Enquanto a pré-campanha para a prefeitura de Natal ainda titubeia em ganhar as ruas, nas redes sociais ela já começou com tudo. É o caso da pré-candidata petista Natália Bonavides.
Através das próprias redes sociais e das redes nacionais do Partido dos Trabalhadores, a deputada federal vem investindo alto na promoção de vídeos em que aparece criticando problemas de gestão na capital do RN, que pretende governar a partir de janeiro.
No mais recente deles, denunciando a situação instalada em Natal devido às chuvas, o diretório nacional do PT investiu cerca de R$ 5 mil em impulsionamento.
Aplausos para a deputada
Chamou a atenção de milhares de internautas uma denúncia publicada por Natália sobre a Escola Municipal Luiz Maranhão Filho, no bairro de Cidade Nova, na capital potiguar. No vídeo, a deputada aparece ao lado da vereadora Brisa Bracchi, também petista, e expõe o drama gerado pela falta de planejamento da gestão municipal que deixou a escola sem fornecimento de merenda, fazendo com que os estudantes fossem liberados mais cedo no dia em que as parlamentares visitaram o local.
“Salas inclusive sem ventilador. Não temos espaços adequados para a prática de esportes. A gente viu aqui que essa questão da falta de merenda está diretamente relacionada com a falta de planejamento e de logística da prefeitura que não providenciou o que tinha que ser providenciado a tempo pra os alunos e as alunas terem alimentação escolar”, diz Natália na postagem que teve centenas de curtidas e comentários.
A situação flagrada pelas parlamentares petistas infelizmente não se restringe à escola do bairro de Cidade Nova, que fica na zona oeste da capital e é um dos mais antigos da cidade. Se trata de um problema antigo e inaceitável. Por conhecer e expôr esta realidade, Natália merece nossos aplausos.
Visão seletiva?
“Com calor e com fome não dá pra gente ficar na escola”, diz a vereadora Brisa, ao lado de sua pré-candidata à prefeita. O vídeo chamou a atenção de nossa redação justamente na semana em que havíamos lançado esta versão impressa de O Potengi, com a grave situação da educação pública estadual sendo manchete de capa.
Por que a educação pública do RN se tornou a pior do Brasil?, perguntava a manchete.
Na ocasião, tentamos entrevistar sem sucesso a secretária estadual de Educação, Socorro Batista, bem como – e igualmente sem sucesso – deputados estaduais e federais do PT (entre eles, Natália).
A situação das escolas da rede municipal da capital, bem como da maioria de nossas cidades, é até mais preocupante do que sugere o vídeo da deputada Natália. Em bairros mais distantes que ela ainda pôde visitar, faltam segurança e professores; algumas estruturas estão sem condições de uso; os insumos básicos são escassos.
Natália, sendo membro da Comissão de Educação da Câmara Federal, cumpre seu dever ao fiscalizar e expôr as condições das escolas geridas pela prefeitura de Natal.
Contudo, nos intrigou o silêncio anterior da deputada federal, quando buscamos explicações para o fato de o RN ocupar as últimas posições em diversos quesitos de avaliação do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Decidimos então fazer aquilo que cabe a um jornal, apurar. Voltamos a algumas das escolas que constaram de nossa primeira reportagem e visitamos outras.
Como resultado de nossa nova incursão pelas escolas estaduais de Natal, trazemos a seguir um roteiro que a petista poderá seguir em suas próximas visitas. Talvez rendam até um vídeo no Instagram que certamente será visto pela governadora Fátima Bezerra. E quem sabe – não custa sonhar – ao ver a companheira Natália denunciando a situação calamitosa da educação pública potiguar, Fátima enfim chama a secretária de Educação de seu governo e cobre alguma satisfação.
Quatro escolas e uma só sina: o descaso
Falta de professores, de merenda e até de papel para aplicar provas. Esse é o cotidiano das escolas públicas do Rio Grande do Norte.
Seletivamente, os políticos e seus apoiadores atacam as mazelas encontradas sob gestões adversárias. Mas o quadro é generalizado, nenhum gestor escapa.
