios, de experimentos com os limites do corpo e do medo. Esses momentos não são simples aventuras: são marcas do desejo de sentir, de tocar o extremo da vida, de provar que estou aqui, inteiro, respirando.
Tudo isso é viver. E, como todo mundo, eu vivi. Vivi… vivi… e a morte segue comigo. Mas a morte, aqui, não é personagem de um drama sombrio; é antes uma mestra silenciosa. Ao me lembrar que sou finito, ela me ensina o valor do instante. Ao recordar que tudo acaba, ela me mostra o que merece começar. Ao falar dela, falo da vida. Ao refletir sobre o fim, descubro o sentido do meio.
Não há nada de mórbido nesse diálogo com a morte. Há lucidez. Há força. Há um reconhecimento de que cada segundo importa. Pensar no fim não diminui a importância do caminho; pelo contrário, engrandece-o. Sem a morte, a vida perderia urgência, perderia sabor. Se eu não soubesse que cada aniversário é também um lembrete da finitude, talvez desperdiçasse mais dias, mais encontros, mais gestos. Mas, consciente de que o tempo é curto, busco fazer cada instante contar.
Essa é a lição que carrego e que tento transmitir: falar da morte é, na verdade, uma forma de falar da vida. É reconhecer que ela não é infinita, e que justamente por isso precisa ser intensa, honesta, experimentada. É entender que cada dor, cada alegria, cada vazio e cada conquista são parte de um mosaico irrepetível. É aceitar que tudo o que é maravilhoso e ruim nasce e morre — assim como nós.
Hoje, olhando para trás, percebo que cada salto, cada travessia, cada poesia, cada lágrima e cada sorriso foram, no fundo, declarações de vida. E é essa consciência que me fortalece: não temo a morte porque aprendi, com ela, a valorizar o que sou agora. A morte é companheira, mas a vida é o caminho. Pensar no fim não me impede de caminhar; ao contrário, me orienta. É o fim que dá sentido ao meio, é a certeza do último ato que dá força aos capítulos.
Tudo que é maravilhoso e ruim nasce em setembro, inclusive eu. Nasci a conversar com a morte, mas vivo a aprender com ela a importância de estar vivo. Cada aniversário é um lembrete de que o tempo não volta, e cada lembrança é uma prova de que estive aqui. Vivi. Vivi. E sigo vivendo.
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