Após mais de duas décadas em tramitação, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (17), por 267 votos a 116, o projeto de lei que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental no Brasil. A proposta, considerada por ambientalistas o maior retrocesso ambiental desde a ditadura militar, segue agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode vetar trechos do texto.
Aprovado em meio a uma série de embates políticos e manifestações de entidades socioambientais, o projeto é visto por defensores como um instrumento de desburocratização e estímulo ao desenvolvimento, enquanto críticos apontam riscos graves à proteção de biomas, comunidades tradicionais e à prevenção de tragédias como as de Mariana e Brumadinho.
O que muda com o projeto
Entre os pontos mais polêmicos do texto, relatado pelo deputado Zé Vitor (PL-MG), estão:
- Criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que permite liberação mais rápida para obras consideradas “estratégicas” pelo governo federal, mesmo com potencial de causar significativa degradação ambiental;
- Dispensa de licenciamento para ampliação de estradas e atividades agropecuárias, além de estações de tratamento de água e esgoto até o Brasil atingir as metas do marco do saneamento;
- Renovação automática de licenças ambientais, por autodeclaração, via internet, desde que não haja mudanças na atividade ou nas normas;
- Nacionalização da autodeclaração para projetos de médio porte com potencial poluidor, prática já usada por alguns estados;
- Retirada da exigência de análise do Ibama para o corte de vegetação na Mata Atlântica, transferindo a responsabilidade para estados e municípios;
- Desconsideração de terras tradicionais não homologadas, como territórios indígenas ainda não demarcados e quilombolas não oficializados, na análise para licenciamento.
Além disso, foi retirado o poder do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para normatizar atividades de mineração de grande porte, fortalecendo a autonomia dos estados, medida que preocupa especialistas pela fragilização da regulação federal.
O Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva, se posicionou contra o projeto. A orientação do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), também foi pela rejeição. Ainda assim, a base governista não conseguiu barrar a aprovação.
Em contrapartida, parlamentares da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) celebraram o texto. “A medida representa um avanço para a segurança jurídica e a melhoria do ambiente de negócios”, disse a FPE.
Durante a sessão, houve troca de ofensas entre os deputados Célia Xakriabá (Psol-MG) e Kim Kataguiri (União-SP), o que levou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a acionar a Polícia Legislativa para conter os ânimos.
Comunidades tradicionais e territórios ameaçados
Um dos principais pontos de alerta diz respeito às terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas e comunidades quilombolas que ainda não foram oficializadas. Segundo estudo do Instituto Socioambiental (ISA), o novo modelo de licenciamento pode excluir da análise cerca de 18 milhões de hectares nessas condições.
Outro levantamento, do Observatório do Clima, mostra que a proposta “apagaria” da legislação 259 terras indígenas e mais de 1,5 mil territórios quilombolas, eliminando qualquer salvaguarda legal no processo de autorização de empreendimentos nessas áreas.
“Com a histórica omissão do Estado em concluir processos de demarcação, essas terras passariam a ser invisíveis na análise de licenciamento”, diz o relatório.
Margem Equatorial e a licença especial
A nova Licença Ambiental Especial (LAE) também levanta preocupações. O mecanismo permite a liberação de grandes obras por decreto presidencial, com análise técnica acelerada e sem o rito completo do licenciamento tradicional.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), foi um dos principais articuladores da medida, que pode facilitar a exploração de petróleo na Margem Equatorial, uma das regiões mais sensíveis da costa brasileira, que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte.
Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a área pode conter até 30 bilhões de barris de petróleo. O próprio presidente Lula defende a exploração da região, o que aumenta a tensão entre o Palácio do Planalto e o Ministério do Meio Ambiente.
“Significa que as análises ficam à mercê das vontades políticas e prejudicam aqueles que estão na fila para ter seus processos analisados com critérios técnicos”, alertou o Observatório do Clima.
Próximos passos
O texto aprovado ainda precisa passar pela sanção presidencial. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), já antecipou que o governo deve vetar ao menos os trechos mais controversos da proposta.
Caso Lula vete partes do projeto, o Congresso pode manter ou derrubar os vetos, o que prolongaria o embate político. Enquanto isso, entidades da sociedade civil se organizam para levar o tema ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde a constitucionalidade de vários pontos deverá ser questionada.
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