E. E. Winston Churchill
Localizada no centro de Natal, a Escola Estadual em Tempo Integral Winston Churchill já foi uma das joias da educação em nosso estado. Atualmente, graças à dedicação de professores e demais profissionais, ela mantém com dignidade o peso de sua tradição.
Em maio, a escola ficou uma semana inteira sem qualquer merenda para seus mais de 400 estudantes. Estes alunos são, na maioria, jovens carentes que necessitam da alimentação escolar para suportar os dois turnos de aulas diários – se trata de uma escola em tempo integral, na qual os estudantes permanecem pela manhã e pela tarde.
O Churchill, como é conhecido, também foi forçado a liberar seus alunos antes do fim das aulas, também por falta de merenda.
Os alunos nos contam que a quadra de esportes do Churchill foi batizada de “banho de sol”, pois não conta com qualquer tipo de cobertura.
“Imaginem dar aula aqui às dez da manhã com todo esse calor…. Para piorar a situação, a escola é em tempo integral, mas só temos quatro chuveiros para mais de 400 alunos. Não há como todos tomarem banho no intervalo do almoço”, relata um professor que prefere não se identificar.
As atividades de educação física são realizadas ao sol e no mais absoluto silêncio, já que a quadra fica localizada entre diversas salas de aula.
E se já não bastasse a irregularidade no fornecimento de alimentos, os dois fogões da cozinha do Churchill estavam quebrados há semanas e sem previsão de conserto, na data em que visitamos a escola, em 9 de maio.
E. E. Profª Dulce Wanderley
A Dulce Wanderley é a escola mais tradicional da Redinha, na zona Norte da capital.
Seus mais de 500 alunos lotam salas de aulas com 35 a 40 estudantes cada. Segundo uma gestora com quem conversamos – mais uma que temeu se identificar – “é lei que seja assim”, querendo dizer que há uma determinação do governo para que cada turma tenha no mínimo 35 alunos.
Nesta escola, muitas salas não têm ventiladores, outras possuem ventiladores quebrados ou antigos, doados por outras unidades escolares. Para piorar a situação, não há ventilação natural em algumas salas de aula e as janelas de madeira ficam fechadas para proteger os alunos do sol. A sensação de sauna é sentida por todos.
Na Dulce Wanderley, a área de esportes para os alunos não é uma quadra e sim um quadrado, também ao sol. A estrutura metálica que cobria a quadra foi danificada pela maresia e acabou sendo demolida pela gestão estadual da educação, que deixou todo o entulho já enferrujado no pátio da própria escola.
Imaginem a sensação térmica de uma sala de aula sem ventilação, sem ventiladores, com 40 alunos em dias de temperatura de mais de 35°C, como tivemos em maio.
E. E. Ana Júlia Mousinho
Já na Escola Estadual Ana Júlia Mousinho, em Nossa Sra. da Apresentação, a quadra também fica ao sol. Ali, chegou a haver esperança. Em 2010, ainda sob a gestão de Wilma de Faria, foi iniciado o projeto de construção de um ginásio de esportes. 14 anos depois, só restam as ruínas das obras inacabadas.
Na Mousinho e na Dulce Wanderley, ou mesmo nos tradicionais Churchill e Atheneu, o quadro se repete: carência de profissionais, estruturas degradadas, estudantes sem merenda e outras atenções básicas.
Enquanto lulistas e bolsonaristas debatem fervorosamente se os estudantes podem ou não ser ensinados a falar todes, todxs ou qualquer outra frivolidade, se esquecem que faltam professores de português nas escolas públicas.
Mas temos uma boa notícia. Os fogões quebrados do Churchill enfim foram substituídos. Em seu lugar um solitário fogão novinho e menor que os anteriores, mas luta como pode para dar conta da demanda. O novo fogão não tem sofrido muito, pois a falta regular de merenda segue sendo a norma. Os alunos que podem e não desejam perder aulas levam suas refeições.
Exaustos pela fome e pela exaustão, os estudantes não parecem estar assim tão preocupados com linguagem neutra ou mesmo com as eleições de outubro. “No dia seguinte esquecem que a escola existe”, diz uma estudante ao ser perguntada sobre o que achava dos vídeos que lhe mostramos.